Resumo
Em virtude da crise pandémica provocada pelo novo coronavírus e ARS-CoV-2 e da doença COVID-19, os governos sentiram a necessidade de criar normas, não apenas para prevenir a propagação do novo coronavírus, mas também, para salvaguardar certos direitos e garantias para a proteção do (s) trabalhador (es), enquanto elemento (s) hipossuficiente (s) da relação jurídico-laboral.
Foi o caso, por exemplo, do Decreto Executivo n.º 122/20, de 24 de Março, que, evidentemente, garante a proteção do trabalhador contra despedimentos injustos num período de penúria.
Entretanto, o princípio da proteção do trabalhador previsto neste Decreto tem como um dos subprincípios o favor laboratoris há muito abandonado pelos aplicadores da justiça laboral e é tido, nalguns ordenamentos jurídicos, como um subprincípio arcaico ou ultrapassado do Direito do Trabalho (Arbeitsrecht).
Assim, o presente artigo debruça-se sobre o princípio originador do Direito do Trabalho (princípio da proteção) previsto no Decreto executivo n.º 122/20, de 24 de Março, e saber então se é possível repensarmos o favor laboratoris como cânone geral de interpretação na aplicabilidade das normas laborais.
Palavras-chave: Crise Pandémica, Favor Laboratoris, Empregador, Princípio da Proteção e Trabalhador.
Nota Introdutória[1]
A pandemia provocada pelo novo coronavírus alterou completamente o paradigma social e jurídico, na medida em que forçou os Estados a determinar medidas excecionais e urgentes para conter a propagação do vírus ARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
Destas medidas, destacam-se a limitação dos direitos, deveres e liberdades dos trabalhadores de se fazerem habitualmente presente nos seus locais de trabalho mormente daqueles cuja atividade laboral considera-se não essencial.
Evidentemente que a ausência do trabalhador no seu posto de trabalho causa, do ponto de vista económico-financeiro, consequências graves e/ou irreversíveis ao empregador que depende do esforço e empenho daquele para manter ativa a produtividade da empresa sob pena desta desencadear-se em processo de insolvência.
De igual modo que, o trabalhador, fruto do seu esforço e empenho, depende da remuneração proporcionada pelo empregador para manter o seu sustento e do seu agregado.
Neste desiderato, por um lado, o legislador angolano, tendo em conta os limites empresariais, decidiu e bem, na nossa forma de ver, através do Decreto Presidencial n.º 98/20, de 9 de Abril, estabelecer garantias e tomar medidas imediatas de alívio dos efeitos económicos e financeiros negativos provocados pela pandemia da COVID-19.
E, por outro lado, estabelecer, através do Decreto Executivo n.º 122/20, de 24 de Março, garantias aos trabalhadores de não cessação do vínculo laboral e considerar justificadas as ausências dos trabalhadores no local de trabalho que estejam em quarentena.
Ou seja, à luz deste Decreto, as empresas públicas e privadas e outras entidades abrangidas pela Lei Geral do Trabalho devem elaborar e aplicar planos de contingência (artigo 1.º).
E ainda considera justificadas as ausências registadas no local de trabalho de todos os trabalhadores sujeitos à condição de quarentena, bem como aqueles cuja atividade laboral esteja suspensa face à pandemia, sem prejuízo de as entidades empregadoras procederem ao pagamento integral e pontual dos salários dos referidos trabalhadores (artigo 2.º). Para o presente trabalho será prioridade o Decreto Executivo n.º 122/20 de 24 de Março.
No entanto, o busílis da questão consiste em saber se, face as medidas adotadas pelo Decreto Executivo n.º 122/20, de 24 de Março que visa a proteção do trabalhador, é possível, em caso de conflito e/ou dúvida na aplicação das medidas excecionais, repescar o favor laboratoris como cânone geral de interpretação na justiça laboral?
Dito de outro modo, será possível, em caso de conflito na relação jurídico-laboral, que o julgador laboral se atenha ao subprincípio do favor laboratoris como cânone geral de interpretação para a resolução dos interesses antagónicos entre as partes, portanto, empregador e trabalhador?
[1] O presente artigo não deve ser tido, rigorosamente, como uma inovação científica do Direito do Trabalho, em geral, nem tão pouco uma inovação de regras de interpretação das normas laborais, é, antes, um sublinhar de breves nótulas sobre a figura do vetusto princípio do favor laboratoris baseadas sobretudo em grandes autores juslaboralistas dos quais destacamos e rendemos vénia ao longo deste texto. Talvez, a inovação caraterizante do presente estudo, ainda que insuficiente, tem que ver com a sintonização entre o favor laboratoris e a fase pandémica provocada pelo novo coronavírus.
Por outro lado, realce-se que, quanto a redação, o presente trabalho respeita o novo acordo ortográfico ratificado por Brasil e Portugal e, nalguns casos, respeita-se a ortografia que ainda vigora em Angola. Pelo que, pede-se desculpas ao uso excessivo do novo acordo ortográfico que, em abono da verdade, num futuro próximo, Angola também poderá aderir. Pois, está em carteira na agenda do executivo angolano uma comissão da reforma do acordo ortográfico.
Eis o artigo na íntegra: