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O SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL EM ANGOLA

O SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL EM ANGOLA: ANÁLISE CRÍTICA DO ARTIGO 161.º DA LEI N.º 7/15, DE 15 DE JUNHO – LEI GERAL DO TRABALHO.


“Logo que na ordem económica não haja um balanço exacto de forças, de produção, de salários, de trabalhos, de benefícios, de impostos, haverá uma aristocracia financeira, que cresce, reluz, engorda, incha, e ao mesmo tempo uma democracia de produtores que emagrece, definha e dissipa-se nos proletariados.”

Eça de Queiroz

Valdano Afonso Jr.

Advogado e Docente Universitário

RESUMO

O presente artigo é um despretensioso contributo de cunho jurídico-laboral que se propõe analisar criticamente e juntar-se ao necessário debate em volta do tema salário mínimo nacional fixado e procurou através da análise-síntese, com recurso à abalizada doutrina e legislação pertinentes, chamar atenção às autoridades competentes sobre a importância do salário mínimo enquanto instrumento de valorização do trabalho, de combate à pobreza extrema e dignificação do assalariado; sua fixação com respeito ao princípio da democracia participativa consagrada no artigo 2.º, n.º 1 in fine da Constituição da República de Angola (CRA) e densificada no n.º 2 do artigo 161.º da LGT, em atenção a intenção de revisão e expurgação dos pecados que enfermam a Lei Geral do Trabalho (LGT) em vigor. O salário mínimo nacional contém em si a ideia de remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador, de tal forma que privá-lo desse mínimo constitui atentado à dignidade humana trave mestra de sustentação e legitimação da República de Angola e consequentemente da sua Ordem Jurídica, como resulta expressamente do artigo 1.º da CRA. Ao Estado angolano incumbe pois, no que ao salário diz respeito, salvaguardar por meio de actos próprios que vinculem todos os empregadores públicos e privados, o montante mínimo considerado necessário para uma subsistência digna do trabalhador. Não é esta, porém, a realidade, que se propôs ou ao menos sugeriu-se, aqui, alterar.

Palavras-chave: dignidade humana, pobreza, salário mínimo, remuneração, trabalhador.

THE NATIONAL MINIMUM WAGE IN ANGOLA: CRITICAL ANALYSIS OF ARTICLE 161 OF LAW N.º 7/15 OF JUNE 15 – GENERAL LABOR LAW.

ABSTRACT

This article is an unpretentious contribution of a legal-labor nature that aims to critically analyze and join the necessary debate around the theme of the national fixed minimum wage and sought through synthesis analysis, using authoritative legal doctrine and relevant legislation, draw attention to the competent authorities on the importance of the minimum wage as an instrument for valuing work, combating extreme poverty and dignifying wage earners; its fixation with respect to the principle of participatory democracy enshrined in article 2, paragraph 1 in fine of the Constitution of the Republic of Angola (CRA) and densified in paragraph 2 of article 161 of the LGT, in keeping with the intention of review and purging of the sins that afflict the General Labor Law (LGT) in force. The national minimum wage contains in itself the idea of ​​a basic remuneration that is strictly indispensable to satisfy the needs imposed by the dignified survival of the worker, in such a way that depriving him of this minimum constitutes an attack on human dignity, the mainstay of support and legitimacy of the Republic of Angola and consequently of its Legal Order, as expressly results from article 1 of the CRA. The Angolan State is therefore responsible, as far as wages are concerned, to safeguard, through its own acts that bind all public and private employers, the minimum amount considered necessary for a decent subsistence of the worker. However, this is not the reality, which has been proposed or at least suggested, here, to change.

Keywords: human dignity, poverty, minimum wage, remuneration, worker.

Sumário: 1. Introdução; 2. O Salário Mínimo Nacional. Conceito, Prazo, Critérios para Fixação e Montante Fixado; 3. O Salário Mínimo como Instrumento de Combate à Pobreza Extrema; 4. Do Artigo 161.º da Lei n.º 7/15, De 15 De Junho – Lei Geral do Trabalho; 5. Princípio da Suficiência Salarial. O Princípio Jurídico em falta na Constituição Laboral Angolana; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.

Governo prevê aumento dos salários na função pública - Angola24Horas -  Portal de Noticias Online
  1. INTRODUÇÃO

Debater sem empolas ou paixões sobre o tema salário mínimo nacional, montante fixado ou a afixar, prazo para sua fixação, é deveras imprescindível num país com um custo de via elevado e um elevado nível de depreciação da moeda nacional como nos é dado, oficial e circunstancialmente, a conhecer pelo Comité de Política Monetária do Banco Nacional de Angola[1], sem descurar o facto de a economia nacional ser consideravelmente informal, aliado ao comportamento criminal de alguns agentes económicos, particularmente oscomerciantes, contra o consumidor e contra o mercado, comportamento este tipificado e punido como crime de especulação[2] pelo artigo 447.º do Código Penal Angolano vigente, crime timidamente prevenido, denunciado e combatido.

O propósito do presente artigo é, estribando-se no princípio da dignidade da pessoa humana e no princípio do salário mínimo ou da suficiência salarial, discorrer profusa e criticamente sobre o salário mínimo, sua consagração constitucional e/ou infra-constitucional, importância e consequências pela não observância, bem como analisar criticamente o montante ou montantes a título de salário mínimo nacional definidos actualmente e o período para a sua fixação ou actualização estabelecido na Lei n.º 7/15, de 15 de Junho – Lei Geral do Trabalho; e isto devido o facto de o salário mínimo nacional e suas actualizações convocarem simultaneamente fundamentos normativos, económicos e sociais.

Ao estabelecer um salário mínimo nacional, o Estado está na qualidade de Regulador a intervir na economia. Essa intervenção estatal na economia em que o Estado aparece a instituir um nível de remuneração obrigatória, protegendo os trabalhadores menos capacitados ou qualificados de obter um salário alto e, desse modo, reduzindo a desigualdade salarial e, por consequência, reduzindo também tanto a pobreza como a desigualdade de renda per capita, provoca um impacto quer nas contas públicas quer nas contas dos privados.

Refere Fernando Seabra no seu artigo «Uma revisão da teoria dos salários»[3] que:

«A determinação do salário e do nível de emprego, com suas repercussões na oferta e demanda de bens e serviços, tem sido discussão permanente no âmbito da Economia Política. Subjacente a diferentes modelos macroeconómicos, a teoria dos salários consiste em hipótese decisiva no entendimento do funcionamento dos agregados e na consecução de políticas económicas…»

O conceito de salário mínimo foi definido como a remuneração mínima que um empregador deve pagar aos trabalhadores por conta de outrem pelo trabalho realizado durante um determinado período, não podendo ser reduzido por contrato colectivo ou individual. Do ponto de vista da cobertura (por vezes também referida como «âmbito de aplicação»), os salários mínimos limitam-se a trabalhadores por conta de outrem, ou seja, não abrangem os trabalhadores por conta própria, os quais representam uma grande percentagem dos trabalhadores nos países em desenvolvimento. O salário mínimo pode ser fixado por lei, por decisão de uma autoridade competente, por decisões dos Conselhos de Administração, por tribunais do trabalho, ou atribuindo força de lei a disposições de contratos colectivos. A protecção dos salários é facilitada quando existem parceiros sociais e instituições legais para apoiar os trabalhadores.[4] Os sindicatos desempenham um papel fundamental para garantir que os trabalhadores recebem o pagamento na íntegra e atempadamente.[5] Adam Smith[6] dissera que nas relações de trabalho se impõe uma lógica de classe caracterizada pelo egoísmo dos comerciantes e dos manufactureiros. Os primeiros se unem a fim de reduzir os salários ao máximo e os segundos buscam aumentar a sua remuneração. Smith alerta para a tendência de abusos por parte de corporativismo mercantil e dos monopólios geralmente em conluio com o Estado.[7]

  • O SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL. CONCEITO, PRAZO, CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO E MONTANTE FIXADO.

A definição do salário mínimo derivou da luta dos trabalhadores exigindo melhores salários e a intervenção do Estado na economia. Após a revolução industrial os proprietários das indústrias preocupavam-se em acumular cada vez mais riqueza aumentando assim o lucro. Para que tal situação ocorresse era necessário que os trabalhadores trabalhassem cada vez mais, e em troca recebiam um salário baixo, pois os patrões sabiam que caso pagassem um salário digno teriam menos lucro. Assim os trabalhadores viviam em situações muito difíceis tentando sobreviver com um salário muito baixo que rondava o limite de sobrevivência. Com as condições em que os trabalhadores viviam, e indignados com a situação, começaram a organizar-se criando movimentos como factor decisivo para reivindicações e que caminhariam no sentido da criação de um salário mínimo legal, exigindo assim mais emprego, melhores condições de trabalho e melhores salários. Essas reivindicações foram ganhando cada vez mais força no final do século XIX na Europa, onde essas reivindicações se sentiram com mais efeito. Dessa forma os empregadores começaram a sentir-se obrigados a respeitar esse limite mínimo. Em 1894 a Nova Zelândia[8] abriu o caminho para as primeiras experiências de salário mínimo no mundo.[9] Essas manifestações, que aumentavam cada vez mais, fizeram com que se formasse uma organização internacional que passou a dedicar-se a essa temática, criando-se assim a Organização Internacional do Trabalho (OIT)[10]. Segundo o BIT– Bureau Internacional duTravail (2014) nenhum instrumento da OIT define salário mínimo. Contudo, este organismo (BIT, 2014:21) considera que o salário mínimo pode ser entendido como:

Continue a ler no documento abaixo:


[1]Cfr. https://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=175&idi=16723&idl=1.

[2]Quem, sendo comerciante ou dedicando-se habitual­mente ao comércio vender bens ou prestar serviços por preços que excedam o limite estabelecido pelo regime legal dos preços fixados e vigiados é punido com pena de prisão até 1 ano ou com a de multa até 120 dias.”

[3]Cfr. https://periodicos.ufsc.br/index.php/economia/article/viewFile/6698/6269.

[4] Com disse o Professor João Leal Amado «a chamada “mão-de-obra” será, decerto, um factor produtivo, a conjugar com os demais no todo que é a empresa. Mas, antes e acima disso, a mão-de-obra são pessoas. Como alguém certa vez escreveu, o trabalho não existe, o que existe são pessoas que trabalham.» Vide, João Leal Amado, Perspectivas do direito do trabalho: um ramo em crise identitária?

Cfr. https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/100764, consultado no dia 02 de Dezembro de 2021.

[5]Vide, Relatório VI da Organização Internacional do Trabalho (OIT), in Conferência Internacional do Trabalho 104.ª Sessão, 2015 – Protecção dos trabalhadores num mundo do trabalho em transformação – Debate recorrente sobre o objectivo estratégicoda protecção social (protecção dos trabalhadores), págs. 21 e segs.

https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—europe/—ro-geneva/—ilo-lisbon/documents/publication/wcms_709440.pdf. consultado no dia 27 de Novembro de 2021.

[6]David Deccache, editor do Economia à Esquerda no seu artigo de opinião intitulado «O que Adam Smith teria a dizer sobre o salário mínimo», publicado 12/01/2019, escrito a partir de trechos seleccionados do livro, A Riqueza das Nações, de Adam Smith, refere que, “Os trabalhadores desejam ganhar o máximo possível, os patrões pagar o mínimo possível. Os primeiros procuram associar-se entre si para levantar os salários do trabalho, os patrões fazem o mesmo para baixá-los. Tem-se afirmado que é raro ouvir falar das associações entre patrões, ao passo que com frequência se ouve falar das associações entre operários. Entretanto, se alguém imaginar que os patrões raramente se associam para combinar medidas comuns, dá provas de que desconhece completamente o assunto. Os patrões estão sempre e em toda parte em conluio tácito, mas constante e uniforme para não elevar os salários do trabalho acima de sua taxa em vigor. Violar esse conluio é sempre um ato altamente impopular, e uma espécie de reprovação para o patrão no seio da categoria. Raramente ouvimos falar de conluios que tais porque costumeiros, podendo dizer-se constituírem o natural estado de coisas de que ninguém ouve falar frequentemente, os patrões também fazem conchavos destinados a baixar os salários do trabalho, mesmo aquém de sua taxa em vigor. Um trabalhador, dificilmente, consegue acumular capital suficiente para se tornar patrão. https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/o-que-adam-smith-teria-a-dizer-sobre-o-salario-minimo/

[7] “A criação e definição do salário mínimo têm por base o valor mínimo que um indivíduo necessita para manter a sua sobrevivência em uma sociedade, suprindo assim as necessidades básicas do trabalhador e da sua família. Todavia, a política do salário mínimo gera muita controvérsia, dado que envolve um potencial conflito entre os trabalhadores, empregadores e governos. Os trabalhadores pretendem alcançar salários mais altos para melhorar o seu bem-estar, enquanto que os empregadores preferem oferecer salários baixos para maximizarem os seus lucros ou mesmo pagando o mínimo exigido normalmente não fazem muita questão de contratar novos funcionários, levando a que se registe um conflito entre o capital e o trabalho.” Vide, Marly Pires da Cruz, in A implementação do salário mínimo em Cabo Verde e as suas consequências sobre o mercado de trabalho (dissertação de mestrado, págs. 2). Consultado no dia 24 de Novembro de 2021.https://repositorio.ipl.pt/handle/10400.21/12961

[8] O primeiro estudo tendente à definição do salário mínimo nacional interprofissional, em Portugal, foi desenvolvido, em 1965, pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, seguindo a metodologia até então consagrada para estabelecer as necessidades mínimas de um trabalhador típico[8]. Nesse âmbito, foi admitido como tipo “um trabalhador celibatário indiferenciado da indústria e serviços com 70 kg de peso, 1,70 m de altura e 35 anos de idade”, para o qual foi estabelecida a quantidade necessária de calorias e a dieta adequada, e calculado o custo diário dessa dieta alimentar. Tendo por base um valor para a proporção dos encargos alimentares no valor da despesa total (denominado coeficiente de Engel), foi então calculado o salário base diário. No estudo foi usado o valor do coeficiente de Engelde 40%, com base nos valores obtidos num outro estudo realizado para as Companhias Reunidas do Gás e Electricidade (CRGE). Obtendo-se o custo da dieta alimentar mínima de 12,85 escudos diários para 1965, com base no coeficiente atrás referido, chegou-se a uma despesa média diária de 32,1 escudos, ou seja, 963 escudos por mês. Considerando a dimensão média das famílias portuguesas (3,5 pessoas) chegar-se-ia ao valor de 3 370 escudos/mês por família para esse ano.

Em Portugal, o Salário Mínimo Nacional foi fixado, pela primeira vez, através do Decreto-Lei n.º 217/74, de 27 de Maio, que determinou que o mesmo se aplicava a todos os trabalhadores por conta de outrem (TCO) com 20 e mais anos, a tempo completo, da Indústria e dos Serviços. Ficaram fora do âmbito de aplicação do salário mínimo, as forças armadas, os trabalhadores rurais e os dos serviços domésticos, bem co-mo os menores de 20 anos e as empresas com 5 e menos trabalhadores, quando se verificasse inviabilidade económica para a prática daquela remuneração. O conceito de salário mínimo restringia-se ao salário de base, não incluindo, portanto, quaisquer prémios, subsídios e gratificações.

Em 1975, o Decreto-Lei n.º 292/75, de 16 de Junho, alterou o âmbito de aplicação do salário mínimo, deixando de fora as empresas com 10 ou menos trabalhadores mas manteve, no entanto, o pressuposto da inviabilidade económica. Ficavam, igualmente, de fora todas as empresas intervencionadas pelo Estado. Vide, Relatório de Acompanhamento do Acordo sobre Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG) – Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social Julho de 2018, pág. 12 e segs.

http://www.gep.mtsss.gov.pt/documents/10182/75953/rmmg_9_relatorio.pdf/f59a6dfe-9321-40e0-878d-1a03ae1c4250, consultado no dia 29 de Novembro de 2021.

[9] Vide, Marly Pires da Cruz, ob.cit., págs. 4-5.

[10] Parte do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem como objetivo promover a justiça social. A OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho (Convenções e Recomendações) e é a única agência das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, na qual representantes de governos, de organizações de empregadores e de trabalhadores de 187 Estados-membros participam em situação de igualdade das diversas instâncias da Organização. Cfr. https://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/hist%C3%B3ria/lang–pt/index.htm, consultado no dia 03 de Dezembro de 2021.

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