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A ACTUAL BASE LEGAL DO SISTEMA JUDICIAL ANGOLANO

A ACTUAL BASE LEGAL DO SISTEMA JUDICIAL ANGOLANO (1975 – 2010)[1]

Autor: Lourenço Martinho KINSIONA*[2]

* Licenciado em Direito pela Universidade Técnica de Angola (UTANGA), Consultor Jurídico

SUMÁRIO: 1. Fundamentação teórica; 1.1. Enquadramento genérico; 1.2. O papel e a função dos tribunais. A jurisdição; 2. A gênese do constitucionalismo angolano: a lei fundamental e a lei constitucional; 2.1. Enquadramento histórico; 2.2. A independência política de Angola: a Lei Constitucional de 1975. 1.ª fase da evolução constitucional (inexistência de justiça constitucional); 3. A estrutura e funcionamento do sistema judicial de Angola; 3.1. Base legal do sistema judicial angolano; 3.2. Divisão e hierarquia judicial Segundo a Lei 18/88; 3.3. A atual Constituição da República de Angola de 2010; 3.4. Características gerais da Constituição da República de Angola; 3.5. Orgânica dos Tribunais de Jurisdição Comum. Conclusão. Recomendações. Referências bibliográficas. Sobre o autor.

RESUMO:

Os tribunais desempenham um papel fulcral no exercício da função jurisdicional, pois compete-lhes dirimir os conflitos de interesses público ou privado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, bem como princípios do acusatório e do contraditório e reprimir as violações da legalidade democrática.

A assumpção do princípio da legalidade democrática, consagrada na CRA, determina a adopção de princípios, normas e preceitos no domínio da actividade da administração da justiça, através das quais se devem garantir, no respeito à lei, por um lado e por outro, os direitos e interesses legitimamente tutelados dos cidadãos.

A tutela dos tais direitos e interesses requer a aplicação de instrumentos e mecanismos jurisdicionais, com o intuito de proporcionar os meios mais adequados para a prevenção e a salvaguarda dos conflitos que abrolham na sociedade entre os cidadãos.

São substanciais as alterações sofridas pelo nosso sistema judicial, isto desde a data pós independência até hoje, pois já se tornava imperioso por exemplo alterar a Lei n.º 18/88 de 31 de Dezembro – Lei do Sistema Unificado de Justiça e de todo o quadro legislativa que até altura da sua revogação pela Lei em vigor n.º 2/15 de 02 de Fevereiro, sem desprimor das sucessivas intervenções que vinham sendo efectuadas na organização judiciária angolana e que deram lugar a uma profusão de diplomas legais tendentes a dar corpo a um modelo característico daquela organização que por sua vez, ofuscaram a pretendida unidade do sistema de justiça, a interdependência hierárquica e funcional dos tribunais, a função das profissões judiciárias e o papel dos órgãos de gestão e disciplina judiciária que neles deviam interagir.  

Palavras chaves: Justiça, Tribunal, Lei.

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Foto: Jornal de Angola

INTRODUÇÃO

A convivência humana é marcada pela existência de conflitos, dadas as divergências de vontades, de interesses e, inclusive, pela intenção de alguns se sobreporem aos seus pares. Ocorre que nem sempre existiu um Estado organizado, politicamente estruturado, forte, soberano, que garantisse a preservação de direitos e, consequentemente, a paz social.

Desde os primórdios de sua existência, o homem vive em conflito com seus próximos, tal como afirma Hobbes “homo hominis lupu” (o homem é o lobo do próprio homem) dadas às divergências de vontade e os conflitos de interesses.

O homem procurou sempre uma forma de organizar-se. Com o surgimento do Estado foi se criando medidas ou regras que pudessem regulamentar eficientemente o seu comportamento na sociedade, por meio do “DIREITO”. Ocorre que, nem sempre existiu um Estado forte, politicamente organizado como actualmente; naquele período, reinava a auto-tutela como meio de satisfazer as pretensões. Com o transcorrer do tempo, foram surgindo às primeiras sociedades organizadas, e, com elas, os primeiros entes estatais, que pegaram para si, por meio da jurisdição, o poder e o dever de proferir o direito dos cidadãos.

 É irrefutável que a jurisdição, enquanto meio de solução de conflitos, é mais eficaz que auto-tutela, tendo em vista que nesta última obtém a pretensão o mais forte, mais astuto, enfim, aquele que tem recursos para consegui-la por seus próprios meios, enquanto na jurisdição, desempenhada por terceiro, alheio à contenda (o Estado), prestigia-se àquele que detém a razão.

A assunpção do princípio da legalidade democrática, consagrada na CRA, determina a adopção de princípios, normas e preceitos no domínio da actividade da administração da justiça, através das quais se devem garantir, no respeito à lei, por um lado e por outro, os direitos e interesses legitimamente tutelados dos cidadãos.

 Todavia, a salvaguarda dos tais direitos e interesses requer a aplicação de instrumentos e mecanismos jurisdicionais, com o intuito de proporcionar os meios mais adequados para a prevenção e a salvaguarda dos conflitos que abrolham na sociedade entre os cidadãos.

Em Angola, existem três órgãos de soberanias, tal como prevê o artigo 105º CRA, dentre os quais: o Presidente da República, a Assembleia Nacional e os Tribunais, em obediência ao princípio da separação de poderes. Porém, este último, desempenha a função jurisdicional, é o órgão com a competência de administrar a justiça em nome do povo, nos termos do art.174º CRA.

 No exercício da função jurisdicional, compete-lhes dirimir os conflitos de interesses público ou privado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, bem como princípios do acusatório e do contraditório e reprimir as violações da legalidade democrática.

Na óptica de J. RAWLS, “a justiça é a virtude primeira das instituições sociais, tal como a verdade o é para os sistemas de pensamento. Uma teoria, por mais elegante ou parcimoniosa que seja, deve ser rejeitada ou alterada se não for verdadeira; da mesma forma, as leis e as instituições, não obstante o serem eficazes e bem concebidas, devem ser reformadas ou abolida se forem injustas”. 

Assim, podemos definir a justiça constitucional como a parte do Direito Constitucional que tem como objecto o estudo do conjunto dos órgãos, processos e técnicas de fiscalização jurisdicional da observância das regras e princípios constitucionais pelos órgãos detentores do poder normativo público, em especial pelo legislador, ou seja, de garantia da supremacia da Constituição[3].

Ora, a justiça constitucional, nos dias de hoje, assumiu um lugar de destaque dentro dos ordenamentos jurídicos nos Estados de direito e democráticos, e, uma vez que a CRA, no seu artigo 1.º, consagra que “Angola é uma República soberana e independente, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade do povo angolano, que tem como objetivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social”, e consta do seu artigo 2.º, n.º 1, que “a República de Angola é um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa”, compreende-se que seja possível, que hoje por hoje, falar-se em justiça constitucional no mesmo ordenamento.

A justiça constitucional, na segunda metade do século XX, nos países democráticos europeus, significou, segundo H. SIMON, “um passo tão revolucionário como a transição do absolutismo para o constitucionalismo”[4].

O presente artigo visa abordar questões relacionadas com a actual base do sistema judicial angolano. Nesta mesma senda, abordar-se-á diversos subtemas, consubstanciados com o mesmo neste âmbito de conhecimento.

Nesta pesquisa, irei desenvolver ab initio a evolução da justiça constitucional no ordenamento jurídico-constitucional, bem como dos vários processos ou fases que o mesmo sistema sofreu até ser introduzido e em que termos foi introduzido. 

Mas, para isso, e num primeiro momento, para além de cobrirmos o início da vida política do sistema jurídico-constitucional angolano, onde serão levantadas questões e diferenças entre as duas primeiras constituições (Lei Fundamental e a Lei Constitucional de 1975), também se debruçará sobre as várias revisões à Constituição deste mesmo ordenamento até à revisão que deu lugar à Constituição de 1992, uma vez que foi com essa revisão que, neste sistema jurídico-constitucional, se consagrou o primeiro verdadeiro momento da justiça constitucional, com a atribuição das competências do TC ao Tribunal Supremo. Angola passou a ter um órgão jurisdicional que pudesse tratar dos direitos fundamentais dos cidadãos.[5] Num momento seguinte, abordar-se-á das matérias referentes à Lei 2/08, de 17 de junho (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional), e à Lei 3/08, de 17 de junho (Lei Orgânica de Processo do Tribunal Constitucional), onde serão suscitadas questões inerentes à organização e competências do TC, bem como do sistema de controlo da constitucionalidade, que estavam previstas em ambas as leis.

Leia o artigo completo no documento abaixo:


[1] Artigo JuLaw n.º 15/2022, publicado aos 17/02/2022.

[2] Conta JuLaw: http://julaw.ao/user/kinsiona/

[3] CORREIA, A. F. (2019) Justiça Constitucional 2.ª ed. Almedina, pp. 22 a 21. Cf. RUGGERI. António., SPADARO. Antonino (2004) Lineamenti di Giustizia Constituzionale, 5.ª ed., Torino, Giappicheli,, pp. 5 e 6, apud … CORREIA, A. F. (2019) Justiça Constitucional 2.ª ed. Almedina.

[4] Cf. Verfassungsgerichtsbarkeit, in “BENDA/MAIHOFER/VOGEL/HESSE/HEYDE, Handbuch des  Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland”, 2. Aufl., Berlin/New York, W. de Gruyter, 1994, p. 1639.

[5] Apud… CORREIA, A. F. (2019) Justiça Constitucional 2.ª ed. Almedina.

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