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Algumas notas sobre os tribunais consuetudinários

ALGUMAS NOTAS SOBRE OS TRIBUNAIS CONSUETUDINÁRIOS: ENTRE O PLURALISMO JURÍDICO E A HUMILDADE DA LEI N.º 18/21 DE 16 DE AGOSTO – LEI DA REVISÃO CONSTITUCIONAL – PRIMEIRA REVISÃO/2021

Clementino João Tiago Balsa[1]

SUMÁRIO: Nota Introdutória. 1. Normas Costumeiras Versus Normas Positivas na Ordem Jurídica Plural Angolana. 2. Tribunais Consuetudinários e a Humildade da Lei de Revisão Constitucional de 2021. 2.1. Pluralismo Jurídico Angolano. História e Crítica. 2.2. A Realidade dos Tribunais Costumeiros e a Lei de Revisão Constitucional de 2021. Considerações Finais.

RESUMO

O presente texto visa, em linhas breves, debruçar-se sobre os tribunais costumeiros à luz da Lei de Revisão Constitucional de 2021. Com a aprovação e entrada em vigor da Constituição da República de Angola de 2010, o Ordenamento Jurídico Angolano passou a respeitar a força jurídica do costume em condições paritárias à lei (art.º 7.º, da CRA) e, na mesma medida, reconhecer o poder das autoridades tradicionais juntamente com as autarquias locais e outras modalidades específicas de participação dos cidadãos (213.º, n.º 2 e 223.º e SS., da CRA). Entretanto, apesar deste respeito e reconhecimento, muitas questões subsistem em aberto: uma delas consiste no reconhecimento constitucional de um verdadeiro pluralismo jurídico angolano. Neste contexto, no presente estudo, pretende-se, estando em curso as alterações da Constituição de 2010, aprovadas pela Lei da Revisão Constitucional de 2021, propor que se consagre, na futura Constituição Angolana, os tribunais costumeiros no capítulo referente ao poder judicial, consubstanciando-se, com isto, um verdadeiro pluralismo jurídico angolano.

Palavras-chave: Costume, Lei da Revisão Constitucional e Tribunais Costumeiros.

ABSTRACT

The present text aims to briefly address the customary courts in light of the Constitutional Revision Law of 2021. With the approval and entry into force of the 2010 Constitution of the Republic of Angola, the Angolan legal system now respects the legal force of custom on an equal footing with the law (Art. 7 of the CRA) and, to the same extent, recognizes the power of traditional authorities together with local authorities and other specific forms of citizen participation (Art. 213.2 and 223 e SS. of the CRA). However, despite this respect and recognition, many questions remain open: one of them is the constitutional recognition of a true Angolan legal pluralism. In this context, in the present study, it is intended to propose, given the ongoing changes to the 2010 Constitution, approved by the Constitutional Revision Law of 2021, that the customary courts be enshrined in the future Angolan Constitution in the chapter on judicial power, thereby consubstantiating a true Angolan legal pluralism.

Keywords: Custom, Constitutional Revision Law and Customary Courts.

NOTA INTRODUTÓRIA

O presente texto debruça-se sobre a “cegueira” da Lei de Revisão Constitucional – Primeira Revisão/2021 (adiante, LRC) relativamente aos tribunais consuetudinários.

Os sistemas jurídicos africanos, em geral, e o angolano, em particular, são caracterizados como sistemas híbridos. Isto é, coexistem nestes ordenamentos jurídicos mais de um subsistema jurídico: positivo, herdado do Direito ocidental e costumeiro ou ancestral, herdado dos antepassados por via da transmissão oral.

Em Angola, com a aprovação da CRA de 2010 inicia-se uma nova história do constitucionalismo angolano e consagra, nos termos do art.º 7.º, o costume como fonte primária do Direito. Passando, nesta ordem, o costume a ser fonte primária do Direito nos mesmos moldes que a lei.

Não obstante a esta consagração, a CRA também reconhece o estatuto, o papel, as atribuições, a competência e a organização das autoridades tradicionais, constituídas de acordo com as normas do Direito Consuetudinário, desde que não contrariem ao disposto na CRA e não atentem contra a dignidade da pessoa humana (artigos 223.º, 224.º e 225.º, todos da CRA). Neste contexto, é evidente a tendência do legislador constituinte de 2010 reconhecer a existência real do Direito Costumeiro e do Pluralismo Jurídico em Angola, embora se registe alguma insuficiência ou ausência expressa dos tribunais costumeiros no texto constitucional.

Hoje, decorridos 11 anos desde que a Constituição da República de Angola entrou em vigor, propôs-se a Lei de Revisão Constitucional cujo objectivo consiste em ajustar, melhorar e consagrar algumas matérias ausentes, e propor alterações que fortalecem o Estado Democrático de Direito e os princípios da separação de poderes e interdependência de funções dos Órgãos de Soberania, do respeito pelos direitos fundamentais, do sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico para a designação dos titulares electivos dos Órgãos de Soberania e das Autarquias Locais, bem como a independência dos tribunais, que não se encontram suficientemente tratadas na CRA de 2010[2].

A Lei da Revisão Constitucional propôs a revisão dos seguintes artigos: 14.º, 37.º, 100.º, 104.º, 107.º, 110.º, 112.º, 119.º, 120.º, 125.º, 131.º, 132.º, 135.º, 143.º, 144.º, 145.º, 162.º, 163.º, 169.º, 174.º, 176.º, 179.º, 180.º, 181.º, 184.º, 198.º, 199.º, 213.º, 214.º e 242.º da Constituição da República de Angola de 2010. Neste particular, constata-se, a par da CRA de 2010, a consagração dos tribunais costumeiros no capítulo referente as autoridades tradicionais.

Neste desiderato, entende-se que a proposta de revisão constitucional privilegiou matérias relacionadas ao direito positivo em detrimento do Direito Costumeiro. Quando, fundamentalmente, nota-se a ausência de um dos problemas mais abordados nos últimos tempos pela doutrina – a instituição de um tribunal costumeiro no Capítulo IV referente ao Poder Judicial -.

Face a esta ausência, questiona-se, por um lado, se ainda é possível falar-se de um verdadeiro pluralismo jurídico Angolano. Por outro lado, será que as normas previstas nos artigos 7.º, 223.º, 224.º e 225.º, da LRC são suficientes para que se justifique um verdadeiro pluralismo jurídico Angolano?

Leia o artigo completo no documento abaixo:


[1] Jurista e Professor do Ensino Superior. Mestre em Direito Judiciário (Direitos Processuais e Organização Judiciária) pela Universidade do Minho – Braga.

[2] Lê-se no Preâmbulo da Lei de Revisão Constitucional – Primeira Revisão/2021 – Lei n.º 18/21 de 16 de Agosto.

Este post tem 2 comentários

  1. Wilson Pascoal de Oliveira

    Excelente trabalho e abordagem investigativa!
    O pluralismo jurídico -suas implicações e efeitos- é um tema sempre actual e dialéctico, sobretudo em sociedades como as africanas.

    Tive a oportunidade de abordar o assunto num relatório que elaborei em 2018 e concluí, igualmente, pela necessidade de respeito e efectivação do referido pluralismo, além do simples reconhecimento e consagração constitucional (o desafio).

    Entre a consagração e a materialização (…), o pluralismo jurídico implica a existência de instâncias específicas para a sua aplicação objectiva e subjectiva, independentemente da natureza ou denominação que estás instâncias possam tomar: quer elas se enquadrem nas instâncias judiciais convencionais com relativa autonomia e distinção quer se constituam em instâncias distintas e independentes das convencionais -Ekanga. Disto resulta a necessaria e natural correspondência entre o pluralismo jurídico e o que ousei denominar pluralismo judiciário.

    Muitos parabéns ao Msc. Clementino Balsa por este estudo!

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