Transformação Digital: Uma inevitabilidade para o desenvolvimento socioeconómico de África
Gelson BAÍA
É facto consumado que a democratização do acesso à Internet permitiu, entre outros ganhos, que ocorresse um verdadeiro empoderamento de um número incalculável de pessoas à escala global. Um advento que tornou possível, através de um simples clique, ser influenciado ou influenciar milhares de outras pessoas a seguir determinadas tendências e/ou factos da vida em sociedade.
No fundo, o acesso à Internet permitiu que qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, desde que na posse de um dispositivo eletrónico conectado à Internet, pudesse aceder, criar, modificar e disseminar em rede, de forma instantânea, os mais variados conteúdos digitais para uma multiplicidade de outros utilizadores – hoje, considerados potenciais consumidores digitais -, ultrapassando toda e qualquer forma de barreiras fronteiriças, culturais, linguísticas, espaciais, temporais e/ou ideológicas.
Com efeito, a transformação digital em curso no Mundo – um fenómeno marcado essencialmente pela incorporação e utilização das tecnologias digitais em todas as estruturas organizacionais de entidades públicas e privadas – mudará para sempre a forma como nos habituamos a viver, interagir, comunicar, aprender e formar as nossas opiniões e, não raras as vezes, até mesmo na relativização de algumas convicções sobre os mais variados assuntos da vida e do mundo. Essas mudanças são devidas, essencialmente, graças ao surgimento de uma verdadeira autoestrada de circulação de vários tipos de informações a um ritmo quase frenético, no qual, por consequência da utilização cada vez mais massificada das “plataformas digitais” e das “redes sociais, muito facilmente se confunde a dinâmica da vida no mundo digital com a vida quotidiana e real. Um facto que obrigará, necessariamente, que se desenvolvam mecanismos de controlo e segurança jurídica, que permita tirar partido do novo mundo digital, sem colocar em causa o núcleo essencial de alguns direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente o direito à liberdade e à segurança, à privacidade e à liberdade de expressão, etc.
Nos dias atuais, de forma muito fácil, é também possível, através de um simples clique, iniciar procedimentos administrativos, celebrar contratos, ministrar cursos em formato E-learning e, para o que se pensava ser impossível, em breve será possível até realizar intervenções cirúrgicas à distância, a partir de um continente para o outro. Tudo isso graças a aposta no investimento na inovação e no desenvolvimento de tecnologias que possibilitem melhorar o acesso a determinados bens e serviços essenciais de saúde a sociedade moderna criada a partir dos significativos avanços tecnológicos registados nas últimas décadas do século XX.
Atualmente, salvo as raras e honrosas exceções de que se tem notícia em alguns países do nosso continente, muito pouco se tem conhecimento a respeito de projetos voltados para investimento no desenvolvimento tecnológico com objetivo de preparar e abraçar a chegada da revolução tecnológica em curso no mundo, facto que deve (e deveria) gerar alguma preocupação junto dos decisores políticos, particularmente pelo facto de a mesma poder representar a criação de novas janelas de oportunidades para os negócios, investimentos, empreendedorismo, a inovação e criação de riquezas para a imensa população jovem que clama, todos os dias, de forma quase desesperada, por políticas públicas que se traduzam em ganhos e benefícios reais para as suas vidas. Por isso, é urgente que os governos africanos abracem e coloquem a “transformação digital” como um dos importantes eixos de desenvolvimento socioeconómico e sustentável para as nações africanas, pois, seguramente, garantindo o devido respeito pelo “direito à autodeterminação informacional” de cada cidadão, os ganhos resultantes da introdução das novas tecnologias de informação e comunicação nas estruturas organizacionais de entidades públicas e privadas permitirá que se alcance ganhos bastantes significativos para as populações, sobretudo para as mais jovens, sem esquecer, naturalmente, a necessidade imperiosa dessa mesma “transformação” ter de ser conduzida através da inclusão de forma cuidadosa e acompanhada de todos os cidadãos e, ao mesmo tempo, centrada em programas que promovam uma verdadeira “literacia digital”de todos, atendendo, obviamente, às especificidades de todas faixas etárias de cada um dos nossos países, procurando impedir, dessa forma, que se crie um novo fosso de desigualdades entre os cidadãos.
Com efeito, acredita-se que parece não existir dúvidas de que a “digitalização das nossas economias” será determinante para que, finalmente, através das ferramentas disponibilizadas pelo próprio mercado digital seja possível aproveitar-se, dentro do próprio continente, e de forma responsável e sustentável, os inúmeros recursos de que dispomos.
Na mesma linha, o impacto da transição digital poderá ser determinante para se aproveitar e dar ainda mais oportunidade à criação de pequenas e médias empresas, especialmente as viradas para projetos de desenvolvimento de tecnologias para comercialização e prestação de serviços diversos que, através das ferramentas e plataformas disponibilizadas pelas tecnologias de informação e comunicação (TIC), possam ter mais e melhores oportunidades e condições para competir e de se mostrar ao mundo, buscando sempre estabelecer parcerias de investimentos para desenvolvimento de tecnologias a serem utilizadas nos mais diversos sectores do tecido económico e empresarial do continente africano ou, quem sabe, atrair grandes empresas tecnológicas para alguns dos nossos países, através de incentivos devidamente planeados, que se traduzam em estímulos para ambientes propícios aos investimentos, à inovação e ao desenvolvimento de tecnologias que possam suprir necessidades dentro do continente africano.
Por outro lado, cremos que não pode ser ignorado o facto de que os ganhos trazidos pela “transformação digital” também se farão sentir, muito particularmente, no modo como próprio Estado/Administração presta serviços às populações. A digitalização da própria Administração Pública, feita de forma estruturada e devidamente acompanhada, resultará em ganhos muito significativos, promovendo um aumento de produtividade decorrente de incremento de mais eficácia e eficiência, resultantes do novo modelo de gestão e prestação de serviços públicos que, tendencialmente, serão prestados de forma 100% digital aos cidadãos, evitando dessa forma despesas com deslocações desnecessárias e casos de corrupção na Administra Pública.
No fundo, a introdução e utilização de ferramentas digitais pela Administração Pública levará que os serviços disponibilizados sejam mais simplificados e próximos dos cidadãos, bastando apenas que os mesmos funcionem em rede – via Internet, num verdadeiro sistema de “interoperabilidade administrativa”, no qual os órgãos e as entidades públicas se comunicam entre si, cruzando informações documentais dos cidadãos que, depois de serem devidamente processadas, autenticadas e certificadas, permitam a oferta de serviços públicos de forma simples, próximos e céleres através de plataformas digitais que estarão ao alcance de qualquer cidadão que esteja na posse de um dispositivo eletrónico conectado à Internet, possibilitando, por sua vez, que se preste serviços públicos de forma célere, segura e transparente, sem necessidade às dispendiosas despesas com papel e outros materiais pouco sustentáveis e amigos do ambiente.
Importa, ainda, ressaltar que o fenómeno da globalização e da democratização do acesso à Internet, assim como o uso dos dispositivos eletrónicos de comunicação e informação, permitiu criar uma nova sociedade altamente tecnológica, com necessidades cujo suprimento remete-lhes, cada vez mais, o recurso às redes de ofertas de produtos e serviços digitais. Uma sociedade moderna, mais exigente e que já não se contenta apenas com a oferta tradicional de produtos e serviços, cujos procedimentos de acesso são fortemente caracterizados por excessos de burocracias e constrangimentos de várias naturezas.
A democratização da Internetpermitiu que o cidadão comum passasse a conhecer mais e melhor o mundo sem sair do seu espaço físico podendo, através das experiências vivenciadas no mundo digital, estabelecer contactos com outras realidades sociais que lhe permite, justamente, poder obter “dados empíricos” de comparação e entendimento sobre os mais variados assuntos da vida em sociedade, designadamente sobre a política, a justiça, a boa governação, educação e formação, etc.
Por outro lado, permitiu ainda que os cidadãos ganhassem ainda mais noção e consciência crítica dos seus direitos e deveres e o seu papel enquanto membro integrante da sociedade onde está inserido. Pontanto, não é descabido afirmar-se que, hoje, graças à democratização da Internet, estamos todos, sem sombras de dúvidas, mais “empoderados social e culturalmente”. Por isso, por tudo quanto exposto, é urgente uma nova abordagem por parte dos decisores políticos africanos, no sentido de fazer constar a “Transformação Digital” nos programas e planos de desenvolvimento socioeconómico dos seus respetivos países.
Contudo, importa enfatizar que, necessariamente, a obtenção de resultados positivos através do aproveitamento das vantagens da “Transformação Digital”, no que respeita à preservação e efetivação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos conforme, aliás, disposto na maioria das constituições dos países africanos e em demais legislações, pactos e tratados internacionais, só serão realmente profícuos se, em simultâneo, forem acompanhadas de políticas efetivas de “segurança” e “proteção” de dados pessoais, uma vez que estes representam o novo combustível indispensável ao bom funcionamento da engrenagem do (novo) Mundo Digital.
Gelson Baía, Jurista.
Lisboa, 20-12-2021
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