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RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS ARBITRAIS ESTRANGEIRAS EM ANGOLA

RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS ARBITRAIS ESTRANGEIRAS EM ANGOLA: UM OLHAR SOBRE O NOVO MODUS OPERANDI [1]

Abílio Osvaldo Sanyenenge Jr.[2]

Resumo: O presente artigo visa transmitir um entendimento panorâmico sobre o regime e procedimento que deve ser observado para o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras em Angola, após a entrada em vigor no ordenamento jurídico angolano da Convenção de Nova Iorque, rectius, o modus operandi (procedimento) que ela estatuí no reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras e a sua articulação com o regime do Código de Processo Civil (CPC) para a revisão e confirmação, outrossim, de sentenças arbitrais estrangeiras.

Palavras – Chave: Arbitragem. Convenção de Nova Iorque. Sentenças Arbitrais Estrangeiras. Reconhecimento. Execução.

Abstract: This article aims to establish a panoramic understanding of the regime and procedure that must be observed for the recognition and enforcement of foreign arbitral awards in Angola, after the entry into force in the Angolan legal system of the New York Convention.

Keywords: Arbitration. New York Convention. Foreign Arbitration Awards. Recognition. Execution.

Sumário: I. Aspectos gerais: Enquadramento. Convenção de arbitragem: sua autonomia e seus efeitos. Notas sobre a distinção entre arbitragem interna, arbitragem internacional e arbitragem estrangeira. II. Reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras em angola: Nota introdutória. Processo de reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras em Angola: Regime do CPC e Regime da Convenção de Nova Iorque. Diferenças entre o Regime do CPC e o Regime da Convenção de Nova Iorque no processo de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras. III. Execução de sentenças arbitrais estrangeiras: Regime e procedimento. Fundamentos de oposição à execução fundada em sentença arbitral estrangeira. Conclusão.

Arbitration: A Swiss tradition worth exploring
  1. ASPECTOS GERAIS
  1. Enquadramento

Perante os conflitos de interesses ou litígios que surgem, inevitavelmente, na vida em sociedade, existem, pelo menos, quatros formas mobilizáveis para a sua resolução, de modo lograr-se a manutenção da paz social, designadamente, a autotutela (a solução do conflito é alcançada pelas próprias partes, através do uso da força, a parte mais forte faz cumprir a decisão à outra, hoje, só excepcionalmente admitida pelo Direito), auto – composição (a solução do litígio é obtida pelo uso do bom senso, através de concessões recíprocas, sem necessidade de entregar à um terceiro o poder de decisão, p.e.,  renegociação, conciliação e mediação), arbitragem (terceiro, que não o Estado, recebe o poder de decidir o litígio pelas partes) e jurisdição (função do Estado em que, por meio do Poder Judicial, decide o litígio pelo uso da força de autoridade).

Neste estudo, interessa-nos apenas olhar para (um aspecto) (d)a arbitragem. A arbitragem é, de modo habitual, definida como uma das formas de resolução alternativa de litígios ou conflitos de interesses, sem recurso aos tribunais judiciais, em que as partes desavindas concordam que o litígio seja solucionado por um ou mais árbitros por elas indicados, cuja decisão final é vinculativa para as partes e tem força executiva das decisões dos tribunais judiciais.[3]

A arbitragem, quer interna, quer internacional, tem sido actualmente cada vez mais utilizada e reconhecida, como meio eficaz de resolução de litígios no domínio das relações económicas e comerciais, por permitir às partes envolvidas evitar a justiça estadual, cada vez mais burocratizada, morosa e de qualidade discutível.

Todavia, para que a arbitragem possa ser um verdadeiro método de resolução extrajudicial de litígios, de forma célere e segura, e no caso particular das relações comerciais internacionais, é necessário que as decisões arbitrais proferidas num determinado Estado sejam facilmente reconhecidas e executadas num outro Estado com o qual tenham conexão.

Foi precisamente com este objectivo que Angola aderiu à Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (New York Convention), que entrou em vigor no ordenamento jurídico angolano, no dia 4 de Junho de 2017 (Convenção de Nova Iorque ou «CNI»). Com o crescimento intenso do comércio internacional, onde a arbitragem tem a sua maior incidência, e a maior abertura ao investimento estrangeiro, o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras assume uma enorme relevância para os agentes económicos, logo muitos poderão ser os casos de sentenças arbitrais estrangeiras cujo reconhecimento e execução tenha de ser requerida em Angola.

A arbitragem enquanto forma de solução de litígios ou controvérsias mediante a nomeação de terceiro (árbitro), para determinar os direitos e obrigações entre os litigantes não constitui uma novidade. Trata-se de um instituto muito antigo, que surgiu mesmo antes do sistema de justiça estadual. Desta forma, nada mais recomendável que as partes desavindas recorram à pessoa neutra e mais experiente para que, pacificamente, ponha termo às suas desavenças. Por isso, alguns autores têm iniciados os seus trabalhos com citação de Platão em que afirma “que os primeiros juízes sejam aqueles que o demandante e o demandado tenham eleito, a que o nome de árbitro convém mais que o do juiz; que o mais sagrado dos Tribunais seja aquele em que as partes tenham criado e eleito de comum acordo.[4]

Apesar desta peculiaridade, o milenar instituto da arbitragem andou por tempos esquecido ou sem utilização expressiva, pelo que o seu ressurgimento nos últimos tempos deveu-se ao extraordinário desenvolvimento do comércio e tecnológico, em que o conhecimento cada vez mais específico passou a exigir a especialização e experiência do julgador, que deve estar sempre a par das características próprias de cada segmento, mormente, no comércio onde as transformações são constantes e intensas e, por isso mesmo, exigem uma justiça dinâmica, rápida, eficiente e sempre bem actualizada que a estrutura do Estado não pode garantir.[5]

Portanto, todos esses factores fortaleceram a ideia da arbitragem (favor arbitrandum), quer a nível interno, quer a nível internacional, como sendo a melhor solução para fugir à morosidade e ao grande risco de imprevisibilidade dos tribunais judiciais, bem como o meio mais eficaz de solução de litígios.[6] No âmbito do direito positivo angolano, a matéria da arbitragem o seu regime geral consta da Lei n.º 16/03, de 25 de Julho, Lei da Arbitragem Voluntária (doravante referida de forma abreviada por LAV).

  •  Convenção de arbitragem: sua autonomia e seus efeitos

A convenção de arbitragem é definida como o acordo pelo qual as partes renunciam à jurisdição estatal, ordinária, e decidem as suas controvérsias através da arbitragem[7]. Em outras palavras, a convenção de arbitragem é o negócio jurídico no qual se exprime a vontade comum das partes em subtrair a resolução de um conflito de interesses aos tribunais estaduais, cometendo-a a um ou mais árbitros por elas, designados, ou a árbitros que prestam os seus serviços em tribunais arbitrais institucionalizados.[8] Isto significa que através da convenção de arbitragem as partes decidem submeter os litígios que tenham surgido ou que possam vir a surgir entre si, no âmbito de uma relação jurídica, à arbitragem, ficando vinculadas à decisão a ser assim proferida. De acordo com o n.º 1 do artigo 2.º da LAV, a convenção de arbitragem pode revestir duas modalidades: a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. A distinção entre as duas modalidades é feita em função da actualidade ou eventualidade do litígio. Assim, a cláusula compromissória diz respeito aos litígios, que poderão eventual e futuramente surgir de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (n.º 2 do artigo 2.º da LAV), já o compromisso arbitral tem por objecto um determinado litígio actual, quer se encontre afecto, quer não, à um tribunal (n.º 3 do artigo 2.º da LAV).

Continue a ler no documento abaixo:


[1] O que vai ler-se traduz um excerto do nosso paper apresentado, em Março de 2020, na cadeira de Direito da Arbitragem do Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais – FDUAN.

[2] Advogado. Membro da Angolan Corporate Governance Association (ACGA).

[3] GONÇALVES, Manuel/VALE, Sofia/DIAMVUTU, Lino, Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Luanda, 2014, p. 21.

[4] Cfr., BARTOLOMEU, Correia Fernandes, Arbitragem Voluntária como Meio Extrajudicial de Resolução de Conflitos em Angola, Editora Almedina, 2014, p., 43., NETO, Walter Wigderowitz, A Cláusula Arbitral no Contrato Comercial, Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro, 1990, p. 2., Também Matthieu de Boisséson inicia sua obra Le Droit Français de L’Arbitrage com a citação “Le premier de nos tribunaux sera celui dont les juges (…) auront été choisis d’un commun accord par le défenseur et le demandeur: juges auxquels il convient mieux de donner le nom d’arbitres“.

[5] NETO, Walter Wigderowitz, ob. cit., p.3.

[6] De acordo com o Prof. Dário Moura Vicente, a Arbitragem relativamente ao recurso às instâncias judiciais comuns apresenta vantagens para a resolução dos diferendos entre agentes económicos, designadamente, a confidencialidade do processo arbitral, de particular importância para a salvaguarda da imagem comercial das empresas; a possibilidade de se confiar a resolução dos diferendos a pessoas dotadas de conhecimentos técnicos especiais; a dispensa do patrocínio judiciário; a salvaguarda da continuação das relações comerciais entre as partes através do recurso à composição amigável; no plano dos diferendos internacionais, a neutralidade do foro arbitral, sobre o qual não recai – visto que não decide em nome de qualquer Estado – a suspeita de favorecer os interesses dos nacionais de determinado país; e a maior facilidade do reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras por confronto com as sentenças emanadas dos tribunais judiciais. In Arbitragem e Outros Meios de Resolução Extrajudicial de Litígios no Direito Moçambicano, p. 8., Disponível em: http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Vicente-Dario-ARBITRAGEM-E-OUTROS-MEIOS-DE-RESOLUCAO-EXTRAJUDICIAL-DE-LITIGIOS-NO-DIREITO-MOCAMBICANO.pdf. Acesso: 15 de Março de 2020.

[7] DOLINGER, Jacob e TIBURCIO, Carmen, Direito Internacional Privado – Arbitragem Comercial Internacional, Renovar, Rio de Janeiro/São Paulo, 2003, p. 133.

[8] Cfr., MARQUES, J.P. Remédio, Acção Declarativa à Luz do Código de Processo Civil Revisto, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 43.; Também, BARTOLOMEU, Correia Fernandes, ob. cit., pp. 71 e ss.

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