OS ESPAÇOS MARÍTIMOS NOS DIREITOS ANGOLANO E PORTUGUÊS: SOBERANIA E/OU JURISDIÇÃO[1]
Gerson Miguel GOMES*[2]
*Jurista e Mestre em Economia pela Universidade de São Paulo.
Mário Tomás VERÍSSIMO*[3]
*Jurista, Pós-graduado em Direito do Mar pela Universidade Agostinho Neto
Introdução
Todas as actividades e condutas que são reguladas por um Estado (quer interna ou externamente) são regidas por um regime jurídico próprio, que consiste num acervo de legislação em vigência, atinente a um determinado elo, situação, negócio, etc. Não é diferente para os espaços marítimos dos Estados costeiros.
Cada vez mais, os Estados vêm percebendo e tendo consciência da necessidade imperiosa de monitorização e controlo dos seus espaços marítimos. Com a baixa do preço do petróleo, principal fonte de rendimentos dos países produtores como da República de Angola (doravante designado apenas por Angola), urge a necessidade de se olhar para o mar na perspectiva da diversificação económica e protecção do mesmo.
O mar constituiu um imenso receptáculo de recursos biológicos e não biológicos, além de ser um indispensável canal de comunicação para o comércio internacional, realçando que mais de 90%[4] das mercadorias transacionadas neste comércio é transportada via marítima. O mar é uma das principais fontes de riqueza de Angola, pois o sector petrolífero contribui para um terço do PIB e para mais de 90% das exportações do país, com o petróleo extraído principalmente do mar[5]. Angola, percebendo a importância estratégica e financeira do mar, passou a dar maior importância ao assunto, tendo a preocupação de actualizar a legislação sobre a soberania do mar, ao regime jurídico estabelecido pela Convenção das Nações Unidades sobre o Direito do Mar de 1982 (adiante designada apenas pela sigla CNUDM), tendo, por isso, substituído a Lei n.º 21/92, de 28 de Agosto, que regulava as águas interiores, o mar territorial e a zona económica exclusiva, produzida a menos de dois anos após à ratificação de Angola na CNUDM, pela Lei n.º 14/10, de 14 de Julho, Lei dos Espaços Marítimos (em diante designada apenas pela sigla LEM), favorecendo, deste modo, um combate eficaz nos espaços marítimos sob soberania e jurisdição de Angola ou ainda no alto mar, ao contrabando, às descargas operacionais não controladas, ao crescente número de infracções às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais, sanitários e migratórios.
Estabeleceu-se, assim, uma verdadeira “política para o mar”, que determinou a extensão dos espaços marítimos sob soberania e jurisdição nacionais e que define os poderes que o Estado Angolano neles deve exercer e no alto mar.
A aprovação dessa nova lei teve o intuito de melhor servir os interesses de Angola e melhor esclarece quais são os poderes, direitos, deveres e jurisdição de Angola nas suas águas interiores, mar territorial, zona contígua, zona económica exclusiva e direitos de soberania sobre a plataforma continental.
O presente estudo terá também um método de abordagem dialético e um método de procedimento comparativo na medida em que fará pontualmente uma comparação entre o que aborda tanto a CNUDM quanto a LEM, assim, pretende-se comparar a Lei em vigor em Angola com os preceitos estabelecidos na CNUDM.
É nossa intenção analisar o alcance do regime jurídico interno aplicado aos espaços marítimos e os direitos de soberania e/ou jurisdição das ordens jurídicas portuguesa e angolana, procedendo, a final, a uma síntese comparativa do trabalho de comparação efectuado.
Para o presente estudo comparado, a ordem jurídica angolana foi escolhida por ser a ordem jurídica dos autores, como não poderia deixar de ser e a ordem jurídica portuguesa, foi escolhida pelo facto de, por um lado, ser a ordem jurídica mãe da angolana (uma vez que, no advento da independência de Angola, esta herdou o direito português então em vigor[6]) e, por outro lado, em virtude de ser aquela a que o legislador angolano mais naturalmente vai buscar inspiração para as reformas que visa empreender.
Ao escolhermos dois ordenamentos jurídicos onde se fala português temos naturalmente ultrapassado o problema da tradução de conceitos jurídicos[7].
O estudo ora proposto terá por objectivo fornecer uma análise global sobre o alcance do regime jurídico interno aplicado aos limites dos espaços marítimos e respectivos direitos de soberania ou jurisdição, por intermédio de uma comparação entre os Estados angolano e português. Para tal, far-se-á recurso a legislação interna aplicável aos espaços marítimos e à Convenção.
A pretensão do presente estudo é de seguir uma abordagem interdisciplinar, pelo facto de o tema em desenvolvimento remete-nos, ao estudo duma área de sobreposição do Direito e Geopolítica, esperando como resultado a elaboração de uma bibliografia com obras de outros ramos do saber, para além do Direito.
Ademais, é de referir ainda que, dentro do escopo da disciplina do Direito, esta matéria poderá fazer parte da correlação, da intersecção de uma série de subdisciplinas jurídicas diversas. Fazendo igualmente recurso ao método de abordagem dialético e ao método de procedimento comparativo, que permitirá pontualmente fazer uma comparação entre o que aborda tanto a CNUDM quanto à Lei Angolana, como a Lei Portuguesa.
Sem prejuízo de alterações que se imponham ao longo da investigação, partir-se-á, no plano teórico-legal, das seguintes questões de investigação principais: i) o que deve ser entendido por espaços marítimos? ii) no âmbito política marítima integrada nacional e internacional, qual a actual subdivisão e respectivos limites dos espaços marítimos? iii) quais direitos de soberania e/ou jurisdição estão adstritos aos Estados costeiros em cada um dos espaços marítimos angolanos e portugueses?
Quanto à natureza, a pesquisa é aplicada; quanto ao objecto, a pesquisa é descritiva e quanto aos procedimentos, a pesquisa é bibliográfica, elaborada a partir de material já publicado, legislações (nacionais e internacionais), constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e material disponibilizado na internet através do qual foi feita uma abordagem sobre o tema e a sua contextualização geopolítica.
O método aqui utilizado conduziu-nos à elaboração de uma tabela síntese, que é formada por um quadro que contém dois eixos.
No eixo sintagmático, apresentamos os elementos a considerar na síntese dos institutos selecionados, ie, os cinco espaços marítimos angolanos: (i) a águas interiores marítimas, (ii) mar territorial (iii) zona contigua, (iv) zona económica exclusiva e (v) plataforma continental. No eixo paradigmático[8], apresentamos os dois aspectos a serem considerados no presente estudo, relativos ao regime jurídico do espaço marítimo angolano aplicável: aos limites e os respectivos poderes de jurisdição ou soberania do Estado. O presente artigo termina com as notas conclusivas, onde fazemos uma apreciação global das soluções conferidas pelos direitos angolano e português[9], identificando aspectos convergentes e divergentes entre si, conformando-os com a CNUDM.
Leia o artigo completo no documento abaixo:
[1] Artigo JuLaw n.º 021/2022, publicado aos 25 de fevereiro de 2022.
[2] Jurista, (agora Advogado), mestre em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP), na República Federativa do Brasil, Especialista em Direito do Mar na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto em cooperação com a União Europeia, docente de Direito do Ambiente na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto.
[3] Jurista, Advogado (estagiário), pós-graduado em Direito do Mar na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto em cooperação com a União Europeia, docente de Direito do Ambiente na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto é, de igual modo, professor de Língua Portuguesa na Escola n.º 1007 – 17 de Setembro da Samba. Formado em Instrução Primária, na antiga Escola de Formação de Professores Magistério Primário de Luanda (MPL).
[4] Cfr. Rigoberto Kambovo. Anotações de Direito Marítimo. Luanda, 2010. p. 2.
[5] Cfr. Angola, Perspectiva económica: https://www.worldbank.org/pt/country/angola/overview, consultado em 12/07/2021.
[6] CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Introdução ao Direito Comparado, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 41.
[7] FLÁVIA GUIMARÃES PESSOA, Manual de Metodologia do Trabalho Científico: Como Fazer uma Pesquisa de Direito Comparado, Evocati, Aracaju, 2009, p. 38.
[8] Cfr. Ferreira de Almeida, O Ensino…, op. cit., 138.
[9] Cfr. Dário Moura Vicente, Direito Comparado, vol. I – Introdução e Parte Geral, Almedina, Coimbra, 2011, p. 48.