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O DIREITO À DESCONEXÃO PROFISSIONAL À LUZ DO REGIME DE TELETRABALHO EM ANGOLA

O DIREITO À DESCONEXÃO PROFISSIONAL À LUZ DO REGIME DE TELETRABALHO EM ANGOLA

Por:José Luquinda [1]

  1. Direito à Desconexão Profissional
Are You Respecting Your Employees' Right to Disconnect?
credit: flexjobs

Foi recentemente publicado, através do Decreto Presidencial n.º 52/22, de 17 de Fevereiro (doravante DP n.º 52/22), o regulamento do exercício da actividade laboral em regime de Teletrabalho. Este diploma, surge como uma resposta ao actual panorama mundial resultante da propagação do vírus da COVID-19 que indiscutivelmente potencializou a globalização bem como o revolucionar da ciência e da tecnologia. Novas modalidades de prestação da actividade laboral foram criadas de modos a garantir a execução de tarefas mesmo que fora do local habitual de trabalho e com isto urge a necessidade de se regular estas novas realidades.

O escopo do presente estudo consiste na abordagem do tema sobre o  direito à desconexão profissional enquanto uma nova categoria de direitos que são assegurados ao teletrabalhador, em função do modo específico com que presta a sua actividade. Iremos procurar saber em que consiste, quais as implicações jurídicas e práticas a volta deste tema, bem como tecer algumas recomendações ao(s) aplicador(es) da legislação.

O direito à desconexão profissional não possui, à partida, um conceito único e absoluto nem tão pouco vem definido no diploma jurídico que o consagra. Contudo, pode o mesmo ser entendido como a faculdade que assiste aos trabalhadores de não prestarem qualquer actividade laboral fora do período normal de trabalho, desligando-se dos meios de comunicação electrónica que servem como instrumento de trabalho (computadores, smartphones, smartwatches, tablets, entre outros) ou de, tendo-os ligados, não reagirem a qualquer comunicação ou notificação directamente relacionada à actividade profissional desempenhada. Dito de outro modo, consiste na faculdade que o trabalhador tem de se ausentar do seu ambiente trabalho virtual.

A opção pelo uso da expressão trabalhador ao invés de “teletrabalhador” na apresentação deste conceito é intencional, uma vez que entendemos nós não se tratar de um direito que é exclusivamente conferido aos trabalhadores em regime de teletrabalho mas, igualmente àqueles que, mesmo não abrangidos por este regime, prestem actividade laboral à distância com subordinação jurídica e de modo remoto ou em home office [2].

A nível da legislação laboral angolana, o direito à desconexão profissional vem previsto nos termos do artigo 13.º, n.º 1 do Decreto Presidencial n.º 52/22, de 17 de Fevereiro com o seguinte teor “ O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador, os tempos de descanso e repouso pessoal e familiar do trabalhador, bem como garantir o direito à desconexão profissional “.

A razão de ser da consagração deste direito parte da premissa segundo o qual, atendendo ao modo como a actividade laboral é prestada em regime de teletrabalho, a dado momento, pode ser passível de ser considerada como uma actividade de risco ao próprio trabalhador. A adaptação do mundo à era digital, das novas tecnologias e, agora de temáticas como o metaverso, inevitavelmente ofuscam a abordagem de outros temas igualmente relevantes como é o do correcto e racional uso das tecnologias de informação.

Pese embora se exija, nos termos do regulamento, a obrigatoriedade de fixação de um horário de trabalho normal (artigo 6.º, n.º 1, alínea d) conjugado com o artigo 11.º, todos do DP n.º 52/22), a verdade é que, em termos práticos, e por razões imperiosas de necessidade de cumprimento de prazos ou até mesmo de demonstração de excessiva produtividade, muitos são os trabalhadores que durante a execução das suas tarefas extrapolam os horários normais de trabalho. Acresce-se a este facto as situações motivadas pela própria entidade empregadora que, por exemplo, atribui uma tarefa ao trabalhador próximo do final do expediente, ou então faz chegar ao inbox do trabalhador um e-mail de carácter urgente a ser dado tratamento, entre outras situações que potencializam o estresse, a ansiedade, a fadiga, o burnout, contraproducentemente a baixa produtividade e se desvirtua assim a finalidade pretendida que é a de garantir que o trabalhador possa plenamente conciliar a sua vida profissional e a pessoal. [3]

2. O Burnout enquanto Doença Profissional

O que é a síndrome de burnout e como prevenir esse distúrbio na sua empresa
credit: poder da escuta corporativa

Dentre as várias consequências que podem advir do exercício desregulado do Teletrabalho, temos aqui a destacar a síndrome de Burnout. Também conhecida como “Síndrome do esgotamento profissional”, trata-se de um estado de tensão emocional e estresse crônico provocado por factores relacionados à actividade laboral.

O indivíduo afectado pela síndrome sente-se vazio, sem motivação, abandonado e não se considera bom o suficiente. Acresce-se a esta descrição, o facto de passar a achar as suas tarefas entediantes e sente que está a desperdiçar energia ao cuidar de sua vida profissional. Essa sensação de frustração e exaustão relacionada ao trabalho pode, por fim, acabar por se estender as outras áreas da vida do profissional. [4]

Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais [5]São consideradas doenças profissionais (…) a alteração da saúde patologicamente definida, gerada por razões de actividade laboral nos trabalhadores que de forma habitual se expõem a factores que produzem doenças e que estão presentes no meio ambiente de trabalho ou em determinadas profissões ou ocupações” (ítálico e negrito nosso). O referido diploma remete ao índice codificado das doenças profissionais, conforme anexo do mesmo, que se fundamenta em conhecimentos científicos actualizados nos domínios da patologia e clínica ocupacional e no estudo comparativo de listas de doenças profissionais de vários países, assim como na documentação emanada de organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho e a Organização Mundial da Saúde (vide n.º 3 do artigo 6.º do Decreto n.º 53/05, de 15 de Agosto).

Contudo, uma vez observado o índice codificado das doenças profissionais anexo ao referido diploma, percebida a desactualização face a sua data de publicação e com base no facto do mesmo se fundamentar em documentação emanada por organismos internacionais como, dentre outros, a Organização Mundial da Saúde (doravante OMS), esta que recentemente incluiu a Síndrome de Burnout como fenômeno ocupacional na CID-11, que entrou em vigor em janeiro de 2022, não nos restam dúvidas para concluir que é, de facto, subsumível ao catálogo de doenças profissionais.

A consequência imediata desta conclusão será inevitavelmente a atribuição aos teletrabalhadores do direito à reparação efectiva dos danos resultantes do Burnout (enquanto doença profissional), reparação esta a ser assegurada pelo sistema de protecção social obrigatória (seguro obrigatório contra os riscos resultantes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, nos termos do Decreto n.º 53/05, de 15 de Agosto).

3. Tutela e Concretização Efectiva

Juzgado de Letras de Coronel acogió acción de tutela laboral y demanda  conjunta de despido indebido. - Diario Constitucional
credit: diário constitucional

Uma vez consagrado o direito e consciencializados sobre aquilo que são as consequências da sua violação, as questões que permanecem são as de saber: Como o mesmo é ou deve ser exercido? Como garantir a sua efectiva protecção? Em caso de violação de que meios se pode fazer valer o trabalhador para a salvaguarda deste direito?

O n.º 1 do artigo 13.º do DP n.º 52/22, além da sua menção, nada mais se pronuncia a respeito do direito à desconexão profissional, deixando assim uma “zona cinzenta” para o aplicador do direito no âmbito da relação entre empregador e trabalhador. Atendendo aos riscos inerentes à não determinação do modo de concretização deste direito, bem como à errónea ausência no leque de conteúdos obrigatórios a constar no contrato de teletrabalho nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do DP n.º 52/22, o recomendável é que, além do disposto no já citado artigo, se reduza igualmente a escrito mediante acordo entre empregador e trabalhador o modo de materialização do direito à desconexão profissional (devendo entender-se, ainda que materialmente, como obrigatória para efeitos de salvaguarda do direito à desconexão profissional do teletrabalhador).

Em caso de violação deste direito, a lei não impõe, pelo menos expressamente, qualquer sanção directa à entidade empregadora. Entretanto, consentindo o trabalhador no exercício da sua actividade laboral para além do seu horário normal de trabalho, uma das soluções a apontar será a implementação do regime de trabalho extraordinário nos termos do artigo 113.º e seguintes da Lei Geral do Trabalho (doravante LGT) com a remuneração e demais prerrogativas aplicáveis. Caso o trabalhador não esteja disposto a preterir do seu direito ao descanso, poderá sempre recorrer aos meios extrajudiciais (por imposição do actual regime de precedência obrigatória previsto nos termos do artigo 274.º da LGT) para posteriormente, querendo, lançar mão aos meios judiciais.

Com a entrada em vigor do Regime de Teletrabalho na segunda quinzena do mês de Março de 2022, o que se espera, acima de tudo, com este singelo contributo à doutrina é a efectiva salvaguarda do descanso e repouso a que os trabalhadores têm direito, de modos a se evitarem patologias como é o caso do burnout, provocado essencialmente pelos elevados níveis de estresse e ansiedade a que os trabalhadores neste regime são sujeitos. Que as relações humanas sejam privilegiadas e que as inovações tecnológicas nos aproximem mais do que nos afastam e não criem o sentimento ilusório segundo o qual mais horas de trabalho correspondem necessariamente a maior produtividade.

Luanda, 27 de Fevereiro de 2022.

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Notas de Rodapé:

[1] Jurista, Licenciado em Direito pela Universidade Católica de Angola.

[2] Apesar de facilmente confundíveis, home office e trabalho remoto são duas realidades distintas: O trabalho remoto consiste no trabalho que é prestado por um prestador de serviço ou trabalhador à distância, isto é, fora do local de trabalho da empresa, podendo este ser realizado em qualquer lugar: em casa, num espaço de co-working, em outra província ou até mesmo país. Por outro lado, prestar trabalho em regime de home office significa necessariamente trabalhar em casa em período integral. Nestes termos, todo home office  acaba sendo um trabalho remoto, mas o contrário já não é verdade dado que o home office exige necessariamente a permanência do trabalhador no seu domicílio. (Informação obtida em https://www.deskcoworking.com.br/trabalho-remoto-e-home-office/ aos 25/02/2022).

[3] Vale a ressalva de que o direito à desconexão profissional, por força do artigo 12.º do DP n.º 52/22 que confere igualdade de tratamento entre o teletrabalhador e os demais trabalhadores, não exclui a atribuição ao teletrabalhador de outros direitos que visem igualmente a garantia do repouso e recuperação física e psíquica do desgaste provocado pela prestação do trabalho como é o caso do direito a intervalos de descanso (artigo 96.º da LGT) bem como o direito a férias (artigo 129.º e ss. da LGT).

[4] Informação obtida em https://blog.psicologiaviva.com.br/esgotamento-profissional/ aos 27/02/2022).

[5] Aprovado pelo Decreto n.º 53/05, de 15 de Agosto.

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