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O DIREITO A ALIMENTOS: O CASO DO KUDURISTA BEBO KING E OS SEUS DOZE FILHOS

O DIREITO A ALIMENTOS: O CASO DO KUDURISTA BEBO KING E OS SEUS DOZE FILHOS

POR: ADRIANO PEDRO JOAQUIM

I. INTRODUÇÃO

O presente texto constitui uma análise jurídica e social da situação familiar em que vive o Kudurista Bebo King, tendo por desiderato a promoção da cultura jurídica no seio da sociedade e das famílias angolanas, sendo certo que o exercício ora realizado está aberto a críticas e sugestões.

II. DOS FACTOS

No decorrer da primeira semana do mês de Outubro nos deparamos com informações veiculadas pelos canais de notícias segundo os quais o Kudurista Bebo King solicitou ao Governo de Luanda, a partir das administrações municipais do Cacuaco, Cazenga e Sambizanga, ajuda para sustentar os seus doze filhos provenientes das relações que manteve com três mulheres. Dos requerimentos feitos, não houve resposta das administrações.

Em seguida, houve diferentes reações da sociedade angolana. Por um lado, os que manifestaram apoio e solidariedade a situação; por outro, os que entendem ser um acto irresponsável e não couber ao Estado o sustento dos respectivos filhos.

III. DE DIREITO

1. Os progenitores têm o direito e o dever, simultaneamente, de cuidar dos seus filhos. Esse poder-dever decorre da natureza das relações históricas e biológicas da composição das famílias, sendo que o Direito simplesmente reconhece esse direito, e não atribui. Porém, o dever de cuidar dos filhos menores não é missão exclusiva dos pais. Trata-se de uma responsabilidade que deve ser partilhada com a sociedade e o Estado, em estreita colaboração. Por força do Princípio do Superior Interesse da Criança, que tem respaldo e dignidade constitucional nos termos do n° 2 do art. 80° da Constituição da República (adiante, CRA), os órgãos e organismos do Estado, incluindo, aqui, as administrações municipais, enquanto órgãos do poder local do Estado, vide o art. 201° da CRA e o art. 15° da Lei n°15/16 sobre a Administração Local do Estado, têm por atribuição a realização e criação de políticas públicas no domínio da família, da educação e saúde por formas a se garantir o pleno desenvolvimento físico, psíquico e cultural das crianças. Assim, cabe ao Estado e, por consequência, as administrações municipais respectivas, a criação de medidas políticas e administrativas que visam acautelar a penúria dos menores, como a criação ou encaminhamento aos centros de acolhimento, lares ou orfanatos… Chegados aqui, já não parece “absurdo” o requerimento feito pelo cidadão mais conhecido por Bebo King. Essa tripla participação na vida das crianças se justifica pelo que disse o Professor Hortêncio Sanumbutue, numa das aulas de Teoria Geral do Direito Civil, no ISPI – Lubango, em 2019: “os filhos pertencem aos pais enquanto menores, pois, quando crescem, pertencem a sociedade.”. Assim, justifica-se que, desde logo, a sociedade e o Estado acompanhem o processo de crescimento da criança que lhes virá pertencer.

2. Parece-nos, porém, que prima facie, os órgãos de recurso imediato não seriam as administrações locais do Estado, tendo o referido cidadão colocado “a carroça a frente dos bois”, como diz o ditado popular. Na medida em que, a responsabilidade de tutela – não no seu sentido técnico jurídico – dos filhos é da família, cujos encargos primários e imediatos cabem aos pais. Entretanto, a família é um grupo composto por vários membros numa teia de relações mútuas, complexas, recíprocas e duradouras. Pelo que, na impossibilidade, ausência ou morte dos pais, existem outros membros da família que podem arcar com o sustento dos menores, à título de co-obrigados. Nestes termos, o art. 249° do Código da Família (adiante, CF) cataloga os familiares que podem, além dos pais, prestar alimentos aos menores, entre eles, sucessivamente, os avós, os irmãos maiores, os tios, etc.

Ora, pode o referido cidadão verificar entre estes quais deles podem, na medida do possível, contribuir para o alimento dos menores e requerer ao Ministério Público a acção em representação dos menores. Aliás, é importante ressaltar que, a obrigação de prestação de alimentos não é necessariamente exercida por uma pessoa, pelo que pode ser repartida entre vários co-obrigados, refere o n°3 do artigo supra do CF. Assim, vários membros da família podem contribuir no sustento, na formação e saúde dos filhos, à medida das suas capacidades.

Portanto, é necessário explorar as vias de natureza privada antes das administrativas. Só em última ratio – havendo plena impossibilidade dos membros da família catalogados para obrigação de alimentos – deve a administração intervir de facto, não sendo essa sequência imperativa por força do princípio da oficiosidade, mas recomendável.

3. A falta de resposta das administrações sobre os requerimentos, a ser verdade, configura ao que a doutrina e a lei angolana e portuguesa chamam de Acto Tácito ou, também, Silêncio Administrativo na doutrina brasileira, entenda-se, um silêncio juridicamente relevante que, no caso, constitui um facto jurídico negativo – indeferimento – por ter decorrido mais de 90 dias – as solicitações foram feitas a um ano – desde a data do requerimento escrito e serem as administrações competentes por serem locais de residência dos menores, não fazendo parte das situações excepcionais que geram deferimento tácito, nos termos do art. 165° e 166° do Código do Procedimento Administrativo. Entretanto, pensamos nós que era expectável que os Gabinetes Jurídicos das respectivas administrações preferissem pareceres técnicos a recomendar, orientar, instruir e facilitar a resolução das preocupações do cidadão em causa. Apesar de ter validade jurídica, o silêncio administrativo não pode ser o meio regra pelo qual os órgãos do Estado se aproveitam para produzir efeitos jurídicos, especialmente em casos desta natureza, cuja fundamentação da resposta, ainda que negativa, conforta o utente que recorre aos serviços públicos.

IV. CONCLUSÃO

Dada a impossibilidade financeira que pesa sobre o Kudurista Bebo King de suster os doze filhos que tem, cabe aos restantes familiares das crianças a participação positiva no sustento delas, o que pode ser garantido judicialmente.
Sendo igualmente certo que devem as administrações municipais erigir medidas políticas e administrativas que visam acautelar os efeitos perniciosos da falta de sustento, educação, saúde e cultura das crianças, nos termos da Constituição e da lei. Devemos, igualmente, reflectir sobre a importância do planeamento familiar enquanto medida profilática para evitar situações similares.

Para terminar este exercício, gostava de deixar uma frase do querido Professor e Mestre Erickssen Nogueira Siculino que captei algures das aulas informais – orientações e instruções de sabedoria – que recebo:

“Os meios e os recursos estão a nossa disposição, faltando-nos às vezes o conhecimento necessário para alcançá-los”.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

GILBERTO CAWINA, Direito de Família e os Menores em Angola, Centro de Estudos Judiciários, páginas 187 a 189, 2015.
MARIA DO CARMO MEDINA, Direito de Família, 2° edição, Escola Editora, 2013.
CARLOS ROBERTO GONÇALVES, Direito de Família, vol. 2, 16° edição, Editora Saraiva, Brasil,2012.
CARLOS FEIJÓ E CREMILDO PACA, Direito Administrativo, 4° edição, Mayamba Editora, 2015.
Constituição da República de Angola, 2010.
Código da Família de Angola, aprovado pela Lei n°1/88, de 20 de Fevereiro.
Lei n°31/22 de 30 de Agosto, sobre o Código do Procedimento Administrativo.
Lei n°15/16 de 12 de Setembro sobre a Administração Local do Estado.

POR: ADRIANO PEDRO JOAQUIM

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