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O carácter estigmatizador do registo criminal em Angola

Eunício Cuidado FRANCISCO[1] – Lunda-Norte.

Resumo

Com o presente artigo pretendemos apresentar sugestões destinadas a fazer com que o certificado do registo criminal ajude na eficácia da recuperação de um ex-recluso, através da adoção de medidas referentes à finalidade das penas, tendo em última instância, não uma finalidade punitiva, mas puramente educativa e ressocializadora.

O presente artigo está estruturado em dois pontos essenciais onde, no primeiro, abordamos aspetos relacionados com a conceptualização do Direito Penal por ser o direito material ou substantivo. No segundo, com um estudo voltado para os efeitos negativos do certificado do registo criminal, começamos pela sua caracterização doutrina e legal, posteriormente realizamos um estudo comparado apenas com Portugal.

Palavras-chave: Estigmatização; Registo Criminal; Reintegração.

Abstract

With this article we intend to present suggestions aimed at making the criminal record certificate help in the effectiveness of the recovery of an ex-prisoner, through the adoption of measures related to the purpose of the sentences, having, in the last instance, not a punitive purpose, but purely educational and re-socializing.

This article is structured in two essential points where, at the first we approach aspects related to the conceptualization of Criminal Law as it is the material or substantive law. At the second with a study focused on the negative effects of the criminal record certificate, we start with its doctrinal and legal characterization, later we carried out a study compared only with Portugal.

Metodologia

Para o presente trabalho, fez-se o uso dos métodos do nível teórico, nomeadamente o Histórico-lógico que é a fonte de coleta de dados que está restrita à revisão documental e bibliográfica, constituindo o que se denomina de fontes primárias.

Utilizou-se também o nível empírico, nomeadamente a análise documental fundada na pesquisa bibliográfica, isto é, leis e manuais já produzidos.

É objeto de estudo desta investigação o carácter estigmatizador do registo criminal, matéria que tem a ver com o Direito Penal e Direito Processual Penal.

Traçou-se como objetivos: identificar os efeitos estigmatizantes causados pelo certificado de registo criminal para efeitos particulares e propor ao legislador ordinário a criação de um diploma legal que rege o prazo do começo e término dos dados do certificado de registo criminal.

  1. ABORDAGEM DO DIREITO PENAL
  1. 1.    O DIREITO PENAL

A exclusividade do jus puniendi  pelo Estado e a faculdade reconhecida pelos particulares de recorrerem aos órgãos daquele para a defesa dos seus direitos, corresponde a uma fase de organização política das comunidades contrariamente às sociedades primitivas onde os conflitos eram resolvidos por meio da vingança e justiça privada. Assim, surge o direito penal com a finalidade de proteger os interesses fundamentais e essenciais sem os quais a própria sociedade não subsistiria, tornando a justiça como monopólio do Estado.

Eduardo CORREIA[2], define o Direito Penal como sendo um conjunto de normas jurídicas que fixam os pressupostos de aplicação de determinadas reações legais as reações criminais, englobando as penas e medidas de segurança.

Segundo o professor Orlando RODRIGUES[3], o Direito Penal é um sistema de normas jurídicas que definem os atos que constituem infração criminal, determinam as situações de perigosidade criminal e estabelecem as penas e as medidas de segurança correspondentes, ou seja, um conjunto de normas jurídicas que fixam os pressupostos da aplicação das penas e das medidas de segurança.

Para o professor Jorge de Figueiredo DIAS[4], o Direito Penal é o conjunto das normas jurídicas que ligam certos comportamentos humanos, os crimes, determinadas consequências jurídicas privativas deste ramo de direito. A mais importante destas consequências – tanto do ponto de vista quantitativo, como qualitativo (social) ­ – é a pena, a qual só pode ser aplicada ao agente do crime que tenha atuado com culpa. Ao lado da pena prevê, porém, o direito penal, consequências jurídicas de outro tipo: são as medidas de segurança, as quais não supõem a culpa do agente, mas a sua perigosidade.

Tendo em vista as três definições, acolhemo-las, fixando o Direito Penal como um conjunto de normas jurídicas que tem uma estrutura que contém uma situação de facto (crime), e a sanção que é a pena ou medida de segurança.

Procedemos, nos parágrafos que se seguem, a uma breve incursão sobre os fins das penas, sendo este o empolado penal que escoltou a evolução do direito, faremos uma análise sobre os principais pontos focalizados pelos defensores de cada teoria.

1.2. FIM DAS PENAS

A discussão em torno dos fins das penas é uma questão filosófica que atinge os princípios que fundamentam e alicerçam o sistema jurídico-penal. Vários penalistas afirmam que o debate em torno deste mote é mais do que uma pura especulação abstrata, conferindo sentido, no âmbito judicial ou de execução de penas à atividade quotidiana na medida em que deve ser punida determinada ação, qual a pena adequada desta ação, qual a medida adequada dessa pena, qual a forma adequada de execução dessa pena. Nenhuma destas questões pode ser respondida abstraindo da questão fundamental dos fins das penas. Para melhor entendimento destas questões, lançamos mãos a várias doutrinas.

1.2.1. AS DOUTRINAS RETRIBUTIVAS

Os idealistas destas doutrinas afirmam que, as penas servem para retribuir o mal a quem praticou o mal, sendo esta a premissa da teoria retributiva das penas tendo basicamente uma finalidade retributiva. Esta teoria apresenta a ideia de que as penas são um mal que se impõe a alguém, por esse alguém ter praticado um crime. Implicando a imposição de um mal a quem praticou um mal, uma ideia de castigo. Escolhe-se uma pena que corresponde a determinado facto, devendo ter correspondência com a proporcionalidade na responsabilidade do agente.

Tanto o professor Orlando RODRIGUES como o notável professor Jorge de Figueiredo DIAS, com linguagens cómodas, aclaram que o crime forma o pressuposto e a medida da pena. O primeiro continua: não pode haver pena sem ter havido antes um crime, logo, o crime é o pressuposto da pena. Por outro lado, o mal que a pena faz sofrer ao criminoso deve ser adequado ao mal que ele causou com o crime, deve ser tendencialmente igual, ou seja equivalente. Por isso, «a quantidade» da pena é determinada pela gravidade do crime, logo, o crime é a medida da pena[5].

Historicamente inspirada pela celebérrima lei do talião «olho por olho, dente por dente» de origem religiosa, o direito canónico e as doutrinas da Igreja contribuíram para que o sistema de retribuição se impusesse durante muitos séculos.

Como críticas a esta doutrina, Jorge de Figueiredo Dias, defende que, como teoria dos fins da pena, a doutrina da retribuição deve ser recusada, porque:

– Ela não é (verdadeiramente não quer ser, nem pode ser) uma teoria dos fins das penas. Ela visa justamente o contrário, isto é, a consideração da pena como entidade independente de fins, como entidade que, no dizer de Maurach, louvado na lição de Hegel, existe na sua “zeckgeloste Majestat”, na sua majestade dissociada de fins;

– Outrossim, de um ponto de vista socialmente interessado – e, portanto, deve reconhecer-se, de uma perspetiva estranha às intenções próprias de uma teoria absoluta, as doutrinas da retribuição devem ser repudiadas. Uma pena retributiva esgota o seu sentido no mal que faz sofrer ao delinquente como compensação ou expiação do mal do crime; nesta medida é uma doutrina puramente social-negativa, que acaba por se revelar não só estranha, mas no fundo inimiga de qualquer tentativa de socialização do delinquente e de restauração da paz jurídica da comunidade afetada pelo crime; inimiga, em suma, de qualquer atuação preventiva e, assim, da pretensão de controlo e domínio do fenómeno da criminalidade[6].

A doutrina retributiva, alheia à ideia de punir de acordo com o grau da culpa, das circunstâncias precedentes, concomitantes ou posteriores à prática do crime, da recuperação ou ressocialização do agente e da intervenção do direito penal na medida da necessidade de prevenir e assegurar os bens ou valores jurídicos fundamentais, mas fundamentando-se na gravidade do crime, sua aplicação é largamente inconcebível hodiernamente, pelo simples facto de ir de encontro a alguns Princípios Constitucionais, máxime, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, do Estado de Direito e Democrático, como em Angola, conforme consagrado pelo n.º 2, do art.º 31.º, da CRA.[7]

1.2.2. AS DOUTRINAS DA PREVENÇÃO GERAL.

O professor Jorge de Figueiredo Dias, assevera que o denominador comum das doutrinas da prevenção geral radica na conceção da pena como instrumento político-criminal destinado a atuar (psiquicamente) sobre a generalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através da ameaça penal estatuída pela lei, da realidade da sua aplicação e da efetividade sua execução. A aludida atuação estatal sobre a generalidade das pessoas assume, porém, ainda uma dupla perspetiva. A pena pode ser concebida, por uma parte, como forma estatalmente acolhida de intimidação das outras pessoas através do sofrimento que ela se inflige ao delinquente e cujo receio as conduzirá a não cometerem factos puníveis: fala-se então a este propósito de prevenção geral negativa ou de intimidação. Mas a pena pode ser concebida, por outra parte, como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela dos bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, apesar de todas as violações que tenham lugar e a reforçar, por esta via, os padrões do comportamento adequado às normas: neste sentido fala-se hoje de uma prevenção geral positiva ou de integração.

Numa perspetiva moderna, a primeira formulação que acabamos de apresentar, acerca da doutrina da prevenção geral, deve-se, como é corrente asseverar-se, a um dos fundadores do direito penal moderno, Paul JOHANN Anselm Von FEUERBACH: a conhecida doutrina da coação psicológica, segundo a qual a finalidade precípua da pena residiria em criar no espírito dos potenciais criminosos um contra motivo suficientemente forte para os afastar da prática do crime. A alma do criminoso potencial seria assim uma arena onde se digladiam as motivações conducentes ao crime e ao contra motivações derivadas do conhecimento do mal da pena, em definitivo importando que estas últimas sejam em regra suficientemente poderosas para vencer as primeiras e, deste modo, contribuir eficazmente para a prevenção.[8]

Em torno das críticas contra a prevenção geral, segundo Orlando Rodrigues, destacam-se:

– Por um lado, as dificuldades de encontrar a medida exata da pena para que seja intimidatória;

– Por outro, a ilegitimidade da utilização do criminoso como um meio ou instrumento da prevenção geral para a intimidação dos outros.

1.2.3. AS DOUTRINAS DA PREVENÇÃO ESPECIAL

Quanto aos doutrinadores desta tese, o professor Jorge de Figueiredo Dias, realça que, as doutrinas da prevenção especial ou individual têm por denominador comum a ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do delinquente com o fim de evitar que, no futuro, ele cometa novos crimes. Neste sentido deve-se falar de uma finalidade de prevenção da reincidência e sucessão criminosa. Neste corpo teórico unitário, porém, divergências profundas surgem quando se pergunta de que forma deve a pena cumprir aquela sua finalidade.

Portanto, é absolutamente correto afirmar que a aplicação da pena aglutina todas as finalidades defendidas por cada uma delas.

Resumindo, concordamos com os juristas Icuma e MUMBANGE[9] ao afirmarem que, está visível a doutrina retributiva, quando a pena entrosa sofrimento através do castigo que lhe é característico; está visível a doutrina da prevenção geral, quando a generalidade das pessoas apercebe-se que agir de forma idêntica à do delinquente, terá o mesmo fim; e, está visível a doutrina da prevenção especial, quando pela experiência infeliz ao sentir na pele as consequências da sua conduta reprovável, o delinquente propõe-se a não reincidir na mesma conduta ou noutra punível criminalmente e, por fim, quando na execução da pena aplicada, através de um conjunto de medidas de recuperação do delinquente. 

Depois dessa longa incursão podemos então dizer que os fins da pena, no nosso país, têm sido equacionados a partir de um objetivo essencial: a redução ou prevenção da criminalidade. Assim, e tal como estabelece o artigo 3º nº4 da Lei 8­/8, de 29 de Agosto, (Lei Penitenciária), Angola acolhe as duas finalidades, a prevenção geral e especial.

2. ENQUADRAMENTO DO REGISTO CRIMINAL NA TEORIA DOS REGISTOS.

2.1. CONCEITO

O registo criminal, não é só um simples documento, mas também, um instituto jurídico tal como afirmam vários autores.

A estudiosa Maria do Ceu Malhado[10] considera o registo criminal como sendo um instituto do direito, é uma figura jurídica, objeto de estudo da ciência jurídica que chamamos direito do registo criminal, de um modo geral é um sistema de normas que tem por objeto regular a publicidade dos antecedentes criminais.

O certificado de registo criminal é um documento autêntico que gozando de fé pública, é prova bastante de ausência ou presença de antecedentes criminais.

Continue a ler no documento abaixo:


[1] Jurista (Lunda-Norte).

[2]Correia, E., Direito Criminal. vol I, Almeida, Coimbra, 1963 reimpressão 2007, p 1.

[3] Rodrigues, O., Apontamentos de Direito Penal, Escolar Editora, Lobito, 2014, p. 24.

[4] Dias, J., de F., Direito Penal (Parte Geral – TOMO I), Coimbra editora, 2ª edição (4ª reimpressão), 2012, p. 3.

[5] Rodrigues, O. Op. Cit., p. 39.

[6] Dias, de F. J., Op. Cit. p. 47, 48 e 49.

[7]Icuma, I. L. D e Muambange, J. Monografia apresentada à FDULAN, com o tema: Efeitos da condenação em pena de prisão maior para os funcionários públicos face o princípio da Ressocialização em Angola, 2018, p 18.

[8] Dias, de F. J., Op. Cit. p. 50 e 51.

[9]Icuma, I. L. D e Muambange, J. op. cit, p 22.

[10] Malhado. M. do, C. Noções de Registo Criminal, editora Almeida, Coimbra, 2001, p. 19-23.

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