Você está visualizando atualmente O ATIVISMO JUDICIAL: O CASO DE ANGOLA

O ATIVISMO JUDICIAL: O CASO DE ANGOLA

O ATIVISMO JUDICIAL – O CASO DE ANGOLA

RAUL EURICO, Docente Universitário.

INTRODUÇÃO

O homem sempre procurou satisfazer as suas mais elementares necessidades – quer a título individual, quer a título coletivo. Ali onde individualmente a resolução não é possível ou se possível, difícil, surge fundamentalmente o Estado para fazê-lo.

O Estado dispõe de órgãos específicos para de forma específica dar respostas às solicitações não só dos particulares, mas também dos outros entes públicos: autarquias locais, institutos públicos, associações públicas, só a título exemplificativo. É assim que, se a necessidade reclamada for de cariz legislativa existe um órgão que é o parlamento; contrariamente, se for de natureza executiva existe o executivo e, finalmente, se for de base jurisdicional existem os tribunais.

Assim, ao mais alto nível, são órgãos do Estado angolano: a Assembleia Nacional, o Presidente da República e os Tribunais, exercendo essencialmente os poderes legislativo, executivo e judicial, respetivamente. Dentre os três poderes existe ou deve existir separação para evitar que um ou alguns deles existam apenas formalmente. É fundamental que cada um atue sem sofrer pressão/interferência do outro. Mesmo nos casos de interdependência de funções é imperioso que este mecanismo não esvazie nem ridicularize o raio de ação de um dos poderes.

Ora, por força dos princípios da reserva da Constituição e da legalidade, respetivamente, os poderes dos órgãos já mencionados são os previstos na Constituição da República de Angola e devem ser exercidos dentro dos limites por esta e a lei estabelecidos, sob pena de inconstitucionalidade ou ilegalidade, conforme o caso.

Olhando para a Constituição e em função do sistema de governo que consagra, podemos concluir que um órgão tem poderes mais significativos em relação ao outro, sendo recorrente que este exercício intelectual se faça comparando os dois órgãos políticos, isto é, o Parlamento e o Presidente da República. É fácil equacionar que o parlamento tem mais poderes, ou ainda, o Presidente da República tem mais poderes, mas são poucas as vezes que olhamos para a atividade ou inatividade dos Tribunais. É exatamente sobre esta última  perspetiva que trazemos este tema – o ativismo judicial – o caso de Angola.

UTILIZAÇÃO DO TERMO

A utilização do termo ATIVISMO JUDICIAL é recente e remonta o ano de 1947 nos Estados Unidos da América.

O seu sentido não é encarado de modo uniforme, sendo que, em alguns casos apresenta um conteúdo mais amplo e noutros, mais restrito. É assim que, hoje o significado já não se limita naquele que lhe foi atribuído no início quando se destinava a trazer aquelas situações em que a Suprema Corte norte americana podia atuar no sentido de suprir as omissões eminentemente políticas dos órgãos políticos. Hoje o seu sentido vai mais além.

AFINAL O QUE É O ATIVISMO JUDICIAL?

Há quem alerta que o ativismo judicial é daquelas situações de fácil demonstração e difícil conceitualização (é mais fácil exemplificar do que conceituar).

O ativismo judicial ocorre quando os órgãos do judicial tomam decisões ativistas, ou seja, quando se verifica uma expansão da atividade judicial. Em termos mais simples há ativismo judicial quando os tribunais atuam para além das suas competências por excelência, andando em campo que normalmente pertence ao poder político – no fundo há uma colocação hierárquico – superior do judicial em relação ao legislativo e executivo.

Isto pode ocorrer em vários casos, mas destacamos aqueles em que, os Tribunais, através da função de intérpretes da Constituição e da lei atuam como legislador positivo (quando impõem ao legislativo a criação de determinada lei) ou negativo (quando impõem a não aplicação de uma lei criada pelo legislativo).

O normal e o coerente é que o órgão – fonte do ato político é que teria de revogar o ato, quando entender necessário, ou trazer o sentido e alcance de determinada norma que se pareça ambígua, porém, através do ativismo judicial estas atitudes são atribuídas também aos Tribunais.

O ATIVISMO JUDICIAL NO ÂMBITO DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE LEGISLATIVA COMPETE A QUALQUER TRIBUNAL?

Uma questão interessante é a de saber se qualquer Tribunal pode no âmbito do ativismo judicial atuar como legislador, positivo ou negativo? A resposta depende de cada modelo de fiscalização adotado pela ordem constitucional do Estado. Assim, em Angola, pelo facto de ser consagrado um modelo concentrado no âmbito da fiscalização abstrata – em que apenas ao Tribunal Constitucional compete fiscalizar abstratamente a constitucionalidade dos atos legislativos, em particular, faz com que seja apenas a este tribunal que se lhe confira a possibilidade de atuar como legislador positivo ou negativo.

Basta olharmos para os artigos 231° e 232° CRA e perceberemos que, por um lado, o Tribunal Constitucional pode declarar inconstitucionalidade de uma lei com força obrigatória geral – não aplicabilidade geral da lei declarada inconstitucional, ou por outro lado, orientar a que seja criada uma lei nos casos de inconstitucionalidade por omissão. No primeiro caso o Tribunal Constitucional atua como legislador negativo e no segundo como legislador positivo.

Os restantes tribunais, inclusive o Tribunal Supremo, apenas podem fiscalizar a constitucionalidade das leis – declarando-as inconstitucionais, se for o caso, no âmbito de um processo judicial que já existe – fiscalização concreta.  Mesmo que a conclusão seja de declaração de inconstitucionalidade, esta tem apenas eficácia inter partes, ou seja, a lei declarada inconstitucional não será aplicada apenas no caso em concreto em que a inconstitucionalidade foi levantada, até que o Tribunal Constitucional venha revogá-la. Assim, nestes termos, não se pode falar destes tribunais como legislador negativo na medida em que os atos legislativos têm eficácia geral e abstrata e no caso “sub judice” a declaração de inconstitucionalidade tem eficácia individual e concreta.

O QUE DIZER DOS ASSENTOS?

Através dos assentos o tribunal superior (Supremo) harmoniza a jurisprudência. Embora essa harmonização possa ser fonte do Direito, não pode ser vista como situação que confere ao Supremo a qualificação de legislador, pois, a sua atuação neste quesito particular incide sobre os atos do judicial – o judicial sobre o judicial, e não do legislativo.

ATIVISMO JUDICIAL – VIOLAÇÃO DA SEPARAÇÃO DE PODERES?

O que foi dito até o momento pode nos incitar a interpretação segundo a qual, o ativismo judicial é um indicador da violação do princípio constitucional da separação de poderes. Mas, nos parece que este não pode ser o entendimento. O princípio da separação de poderes encontra legitimidade na própria constituição, afinal, se os poderes dos órgãos de soberania são os que constam da constituição e é esta “lex mater” que confere ao Tribunal Constitucional tal competência, então, não há aqui uma violação da separação de poderes. Violar o princípio da separação de poderes consistiria em atuar em sentido contrário à legitimação constitucional dos poderes de determinado órgão do Estado.

Há aqui, em nosso entender, uma situação de interdependência dos órgãos do Estado, o que vai permitir que um intervenha no raio de ação de outro.

Esta interdependência é louvável, porém, quando mal calculada pode levar ao esvaziamento dos poderes do órgão ou da sua transformação em órgão de existência meramente formal.

É neste âmbito que haja quem questione o seguinte: se eventualmente o Tribunal Constitucional na sua atitude ativista ultrapassar até mesmo os limites constitucionalmente consagrados, será possível o seu afastamento? Em caso afirmativo, que entidade teria este privilégio de o afastar?

As respostas às questões acima nem sempre são fáceis de serem dadas, porquanto, em muitos ordenamentos jurídicos o Tribunal Constitucional é o maior guardião da Constituição e por inerência o órgão que detém o poder da última palavra. Em Angola o Tribunal Constitucional é ainda o detentor da última palavra em matérias jurídico-constitucionais.

É fundamental que se tenha em conta que independentemente da posição que o Tribunal Constitucional ocupa no sistema orgânico – estatal, continua sendo um órgão do Estado e por maioria de razão, também sujeito ao princípio da supremacia da Constituição que impõe o respeito da Lei suprema na atuação do Estado (n°s 2 e 3 do art. 6° CRA). Assim, havendo exageros ou violações do próprio Tribunal Constitucional sem que haja sanação por parte do plenário deste Tribunal, é recomendável que seja o detentor da soberania a resolver tais contendas. Aprovar a Constituição, interpretá-la e defendê-la é uma manifestação do poder soberano, poder este que pertence ao povo (art.3° CRA).

É ao povo que se lhe compete dar a última palavra quando aquele que inicialmente habilitado para o efeito se encontrar em conflito com a Constituição. Haja vista que, os indivíduos que compõem o povo não podem dar em conjunto e diretamente a desejada última palavra de defesa da carta magna, pelo que, serão os seus representantes com maior legitimação – os Deputados, a atuar em nome e no interesse do povo na defesa da Constituição.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA SENDO TAMBÉM REPRESENTANTE DO POVO, NÃO PODE DAR ÀQUELA ÚLTIMA PALAVRA?

A resposta é negativa por razões da maior / menor legitimação. Assim, apesar de o Presidente da República ser um órgão eleito no mesmo ato de eleição dos Deputados – eleições gerais, e ter a competência de nomear 4 Juízes do Tribunal Constitucional, incluindo o Juiz – Presidente, não tem maior legitimação em relação à dos Deputados que são por excelência os representantes do povo, afinal, o modo de eleger o Presidente da República está sujeito à um parlamentarismo na gênese.

Entretanto, se há alguma entidade a quem assiste defender em última instância a constituição – baseada na dignidade das pessoas, esta entidade é o povo – titular da soberania, que vai atuar por meio dos seus representantes mandatados através de sufrágio universal, direto, secreto e periódico ( art. 3° CRA). O POVO TEM DE SER O COMEÇO E O FIM.

Em suma, os tribunais são simultaneamente passivos e ativos. Passivos no sentido de a aplicação pelos tribunais das normas aos casos concretos depender de uma iniciativa inoficiosa, e ativos no sentido de, diante de uma iniciativa exercida por entidade legítima, o tribunal poder tomar decisões ativistas – que demonstram uma expansão do judicial em relação ao político. O ativismo judicial é um tema muito fértil e de grande interesse. Não se esgota o assunto com um pequeno texto como este, mas de certeza, pode sempre servir como incentivo para muito mais textos.

Deixe um comentário