Por: Ezequiel Geremias
Pela primeira vez na sua história jurídico-constitucional, o nosso País vive desde 27 de Março do corrente ano, um momento de exceção constitucional caracterizado por um Estado de Emergência declarado pelo Presidente da República (adiante PR) nos termos do Decreto Presidencial (doravante DP) nº 81/20, de 25 de Março. Trata-se de uma medida que, embora sacrificadora para os cidadãos, porém, necessária e fundamental face à situação pandêmica mormente à capacidade do vírus de gerar vítimas cujos números são ainda bastantes assustadores.
Recorde-se que, a medida foi tomada numa altura em que o País registava apenas 2 casos positivos de Coronavírus. Número que foi multiplicando-se na medida em que os dias foram passando, justificando-se assim a sua prorrogação, primeiramente pelo DP nº 97/20, de 9 de Abril, em seguida, pelo DP nº 120/20, de 24 de Abril e, finalmente pelo ainda em vigor DP nº 128/20, de 08 de Maio.
Aproximadamente dois meses depois de confinamento social, fomos surpreendidos com notícias de que o PR terá apresentado à Assembleia Nacional uma Proposta de Lei requerendo com urgência a alteração da Lei nº 28/03, de 3 de Novembro, isto é, da Lei de Bases do Sistema de Proteção Civil.
Não se sabe de concreto o que terá motivado o pedido de alteração urgente daquele diploma legal. Todavia, questionado pelo Deputado da CASA-CE (André Mendes de Carvalho), o Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do PR (Adão de Almeida) respondeu que: o pedido prendia-se com a necessidade de adequa-la ao estabelecido no actual texto constitucional. Na sequência, levantaram-se vozes, nas redes sociais principalmente, de que o facto se deveu à pretensão do PR em levantar o Estado de Emergência e substituí-la pelo Estado de Calamidade Pública à semelhança do que está ocorrendo neste momento em Portugal.
Numa altura em que o número de casos positivos vai crescendo, vamos caminhando a passos largos da contaminação comunitária e o nosso país vai registando um clima cada vez mais frio (o que dá maiores condições de desenvolvimento do vírus) questiona-se (a ser verdade aquela mera especulação) se é (in)oportuno a aplicação de tal medida, tendo em conta a teleologia do instituto, ou seja, em face da situação pandêmica nacional actual e olhando aos fins da declaração de um estado de Calamidade Pública, questiona-se se vale à pena declara-la ou antes, prorrogar o Estado de Emergência, porém, levantando-se algumas restrições, limitações ou suspensões de alguns direitos, liberdades e garantias fundamentais.
O estado de Calamidade Pública, à semelhança do estado de Alerta e de Contingência é um meio à que os Estados mormente os órgãos administrativos podem recorrer para dar cobro à situações de anormalidade social. Diferente dos estados de exceção constitucional (estado de Emergência, de Sítio e de Guerra), refere-se à mecanismos acionáveis apenas em momentos de normalidade constitucional sem incidência nenhuma (pelo menos negativa) no que tange aos direitos, liberdades e garantias fundamentais (artigo 57° e 58° da Constituição da República de Angola, a contrario sensu).
Com efeito, substituir o estado de Emergência pelo de Calamidade Pública, pressupõe dizer que vamos sair de um momento anormal (o que obrigou a tomada de medidas também anormais) para um estado normal, embora com a possibilidade de impor-se algumas “ligeiras” limitações. No fundo, significa (por exemplo) que as escolas e templos poderão abrir, o direito à manifestação e à greve poderá ser exercido, as entidades sanitárias deixarão de ter o direito de recorrer à certas entidades de telecomunicações para adquirir informações pessoais de possíveis pacientes que tenham escapulido da quarentena institucional ou domiciliar e as pessoas poderão livremente circular (pois, os únicos meios disponíveis e justificáveis à restrição destes e de outros direitos fundamentais são apenas o estado de Emergência, de Sítio e de Guerra declarados de acordo com a CRA e com a Lei nº 17/91, de 11 de Maio e Lei nº 2/93, de 26 de Março: sobre o estado de Sítio e de Emergência e de Defesa Nacional e das Forças Armadas respetivamente) embora neste tipo de estado haja também a possibilidade de imposição de uma cerca sanitária.
Tal como afirmou o Professor Albano Pedro, “na prática, significaria que sairemos de estado de exceção constitucional, em que se verificam limitações de direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, para passarmos num novo período em que essas liberdades já não serão postas em causa. Serão simples medidas de contenção da Covid-19, portanto, medidas naturais sanitárias, mas sem carácter penal e, sobretudo, sem uma perspetiva de privação das liberdades fundamentais. O Estado passará a tomar medidas para controlar a expansão da Covid-19, contendo obviamente, mas sem colocar aquela dimensão de contenção dos direitos fundamentais”.
Serão estas “simples” medidas sanitárias e administrativas suficientes para conter a propagação do vírus e a possível contaminação comunitária no nosso país?
É verdade que não tem havido um cumprimento escrupuloso das medidas impostas pelo estado de Emergência, porém, reconheça-se que nos últimos tempos a sociedade vai ficando cada vez mais consciencializada das consequências do vírus e por conta disto vai fazendo um esforço de ao máximo FICAR EM CASA e sair apenas quando estritamente necessário.
Pelo que, entendemos que NÃO É OPORTUNO LEVANTAR O ESTADO DE EMERGÊNCIA e em substituição declarar um estado de Calamidade Pública, pois, neste último não há lugar à tomada de medidas que, embora sacrificadoras, porém, necessárias e fundamentais face às consequências nefastas desta pandemia. É certo que devemos aprender a conviver com a doença, porquanto, as esperanças da vacina para a possível cura e/ou prevenção são ainda tênues. Todavia, não justifica já agora a tal consciencialização, tendo em conta o número de infectados que vai cada vez mais subindo, a saída do tempo mais quente para o mais frio (o que cientificamente determina a maior propagação do vírus), a pouca capacidade de testagem e a contaminação comunitária que vai ficando mais próxima do que se imaginava.
Sendo certo que, o ideal seria prorrogar mais uma vez o estado de Emergência, continuando-se com as medidas constantes no DP nº 128/20, de 8 de Maio, em que aliviaram-se as medidas nas 17 províncias do País, agravando-se as medidas na Província de Luanda por ser até agora o epicentro da doença e testar um número considerável de pessoas expostas ou residentes nas zonas de riscos, como é o caso de uma boa parte da Província epicentro da pandemia e nas cidades capitais das demais províncias a fim de termos a situação minimamente exata da pandemia, só assim é que poderemos avançar com um possível “desconfinamento”, ao contrário, estaremos a agir de modo semelhante ao que dar um tiro no escuro e poderemos colocar em água abaixo tudo o quanto de bom e melhor foi incansavelmente feito até então pelo nosso Executo.