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Breves considerações sobre a tutela jurídica da união de facto no direito Angolano

Alexandre Efraim Tébuca[1] – Cabinda (Angola).

1- Introdução

Com o presente artigo, por um lado, debruçar-nos-emos sobre os conceitos e pressupostos do reconhecimento da união de facto, e, por outro, refletirmos sobre sua proteção no direito angolano. Assim, proceder-se-á a uma análise exaustiva das variadas contingências decursivas do reconhecimento, que incidem no âmbito pessoal ou patrimonial.

Trata-se de uma realidade em maior avivamento no sol pátrio, por existir entre nós mais pessoas a viverem em união de facto do que casadas. Esta situação resulta do facto de duas pessoas (homem e mulher) estabelecerem uma comunhão de mesa, cama e habitação[2]. Gerando, afectos pessoais os quais o direito deve necessariamente conferir uma tutela jurídica.

Considerando a importância do tema, propomo-nos utilizar o modelo descritivo e daremos ênfase ao levantamento bibliográfico, com incidência a livros que tratam sobre o assunto.

2 – União de facto: conceito e pressupostos

a) Conceito

A união de facto é a união voluntária de vida entre um homem e uma mulher, que estabelecem entre elas a comunhão de mesa, cama e habitação[3] (Cfr. Artigo 112.º do Código de Família).

À luz do artigo supracitado, a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas (homem e mulher)  que vivem em condições similares a dos cônjuges há pelo menos três anos. Trata-se, assim, de um vínculo sentimental que une duas pessoas, que tanto pode nascer de noivado como de  alambamento.

b) Pressupostos do seu reconhecimento

São apontados no artigo 113.º do Código de Família os seguintes pressupostos para o devido reconhecimento da união de facto, nomeadamente:

  1. Coabitação marital consecutiva por três anos ininterruptos[4];
  2. Capacidade matrimonial[5];
  3. Singularidade da união[6].

3- Tutela jurídica da união de facto

Apresentada a conceituação de união de facto e dos pressupostos do seu reconhecimento, passemos, à tutela jurídica (que é a condição necessária para efectivação dos direitos provenientes da união de facto, os quais resultam, necessariamente do reconhecimento, seja por mútuo acordo ou por via judicial (Cfr. Art. 115.º e 122.º do Código de Família). Destarte, importa destacar que o reconhecimento da união de facto por mútuo acordo obedece as formalidades constantes do artigo 116.º do Código de Família.

Ora, com o reconhecimento, pode falar-se de uma verdadeira tutela jurídica gerando, com isso, efeitos pessoais e patrimoniais, tal como ocorre no casamento para os condiscípulos da união (Cfr. art.º 119.º do Código de Família). Queremos, com isso, salientar que sem o reconhecimento não se poderá sequer falar de tutela jurídica da união de facto.

Mas de uma relação progenitora de afectos pessoais, em cujos efeitos sejam tutelados pelo direito no nosso ordenamento jurídico, como são os casos de os condiscípulos da união serem trabalhadores, e gozarem juntos, as suas férias, a possibilidade de adoptar crianças, como também a atribuição da nacionalidade ao (à) estrangeiro que vive em união de facto com um (a) nacional.

 Analogamente aos efeitos patrimoniais, destacam-se o direito de partilha de bens comuns adquiridos a título oneroso durante a união, direito à atribuição da residência familiar (Cfr. art.º 75 n.º 4 e 110.º do Código de Família), direito a alimentos nos casos da desagregação da união por morte de um dos condiscípulos da união (Cfr. art.º 260.º 261.º e 262.º n.º 2 do Código de Família). Como também com a morte do condiscípulo/a da união o direito ao subsídio por morte e à pensão de sobrevivência.

Portanto, tendo em conta os casos cinzelados nos artigos supracitados, cremos ser exigível a verificação cumulativa de um conjunto de requisitos, a saber: i) o membro supérstite só podia exigir comeres da herança do membro falecido se este, à data da morte, fosse solteiro[7], viúvo, divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens, tendo em conta que a simples separação de bens não é condição suficiente para o efeito; ii) exige-se que a convivência tivesse durado mais de três anos.

Deste modo, afastar-se-á a concessão de alimentos ao membro supérstite de uma relação fugaz, efémera, atribuindo apenas o direito a alimentos àquelas uniões que tivessem revelado um mínimo de longevidade, estabilidade e aparência conjugal.

4- Considerações Finais

Após a análise documental,  apresentamos, em jeito de conclusão, segundo os itens mais relevantes, tendo em conta a sua acuidade e fortuna. Ei-los:

  1. A união de facto é a união voluntária de vida entre um homem e uma mulher, que instituem entre elas a comunhão de mesa, cama e habitação;
  • A união de facto, a nosso ver, tem, nas últimas décadas, uma saliência assinalável no panorama conjugal, apossando-se cada vez mais, como uma verdadeira alternativa ao casamento, por diversas razões e muitos delas já aludidas supra;
  • São apontados como pressupostos da união de facto, a) coabitação marital e consecutiva de três anos, b)capacidade matrimonial e c) a singularidade;
  • A união de facto tem respaldo constitucional, é uma fonte de relação jurídica familiar que embora sendo uma relação informal, também gera família e como tal meritória de uma proteção jurídica análoga dada ao casamento;
  • A referida proteção é apenas possível quando reconhecida a união de facto quer seja por mútuo acordo ou judicial.

5. Reflexão Crítica do prazo de reconhecimento da união de facto

Pretendemos neste ponto descordar do prazo de três anos estabelecidos pelo legislador para o reconhecimento da união de facto, por julgarmos ser um prazo longo e, atentatório à tutela dos direitos dos condiscípulos da união nos casos em que tenham edificado um património em comum que ficaria luminosamente a mercê da outra parte em caso de ruptura e/ou morte.

Há no entanto quem defenda que aquele prazo é racionável, com apoio de que não quis o legislador que relações fluxíveis fossem equiparadas ao casamento com o seu reconhecimento sem que se observe o prazo de três anos fixado pelo legislador, e para certos casos poder aplicar-se o instituto do enriquecimento sem causa previsto no artigo 473.º do Código Civil, nas situações em que não se tenham completado o prazo de três anos e que o património de um dos condiscípulos tivesse enriquecido injustamente às expensas do empobrecimento do outro, e/ou um dos companheiros tenha enriquecido à custa das posses ou das prestações de serviços por parte do outro, feitos com desígnio de vida em comum.

Mas, ainda assim, somos de opinião que aquele prazo fosse reduzido para dois anos e quiçá mesmo fosse extinguido por ser entre nós a união de facto se ter transmutado num fenómeno de massas.

Veja-se que entre nós, há muito mais pessoas a viver em união de facto do que casadas, por questões de cultura, de tradição e de inexistência do registo civil necessário à legalização ou ainda, por razões económicas, não comparável a outras latitudes como por exemplo ocorre em Portugal.

É irrefutável que o casamento e a união de facto são situações materialmente distintas. Todavia, é facto assente neste entendimento que o tratamento desnivelado analogamente ao casamento, é factualmente infundado e está desproporcionado e atentatório ao princípio da igualdade, ainda que este vise a terapia igual do que é igual e não do que é dissemelhante[8].

5- Referências bibliográficas

CAVALEIRO, Tiago Nuno Pimentel (2015). A União De Facto No Ordenamento Jurídico Português: Análise de alguns aspectos de índole patrimonial, Dissertação de Mestrado, Coimbra;

CAMPOS, Diogo Leite de (2008). Lições de direito da família e das sucessões. 2ª ed. rev. e atual. Coimbra: Almedina;

COELHO, Francisco Pereira & OLIVEIRA, Guilherme De (2003) Curso de Direito da Família Vol. I- Introdução Direito Matrimonial, 3º Ed. Coimbra Editora;

MEDINA, Maria do Carmo, (2013) Direito de Família, 2ª Edição actualizada, Escolar Editora.

Legislação

Constituição da República de Angola

Código da Família.

 Alexandre Tébuca – Cabinda, 15 de Março de 2021


[1] Licenciado em Direito, opção Jurídico-Civil, pela Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto.

[2] Cfr. MEDINA, Maria do Carmo, Direito de Família, 2ª Edição actualizada, Escolar Editora, 2013, p. 347;

[3]Cfr. Artigo 112.º do Código de Família;

[4] Entende-se que viver em coabitação marital (condições análogas a dos cônjuges), pressupõe a comunhão de cama, mesa e habitação, com a criação de laços de interdependência afectiva, social e económica entre companheiros;

[5]É exigida ainda a capacidade matrimonial do homem e da mulher, o que implica que ambos tenham capacidade para contrair casamento em geral e também que entre eles não existam impedimentos dirimentes relativos. Daí que, “torna-se compreensível que esta seja uma condição sine qua non do reconhecimento”, dado os efeitos que a legislação angolana atribui à união de facto serem equiparados ao casamento (artigo 119.º do Código de Família, neste preceito pode ler-se “o reconhecimento da união de facto produz os efeitos da celebração do casamento, com retroactividade à data do início da união, em conformidade com a lei”). “Seria incompatível com matéria imperativa da lei fazer produzir efeitos próprios do casamento à união em que se verificassem causas de incapacidade matrimonial;

[6]Quanto ao requisito da singularidade, talvez seja o mais difícil de apurar dado que o homem angolano, como todo ser humano tem fortes tendências a comportamentos polígamos, existindo até casos em que os homens achem que têm o direito de ser polígamos.

[7]CAVALEIRO, Tiago Nuno Pimentel (2015). A União De Facto No Ordenamento Jurídico Português: Análise de alguns aspectos de índole patrimonial, Dissertação de Mestrado, Coimbra.

[8] CAVALEIRO, Tiago Nuno Pimentel (2015). A União De Facto No Ordenamento Jurídico Português., op. cit.

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