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Associação dos Juízes de Angola repudia alguns artigos da proposta da Revisão Constitucional.

Fonte: Associação dos Juízes de Angola.

NOTA PÚBLICA

A Associação dos Juízes de Angola – AJA, na prossecução do seu objecto estatutário, pugna pela dignificação da justiça, pela independência dos Tribunais, pelo prestígio e confiança no Poder Judicial e pela preservação e consolidação do Estado de Direito, consagrado no art.º 2º da Constituição da República de Angola – CRA.

Ao tomar conhecimento, a 02 de Março de 2021, por via do anúncio do Presidente da República, difundido pelos diferentes órgãos de imprensa nacional e estrangeira, da revisão pontual da CRA, de sua iniciativa, ao que se seguiu a apresentação da proposta detalhada de revisão, em conferência de imprensa e no âmbito das suas responsabilidades estatutárias, a AJA vem manifestar o seguinte:

1- Que, entre outros aspectos e com base no referido anúncio, o Presidente da República referiu que depois de muita ponderação e estudo tomou a iniciativa de uma revisão pontual da CRA e justificou as alterações constantes da proposta, na pretensão de “…preservar a estabilidade dos seus princípios fundamentais, adaptar algumas das suas normas à realidade vigente, mantendo-as ajustadas ao contexto político, social e económico, clarificar os mecanismos de fiscalização política e melhorar o relacionamento entre os órgãos de soberania, bem como corrigir algumas insuficiências.”
Ainda segundo o anúncio do Presidente da República as alterações da CRA que faziam parte da sua iniciativa de revisão, prendiam-se com a necessidade de “preservar a estabilidade nacional e os valores do Estado de Direito Democrático…”, referindo também, o anúncio de revisão, que se pretende, com as alterações, “…ter uma melhor Constituição para que continue a ser o principal instrumento de estruturação da sociedade angolana, capaz de congregar os angolanos em torno de um projecto comum de sociedade de paz, justiça e progresso social.”;

2- Que com preocupação, os Magistrados Judiciais associados à AJA e não só,
tomaram contacto com as alterações ao Capítulo IV, sobre o Poder Judicial,
designadamente as que se pretendem nos art.ºs 176º, 179º, 181º, 182º e 184º da CRA e, despertando todas o interesse da classe e da sociedade, pela gravidade do seu conteúdo, chamam a atenção, em especial, as alterações que a proposta pretende incluir no art.º 176º da CRA, designadamente, a perspectiva de introduzir quatro números novos, ou seja, do n.º 6 a 9, que consubstanciam, na prática, um vergonhoso recuo do Estado de Direito e da Constituição, por visarem uma verdadeira desestruturação do sistema judicial, por via da sua fragmentação e fragilização que de certeza enfraquecerá ainda mais os Tribunais no exercício da função jurisdicional;

3- Que entre os fundamentos da proposta referida, foi apontada, como tendo a finalidade de “aclarar o conceito de “soberania” representativa do poder judicial, face aos demais poderes de soberania (Legislativo e Executivo) e à sociedade e tornar claro que os juízes de primeira e segunda instância não são órgãos representativos da soberania do poder judicial, não podendo invocar o estatuto de “poder de soberania” na relação com as instituições dos outros órgãos de soberania (Legislativo e Executivo) e com a sociedade em geral”, referindo também a proposta que face ao especial simbolismo das decisões judiciais e dos tribunais constituídos para apreciar e proferir decisões judiciais, propõe-se para os juízes, singularmente considerados, e para os tribunais colectivamente organizados, que o poder de soberania do Poder Judicial seja exercido pelas audiências de julgamento e pelas decisões judiciais que, em nome do povo, cada juiz profere e só nesse acto e que fora desse acto, os juízes de primeira e segunda instância não se constituem em “órgão de soberania”;

4- Que a AJA considera as alterações apontadas no art.º 176º, n.º 6 a 9, e seus
fundamentos bastante perniciosos, pois atentam contra princípios e normas
constitucionais elementares e estruturantes do Poder Judicial, à luz da CRA
vigente e tratados internacionais que o Estado Angolano ratificou, mostrando-se desalinhados com o teor de normas vigentes e que, em princípio, não serão alteradas e prestam-se à confusão de conceitos, pois os fundamentos referem-se aos juízes como órgãos de soberania, quando nos termos do art.º 174º, n.º 1, da CRA, os Tribunais são órgãos de soberania e os Juízes são titulares destes órgãos de soberania, sendo o poder jurisdicional difundido pelos vários juízes concretamente considerados, à luz de um dos princípios do Poder Judicial, o da polarização individual do poder judiciário, pois como refere alguma doutrina dominante, “os Tribunais são um complexo de órgãos de soberania”;

5- A inquietude AJA, relativamente à proposta de revisão da CRA, acentuou-se com a informação segundo a qual, a Assembleia Nacional agendou a discussão da proposta para o dia 18 de Março de 2021, portanto, decorridos 16 dias do anúncio da revisão e, perante o rumo e velocidade que o processo de revisão tomou, é de temer que a intenção do Presidente da República, expressa no anúncio de revisão, segundo a qual com as alterações da proposta se pretendia ter uma melhor Constituição para que continue a ser o principal instrumento de estruturação da sociedade angolana, fica ameaçada, uma vez que não só não foi feita auscultação
aos Juízes, como também, perante o agendamento da sua discussão, a proposta pode se consolidar mais rapidamente, e fechar-se às necessárias contribuições dos diversos actores sociais, essa que seria a única forma de se congregar os angolanos em torno de um projecto comum de sociedade de paz, justiça e progresso social, como referiu o Presidente da República.

Assim, perante o que ficou referido supra e depois do Encontro Alargado de
Juízes de Angola – EAJA, promovido pela AJA e realizado a 11 de Março de 2021, por videoconferência, os Magistrados Judiciais da 1ª e 2ª Instância, associados e não associados, dos diferentes tribunais do país, participantes do encontro, deliberaram tornar público:

a) Que denunciam e repudiam, com veemência, o conteúdo das alterações
constantes do art.º 176º, n.ºs 6 a 9, da proposta de revisão da CRA, não só por representarem um claro recuo na consolidação do Estado de Direito, mas também por constituírem um ataque aos Tribunais, fragmentando-os e os fragilizando, na sua função constitucional de administrar a justiça em nome do povo;

b) Que criam um grupo de trabalho, integrado por juízes, que em nome e em representação dos participantes do encontro, no superior interesse dos
Tribunais, do Poder Judicial e do Estado de Direito, deverá compilar e
trabalhar nas contribuições à proposta, que por um lado evitem recuos aos
ganhos alcançados no fortalecimento e credibilidade nos Tribunais e,
simultaneamente, concorram para uma verdadeira consolidação do Estado de Direito em Angola, contribuições que serão oportunamente apresentadas à Assembleia Nacional, ao Presidente da República e ao Conselho Superior da Magistratura Judicial;

c) Que vão desencadear um conjunto de acções destinadas a manter claro e
conhecido, para a sociedade angolana e não só, o posicionamento dos
Magistrados Judiciais associados à AJA e demais participantes do EAJA, na
defesa dos Tribunais e da Justiça e tornar conhecidas as possíveis
consequências negativas que a adopção das alterações da proposta, pode provocar, actuações que serão tornadas públicas em conferência de imprensa a ser realizada oportunamente.

Associação dos Juízes de Angola – AJA, em Luanda, 16 de Março de 2021.

O PRESIDENTE

ADALBERTO J.M. GONÇALVES

Vide abaixo a Nota Pública posta a circular nas redes sociais:

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