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Análise crítica da “nova” lei dos contratos públicos perante a satisfação das necessidades colectivas

ANÁLISE CRÍTICA DA “NOVA” LEI DOS CONTRATOS PÚBLICOS PERANTE A SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES COLECTIVAS:  Necessidade de um regime jurídico sobre a responsabilidade extracontratual das entidades públicas e privadas

Onésimo Victor[1]

Nota introdutória: O presente artigo de opinião reflecte o meu posicionamento no debate académico na semana jurídica do IMETRO sob tema: O Impacto Da Nova Lei Dos Contratos Públicos Perante A Satisfação Das Necessidades Colectivas: Responsabilização Civil do Estado por Danos Cometidos por Omissão no Exercício das suas Funções. O evento foi realizado pela Coordenação do Curso de Direito do DCH e do Núcleo de Estudantes do curso de Direito (NEDIMETRO), no dia 18 de Maio de 2021, no auditório 5, às 18h:00.

Enquadramento

Ora, para início de conversa, venho advogando de que, desde a entrada em vigor em Angola da Lei dos Contratos Públicos, não estamos diante de uma nova lei (trata-se de qualquer coisa menos uma nova lei) e que não existe em Angola um regime jurídico de responsabilização civil extracontratual por omissão da Administração Pública.

A minha abordagem vai cingir-se em dois pontos: 1. Uma Análise Crítica da Lei dos Contratos Públicos. 2. Necessidade ou desnecessidade de um regime jurídico de responsabilidade civil extracontratual por omissão da Administração Pública no Ordenamento Jurídico Angolano.

Farei duas questões: (1) Quem já teve contacto com esta lei e já teve oportunidade estudá-la? (2) Quem já ouviu ou mesmo intentou uma acção de responsabilidade extracontratual por omissão contra o Estado no exercício das funções administrativas (ou seja, por falta de má sinalização dos sinais nas estradas, mal funcionamento dos serviços ou falta serviços públicos)?

1. Uma Análise Crítica da Lei dos Contratos Públicos

O que são contratos públicos? Razão de ser?

Ora, é mais do que evidente que os meios próprios da Administração Pública são insuficientes para dar respostas pontuais e satisfatórias as diversas necessidades colectivas. Desta feita, convoca os particulares para colaborarem na prossecução dos interesses públicos. Sendo assim, os contratos públicos são contratos, regulados pelas normas do Direito Administrativo, estabelecidos entre a Administração Pública e o particular (pessoa individual ou colectiva) a fim de realizar um interesse público.

História das leis dos contratos públicos?

Em Angola, já existiu três diplomas a regulamentar os contratos públicos. Assim, a colaboração entre a Administração Pública e o particular começou efectivamente em 2010, com aprovação da Lei n.º 20/10, de 7 de Dezembro, designada como Lei da Contratação Pública.

O referido diploma, no seu preâmbulo diz sobre as razões que levou o legislador ordinário para sua elaboração. Entre as quais:

  • Adequar a contratação pública com os princípios consagrados na Constituição;
  • (Uniformizar ou submeter num modelo único as várias formas de contratos públicos.

Três anos depois, surgiu a Lei n.º 03/13, de 17 Abril), designamos como lei intermediária, com o objectivo revogar parcialmente alguns artigos, ou seja, de fazer uma alteração pontual. Por exemplo, permitiu que o Titular do Poder Executivo criasse e designasse os serviços técnicos e especializados (daí surgiu o SNCP- Serviço Nacional de Contratação Pública por intermédio do Decreto Presidencial n.º 162/15, de 19 de Agosto). Estamos diante de uma revogação parcial ou derrogação, mas nunca diante uma nova lei.

O segundo novo diploma surgiu em 2016, a Lei n.º 9/16, de 16 Junho, passou a designar-se Lei dos Contratos Públicos. O legislador ordinário entendeu revogar totalmente a Lei da Contratação Pública (Lei n.º 20/10, de 7 de Dezembro).

Os motivos mais salientes que tiveram na base, segundo o preâmbulo deste novo diploma, são os seguintes: 

  • Admitiu que a revisão deve ser mais abrangente;
  • Criou-se a ideia de termos um procedimento contratual mais simplificado e modernizado, daí que o legislador consagrou expressamente o procedimento de contratação simplificada nos contratos de valores mais reduzidos.
  • Uniformizou na prática as várias tipologia de contratação pública, deixando de privilegiar os contratos de empreitada. Portanto, o legislador ordinário resolveu várias lacunas que existia nos contratos públicos de aquisição de bens e serviços.

O terceiro diploma entra vigor no dia 22 Janeiro de 2021, na ordem jurídica angolana, uma “nova” Lei dos Contratos Públicos (Lei n.º 41/20, de 23 de Dezembro). Porém, não perfilharmos de que se trata de uma “nova lei”.

Se olharrmos os factores que estiveram na base da sua elaboração, perceber-se-á de que não estamos diante de uma “nova lei”. São as seguintes razões:

  • Eliminar as dificuldades de abertura e condução dos procedimentos concursais para execução de empreitadas e aquisição de bens e serviços;
  • Assegurar a promoção dos princípios típicos de gestão dos contratos públicos;

No primeiro motivo, o legislador ordinário quer simplificar ou dar celeridade dos actos procedimentais dos contratos públicos através da introdução de procedimentos dinâmico e electrónicos e do procedimento de contratação emergencial. Mas, este assunto de simplificação não é nova matéria, ou seja, é um não-assunto.

Pois, a primeira legislação revogada em 2013, bem como a segunda lei revogada em 2016, como vimos, já se referiam em criar um procedimento simplificado e modernizado, isto é, com o recurso as novas tecnologias em matéria de contratação pública.

Agora, como aceitar que estamos diante de uma “nova lei”? É incoerente o discurso de querer adjectivar esta lei como “nova”. Portanto, não quero acreditar nesta nomenclatura.

No segundo motivo, o legislador ordinário pretende: assegurar a promoção dos princípios típicos de gestão dos contratos públicos. Desta feita, o legislador ordinário descreveu os tais princípios no artigo 3.º. Porém, a maioria dos princípios já estavam previstos nos diplomas anteriores.

O que podemos destacar entre os princípios, o que mais nos interessa, é o princípio da sustentabilidade e da responsabilidade. Ora, é aqui em que encontramos o problema que é o seguinte: o legislador ordinário não conceituou os princípios estabelecidos no artigo supra citado. Pois, se assim o fizesse teríamos a oportunidade de termos o conceito do princípio da sustentabilidade e da responsabilidade.

Não fazendo, o legislador criou algumas pulgas nas orelhas, pois temos duas palavras polissémicas ou com vários significados que são: Sustentabilidade vs Responsabilidade.

Que tipo de sustentabilidade o legislador refere-se? Pois, desde a década de 70 até hoje não existe um consenso em termos de conceito[2].

Que tipo de responsabilidade o legislador refere-se? Responsabilidade contratual ou extracontratual? É uma responsabilidade de natureza civil regulada pelo direito civil ou regulada pelo direito administrativo?

Estas últimas questões são importantes porque permite compreender se o legislador ordinário pretende concretizar a norma constitucional prevista no artigo 75.º da CRA (Constituição República de Angola), cuja epígrafe “Responsabilidade do Estado e de outras Pessoas Colectivas Públicas”.

Posto isto, estamos em condições de passarmos para o próximo ponto.

2. Necessidade ou desnecessidade de um regime jurídico de responsabilidade civil extracontratual da Admnistração Pública no Ordenamento Jurídico Angolano

Diferente da responsabilidade civil contratual que assenta na falta do cumprimentos das obrigações contratuais (tal como consagra o artigo 798.º, do Código Civil (CC)). A Reponsabilidade Civil Extra-Contratual consiste na violação de deveres de condutas impostos a todas as pessoas e que correspondem aos direitos absolutos ou até mesmo na prática de certos actos quem embora lícitos, produzem danos a outrem. (Mário Júlio Costa, in Direito das Obrigações, pg. 540).

Responsabilidade civil extra-contratual  como resultado da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem (João Varela.  Das Obrigações em Geral, vol. I). Esta consagração está prevista no n.º 1, do artigo 483.º do CC.

Desta feita, quando nos referimos sobre a Responsasbilidade Extra-contratual por omissões são aquelas circunstâncias em que a lei determina certo comportamento a uma ou várias pessoas para evitar efeitos danosos, porém estes nada fazem. Assim sendo, esta passividade dará lugar a obrigação de reparar os danos (nos dizeres do artigo 486.º do CC).

Agora, o quê que diz o ordenamento jurídico angolano sobre a responsabilidade civil exta-contratual do Estado e das demais pessoas colectivas públicas?

Fugindo da intrepretação intra-sistemática do nosso ordenamento jurídico, para melhor compreensão olharemos o contexto jurídico-histórico sobre o instituto em análise.

Em sede do artigo 501.º Código Civil (1966). Que estabelece o seguinte: “O Estado e demais pessoas colectivas públicas, quando haja danos causados a terceiros pelos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de gestão privada, respondem civilmente por esses danos nos termos em que os comitentes respondem pelos danos causados pelos seus comissários”.

Da norma supra mencionada, as pessoas colectivas públicas são responsáveis apenas no âmbito de gestão privada (estamos de acordo). Porém, como sabemos, a Administração Pública pode actuar no âmbito de gestão pública (quando está revestida de poder de autoridade) e gestão privada (quando esteja despido de poder de autoridade, ou seja, relacionando-se com o particular no mesmo pé de igualdade).

Perante este dilema, o legislador constitucional veio dar mais robustez neste assunto ao consagrar na Constituição República de Angola (CRA) de 2010, no seu n.º 1, do artigo 75.º, cujo epígrafe: “Responsabilidade do Estado e de outras pessoas colectivas públicas”. O legislador constitucional estabeleceu o seguinte: o Estado e outras pessoas colectivas públicas são solidária e civilmente responsáveis por acções ou omissões praticadas pelos seus órgãos, respectivos titulares, agentes e funcionários no  exercício das funções legislativa, jurisdicional e administrativa, ou por causa delas, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o titular destes ou para terceiros.

A partir deste momento o Estado e demais pessoas colectivas públicas passaram ser responsáveis no âmbito da gestão privada, assim como na gestão pública.

Da leitura do disposto legal, temos uma resposta positiva de que é possível accionar o mecanismo de responsabilidade civil extra-contratual contra o Estado e demais pessoas colectivas. Todavia, o legislador constitucional cria-nos aqui uma pedra no sapato.

Analisando o disposto do artigo 75.º da CRA, quando diz que: (…) as pessoas colectivas públicas são solidaria e civilmente responsáveis no exercício das funções administrativas (…). Não queremos acreditar que o legislador constitucional esqueceu-se de que as pessoas colectivas privadas também exercem funções administrativas (por exemplo, nos contratos administrativos para construção de estradas, escolas, exploração de petróleo, produção e distribuição de energia e água, telecomunicações, etc.).

Como o pacto cidadão poderá responsabilizar essas pessoas colectivas privadas no âmbito do exercício de funções administrativas devido a má sinalização durante a construção de estradas, pontes ou outras obras, que por causa disso foi a principal causa de acidente de viação?            

Conclusão

Em suma, não corroboro da ideia de existir uma “nova” lei dos contratos públicos, pois a razão da sua alteração que foi feita dá-nos evidências de que estamos diante de uma revogação parcial. E mais, impõe-se o esclarecimento sobre o princípio da sustentabilidade e responsabilidade, pois não se sabe qual é o real sentido e alcance deste princípio.

Sendo assim, não basta a consagração do artigo 76.º CRA sobre a responsabilidade civil do Estado, mas sim é necessário a criação de um regime substantivo sobre a responsabilidade extracontratual das entidades públicas e privadas no exercício das funções administrativas.

Se eventual surgir um regime jurídico sobre a responsabilidade extra-contratual, naturalmente, poderá esclarecer estás questões ou dúvidas apresentadas.

O meu muito obrigado!

Sobre o autor:

Onésimo Amarildo Afonso VICTOR

• Advogado Estagiário da firma de advogados Neto Armando.

• Mestrando em Ciências Jurídico-políticas na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto (FDUAN).

• Licenciado em Direito no Instituto Superior Politécnico Metropolitano em Angola (IMETRO)

• Formador no módulo Procedimento Administrativo na Academia Venâncio de Moura (ex-Instituto Superior das Relações Internacionais de Angola).


[1] Jurista, Licenciado em Direito no Curso de Direito do Instituto Superior Politécnico Metropolitano de Angola (IMETRO); Advogado Estagiário.

[2] FEIL, Alexandre André. Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: desvendando as sobreposições e alcances de seus significados. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/cebape/v15n3/1679-3951-cebape-15-03-00667.pdf . Ver também: TEODORO, Pacelli Henrique Martins. O paradigma do desenvolvimento e a polissemia da sustentabilidade*. Disponível em: http://www.sustentabilidades.usach.cl/sites/sustentable/files/paginas/05-05.pdf

Este post tem um comentário

  1. ELGANO RIBEIRO

    Parabenizar o ilustre doutor por esse exercício, essa análise minuciosa, acerca da temática em questão. Parece-me que as leis aqui em Angola são feitas no sentido decorativo, pois, na prática não se vislumbra à sua efectividade.
    Daí o nosso Estado Democrático e de Direito ser frágil, os órgãos do Estado dificilmente são responsabilizados, por infracções cometidas contra os cidadãos, ou outros entes privados.
    Precisamos mudar essa tendência.
    Bem-haja ilustre doutor por nos despertar desses vícios recorrentes do Estado.

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