Isaías Nicodemos
No pretérito dia 11 de Fevereiro, entrou em vigor o novo Código Penal angolano, que veio substituir o anterior Código Penal de 1886. Muitas inovações foram introduzidas por este novo diploma, e cá, por hoje, trazemos para análise a questão que tem haver com a “Agressão Sexual”, definida no Artigo 181 alínea b, como ” todo o acto sexual realizado por meio de ameaça, coação, violência, ou colocação da vítima em situação de não poder resistir”. O Artigo 182 n/ 1, diz: “quem praticar agressão sexual contra outra pessoa, ainda que esta seja cônjuge do agente, é punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos”. Esta disposição, no que concerne aos cônjuges, será eficaz? Não cairá em desuso como o que “acontece(u)” com o adultério? Não meterá em causa o fundamento para a subsistência do casamento, mormente a união íntima conjugal?
Certa parte da doutrina, aqui representada pelo Jurista Adriano Munjanga, defende que a questão da livre disposição para a prática sexual deveria ser excluída para àqueles que encontram-se unidos pelo casamento ou união de facto, isto é, desde o momento em que alguém aceita casar-se ou unir-se a outrem, tem, ou deveria ter, a noção de que ” o seu corpo não lhe pertence, mas ao seu parceiro e daquele o seu”, e, mais, a quebra da relação íntima, entendamos” coito”, pode ser usada como pressuposto para o pedido de divórcio, facto que demonstra que a relação sexual é uma das bases que sustentam o casamento. Sem esta é ilusório falar-se de casamento. Acrescenta ainda que ao punirmos um indivíduo por ter obrigado o seu parceiro a manter o coito, estaremos a ocidentalizar as nossas bases tradicionais, o que é um atentado grave a nossa cultura e origens.
Outra tese, de que sou apoiante, defende que não devemos levar a extremo a questão da relação sexual como pressuposto importante para a consistência do casamento. Admitamos que esta fornece grandes bases para a harmonia marital e familiar no geral, mas ao admitirmos que o marido obrigue a sua esposa a manter o contacto íntimo, cairíamos numa grave violação da dignidade da pessoa humana. E não só, é necessário que olhemos para a ordem jurídica como um todo lógico. É então, logicamente interpretado, o que dispõe ” o princípio da unidade da ordem jurídica”.
Que interesses são transversais a toda a ordem jurídica? Autonomia da vontade(liberdade), justiça, segurança física… etc. Neste contexto, nota-se que um Estado, independentemente da forma constitucional que assuma, não romperia com uma zona tão essencial ao indivíduo.
Todo e qualquer indivíduo goza do direito de não ser obrigado a manter um contacto sexual com outrem, é o que se chama de direito a liberdade negativa, constitucionalmente acautelado. Não negamos que durante muito tempo, e por influência do direito costumeiro, a questão da ilimitabilidade e ou da irrestringíveldade da relação íntima foi vista como mecanismo para prevenir o rompimento do casamento e quiçá para a salvaguarda do respeito marital. O legislador parece ter se esquecido desta zona.
Há ainda grande influência e ou prevalência do direito costumeiro sobre o direito positivo em boa parte do território angolano. Reflexos que não se devem esquecer. Assim, atendendo a grande importância que a relação íntima conjugal tem e como forma de evitar abusos a ela conectados, seria já necessário que o legislador estabelecesse um critério mediador entre a vontade do cônjuge que nega estabelecer uma relação íntima com outrem e a salvaguarda desta para a harmonia conjugal.
Noutras palavras, que fundamentos legitimam um dos cônjuges a negar ao outro tal satisfação? Qual é a intensidade da “agressão” que deve considerar-se para efeitos de agressão sexual ao cônjuge? Como acautelar uma possível denegação dolosa por parte do cônjuge nesta condição? São, entre outras, temáticas a que a doutrina e a jurisprudência deverão debater-se.
” Isaías Nicodemos”