Por: Ezequiel Esmael Geremias
1. Nota prévia
Um apelo à calma e serenidade vale ressaltar neste intróito, no sentido de que, não obstante a sugestão do tema, não é nossa ideia mergulhar no «não problema» que envolve a Polícia Nacional e o Conselho Superior da Magistratura Judicial, enquanto órgão competente na gestão e disciplina da Magistratura Judicial (art. 184º da CRA), dando conta de um juiz de direito do tribunal do Namibe. Pretende-se, fundamentalmente analisar actuação da PN em momento de excepção constitucional, de modo a aferir os limites à que aquela actuação está adstrita.
Sabe-se que o Estado angolano vive desde o dia 27 de Março do corrente ano, pela primeira vez um momento de excepção constitucional na sequência do decretamento do Estado de Emergência declarado nos termos do Decreto Presidencial nº 81/20, de 25 de Março prorrogado pelo Decreto Presidencial nº 97/20, de 9 de Abril e 120/20, de 24 de Abril respectivamente, cujas medidas foram aprovadas pelo Decreto Presidencial nº
82/20, de 26 de Março.
Estado de excepção (também designado de estado de anormalidade constitucional, defesa da constituição, defesa da República, suspensão das garantias individuais, defesa de segurança e ordem pública, protecção extraordinária) refere-se à previsão e delimitação normativo-constitucional de instituições e medidas necessárias para a defesa
da ordem constitucional em caso de situação de anormalidade na Constituição, exigindo o recurso a meios excepcionais (José Joaquim Gomes CANOTILHO). Este regime de excepção não significa suspensão da Constituição (vide o art. 58º, nº5 da CRA, a contrario sensu) ou exclusão da Constituição, mas sim um regime extraordinário incorporado na Constituição e válido para situações de anormalidade constitucional.
Do ponto de vista histórico, a constitucionalização do direito de necessidade é um pedaço da história do constitucionalismo do séc. XIX. Todavia, a ideia do direito de necessidade não surgiu apenas com o constitucionalismo nem é exclusiva do direito constitucional. Por outro lado, desde o antigo direito romano que se fala em jus extremae necessitatis e em salus rei publica suprema lex esto para expressar a existência de um direito de excepção nos casos de crise do Estado, e das colectividades organizadas (res publica).
Por outro lado, o direito de necessidade constitucional encontra expressões paralelas no âmbito do Direito Internacional Público (estado de guerra), do Direito Penal (legítima defesa), do Direito Civil (legítima defesa e direito de resistência) e do Direito Administrativo (estado de necessidade administrativa). A positivação do estado de excepção no Direito Constitucional angolano estreia-se nas três figuras dos designados estados de necessidade constitucional: os estados de guerra, de sítio e de emergência (vide art. 58º, 119º, 164º al. k), 161º al. i), 162º al. c), 204º e 238º).
Em suma, refere-se a momentos excepcionais que exigem tomada de decisões também excepcionais, com vista a dar cobro a situação de calamidade pública que tenha estado na base do decretamento do estado de anormalidade em causa. Nestes termos, a polícia tem a obrigação de dar a sua mão a palmatória no sentido de garantir e salvaguardar a ordem e tranquilidade pública (constitucional) essencial e necessária, devendo actuar com meios legais a que está habilitado por lei a fazer recurso. No entanto, a questão que se coloca consiste em saber se à polícia compete actuar de todas as formas possíveis ou se estará antes adstrito a alguns limites, ou seja, pretende-se saber, QUAIS LIMITES CONDICIONAM A ACTUAÇÃO DA POLÍCIA EM MOMENTOS DE EXCEPÇÃO CONSTITUCIONAL?
2. Aspectos jurídico-gerais e dogmáticos sobre a Polícia.
De acordo com Marcelo CAETANO podemos definir a Polícia (em sentido objectivo ou material) como o modo de actuar de autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir.
Em sentido subjectivo ou orgânico, de acordo com o art. 2º da Lei de Bases sobre a Organização e Funcionamento da Polícia Nacional, adiante LBOFPN nº 6/20, de 24 de Março, trata-se de uma instituição nacional, policial, permanente, regular e apartidária, organizada na base da hierarquia e da disciplina, incumbida da protecção e asseguramento policial do País, no estrito respeito pela Constituição e a lei, bem como pelas convenções
internacionais de que Angola seja parte.
Com efeito, a polícia é um modo de actividade administrativa, excluindo-se do conceito as decisões judiciais que decretem providências cautelares, medidas de segurança e outras. É actuação da autoridade, pois pressupõe o exercício de um poder condicionante de actividades alheias, garantido pela coação sob a forma característica da Administração. É uma intervenção no exercício de actividades individuais, pois, pressupõe a existência de normas de conduta dos particulares e a possibilidade da sua violação por estes.