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A PROBLEMÁTICA DO OBJECTO SOCIAL ALARGADO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS EM ANGOLA

A PROBLEMÁTICA DO OBJECTO SOCIAL ALARGADO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS EM ANGOLA[1]

THE PROBLEM OF THE EXTENDED CORPORATE PURPOSE OF COMMERCIAL COMPANIES IN ANGOLA

Kennedy BENGUELA*[2]

*Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola. Colaborador do Centro de Direitos Humanos e Cidadania da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Sociedades comerciais: pessoas colectivas e comerciantes; 2. O contrato de sociedade; 3. A capacidade jurídica das sociedades comerciais e o objecto social; 4. O princípio da livre iniciativa económica vs objecto social alargado. Conclusão e recomendações. Referências bibliográficas.

Nota Prévia

O presente artigo é de nossa autoria enquanto estudante do 5º Ano do Curso Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola, a propósito do concurso do prémio de investigação de Direito Privado da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola, nossa alter mater. Para tal, procurámos desafiar-nos elegendo um tema de Direito das Sociedades Comerciais, cuja a abordagem fosse oportuna e pertinente e do qual resultasse numa singela, mas verdadeira e digna, contribuição científica para a doutrina do Direito Societário angolano.

Desse jeito, queremos louvar ao departamento de ciências jurídico-privadas pela iniciativa, que esperamos que possa lograr sucesso e encontrar sustento pelos anos que se seguem.

Agradecemos à Professora Dra. Naleth Sandrine, nossa orientadora, pela disponibilidade académica para orientar-nos de forma directa nessa odisseia de investigação científica, para que tivéssemos o mínimo de rigor científico necessário para apresentar o referido artigo. Assim como aos meus colegas (G16) e amigos que nos incentivaram ao desafio.

Bem-haja, FDUCAN!

RESUMO

Com o presente artigo pretendemos questionar se o facto de as sociedades comerciais reservarem nos seus objectos sociais uma pluralidade ilimitada ou às vezes indefinida de actividades económicas-comercias não desvirtuaria o sentido doutrinal e legal do mesmo.   Com recurso ao método de revisão bibliográfica (da doutrina e análise dos dispositivos legais), discorremos sobre as sociedades comerciais angolanas e sobre os seus estatutos, especificamente sobre o objecto social que manifestam uma abrangência excessiva de actividades, como verificamos em muitos casos, levando assim a falta de determinação do “core business” da sociedade em causa. Que por sua vez pode conduzir ou suscitar problemas jurídicos relevantes que devem ser prevenidos.

PalavrasChaves: Capacidade Jurídica; Contrato de Sociedade; Objecto Social; Pessoa Colectiva; Sociedades Comerciais.

ABSTRACT

With this article we aim to question if the fact that commercial companies reserve in their corporate objects an unlimited or sometimes undefined plurality of economic- commercial activities would not distort its doctrinal and legal meaning. Using bibliographic review method (doctrine and analysis of legal provisions), we will discuss about angolan commercial companies and their statutes, mainly about the corporate purpose that manifest an excessive range of activities, as we verified in many cases, thus the lack of determination of the “core business” of the company in question. Which in turn can lead to or raise relevant legal problems that must be prevented.

Key-Words: Legal capacity; Articles of Association; Corporate Object; Legal Person; Commercial Companies.

Introdução

O trabalho ora proposto com o tema: ‘‘A problemática do objecto social alargado das sociedades comerciais em Angola’’, incidirá, sobre o objecto social das sociedades comercias na nossa realidade jurídica, especificamente na questão da ‘‘extensividade’’ do mesmo, verificada nos contratos de sociedades comerciais que, em muitos casos (senão em todos), são como ‘‘sacos sem fundo’’, cabendo toda e qualquer actividade comercial, como procuraremos demonstrar durante o presente artigo. Questão que para certa doutrina moderna levanta alguns problemas de ordem prática que serão aqui apresentados.

O trabalho desenvolver-se-á sobre o objecto social como um conceito jurídico oriundo da construção artificial da personalidade jurídico-colectiva adaptado ao direito societário, “limitador” da capacidade jurídica das sociedades comerciais, decorrente da estipulação  livre dos sócios em virtude do contrato social, no âmbito da autonomia privada que o Direito lhes assiste, para assim percebermos a importância da identificação precisa e determinada do escopo social, ou seja, das actividades comerciais levadas a cabo pelas sociedades comerciais.

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Créditos: Jooinn
  1. Sociedades Comerciais: pessoas colectivas[3] comerciantes

O Direito Comercial (Ius Mercatorum) é julgado desde a sua nascença, na Idade Média, como sendo de carácter subjectivista[4], pois esteve sempre associado não propriamente aos actos ou actividades que deveriam ser objecto de sua regulação, mas aos próprios comerciantes. Quer dizer, sempre foi um direito aplicado às relações dos comerciantes com outras pessoas (comerciantes ou não), em virtude da qualidade de comerciante que gozavam.

A priori, a qualidade de comerciante era reservada às pessoas singulares (humanas), os designados comerciantes em nome individual, porém a evolução económica e tecnológica, inerente ao desenvolvimento comercial capitalista do século XIX, fez erigir outros entes, criados pelo direito, para prosseguir os fins comerciais com autonomia jurídica e patrimonial em relação às pessoas humanas, as sociedades comerciais. Que na actualidade representam a estrutura jurídica típica das empresas na economia de mercado[5].

Nos termos do n. ºs 1 e 2, do art.º 13.º do Código Comercial Angolano (doravante designado apenas C. Com) são comerciantes, para além dos comerciantes em nome individual, as sociedades comerciantes. Pelo que se verifica da norma em causa, a mesma não define o que são sociedades comerciais propriamente dita, faz tão somente referência às duas categorias de comerciantes existentes: as pessoas singulares comerciantes e as pessoas colectivas comerciantes (que são as sociedades comerciais).

Já a Lei das Sociedades Comerciais[6] (doravante apenas designado por LSC) no seu art.º 1.º, nº 2, estabelece que, as sociedades comerciais ‘‘são aquelas que têm por objecto a prática de actos de comércio e se constituem nos termos da presente lei’’. Todavia, como afirma PUPO CORREIA, a norma acima mencionada ‘‘(…) apenas refere quais os requisitos para que uma sociedade se considere comercial (objecto comercial e tipo comercial), mas não nos diz o que é uma sociedade.’’[7], ou seja, também não define verdadeiramente a sociedade comercial, limita-se, entretanto, a determinar os requisitos que a mesma[8] deve reunir para ser considerada comercial:

  1. Objecto Comercial: prática de actos de comércio/actividade comercial[9];
    1. Tipo/Forma Comercial: adopção de um dos tipos caracterizados e disciplinados pela lei comercial[10].

Isso significa que as sociedades comerciais são, num primeiro momento, simples sociedades nos termos do art.º 980.º do Código Civil (doravante designado apenas por C.C), que adoptam, por um lado, como objecto o desenvolvimento de determinada(s) actividade(s) económica(s) lucrativa (s) e, por outro, um dos tipos societários previstos no art º. 2. º da LSC. Entretanto, não é suficiente para que as mesmas possam ser um centro de imputação de efeitos jurídicos, ou seja, serem munidas de personalidade jurídica colectiva.

É ainda necessário para a assunção da qualidade a que nos referimos supra a verificação de um conjunto de requisitos estabelecidos por lei, como o registo (definitivo) do contrato de sociedade que as constitui, como dispõe o art.º 5.º da LSC.

Em termos práticos esse processo pode ser menos moroso ou dispendioso, diríamos light, se os interessados na constituição da sociedade comercial recorressem, como é costume no caso das micro, pequenas e médias empresas, ao serviço integrado de constituição de ‘‘empresas na hora’’ do GUE (Guiché Único das Empresas)[11].

  • O Contrato de Sociedade[12]

Nos termos do art.º 980.º do CC, o contrato de sociedade: ‘‘é aquele que em duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade’’.

Continue a ler no documento abaixo:


[1] Artigo JuLaw n.º 001/2022 (p. 01 – 17), publicado em http://julaw.ao/a-problematica-do-objecto-social-alargado-das-sociedades-comerciais-em-angola/ , aos 07/01/2022.

[2] Conta JuLaw: http://julaw.ao/user/kennedy+benguela/ .

[3] Pessoas colectivas são colectividades de pessoas ou complexos patrimoniais organizados em vista de um fim comum ou colectivo a que o ordenamento jurídico atribui a qualidade de sujeito de direitos. Cfr. BURITY DA SILVA, Alberto B., (2015), Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição, p. 312. No sentido da personalização das sociedades comerciais, Cfr. CORDEIRO, Menezes, (2009), Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coimbra, Almedina, p. 83 ss. Apresentando os antecedes históricos da consideração das sociedades como pessoas colectivas e suas consequências práticas. Assim como concepção actual que se tem no direito alemão e italiano, que passaram restringir essa qualidade às sociedades de capitais apenas- as sociedades anónimas e de quotas- e não às sociedades de pessoas (em nome colectivo e comandita).

[4] Cfr. PUPO CORREIA, Miguel J., et al., (2018), Direito Comercial, Direito da Empresa, Coimbra, Coimbra Editora, 11ª Edição, p. 26 e ss. É nesse contexto que surge o conceito de actos de comércio subjectivos: aqueles que adquirem a natureza de comercial em virtude da qualidade de quem os pratica (o comerciante).

[5] Neste sentido ALMEIDA, António Pereira, (2010), Direito das Sociedades Comercias, Coimbra Editora, Coimbra, p.11.

[6] Lei nº 1/04, de 13 de Fevereiro (publicada em Diário da República I Série, n.º 13).

[7] Cfr. PUPO CORREIA, Miguel, Op. cit., p. 116

[8] Como mais adiante aprofundaremos, quando estivermos a nos debruçar sobre o contrato de sociedade, o género ‘’sociedade’’ comportam duas espécies: sociedades civis e sociedades comerciais. Sobre a diferença entre estas vide de forma sintética e esclarecedora DUARTE, Rui Pinto, (2008), Escritos sobre Direito das  Sociedades, Coimbra Editora, p. 23-25.

[9] Actos de comércio previstos no Código Comercial (angolano), por exemplo os descritos nos: arts. 2.º, 230.º, 362.º, 366.º, 425.º e outros, todos do C. Com, ou ainda dentro do quadro da Classificação das Actividades Económicas de Angola (CAE-REV2- 2016). Quer dizer, tratam-se de um conjunto de actividades económicas que se destinam à produção e distribuição de bens e prestação de serviços, a título oneroso e com finalidade lucrativa.

[10] Ou seja, elas estão sujeitas ao numerus clausus dos tipos societários apresentados pelo nº1 do art.º 2.º da LSC: a) Sociedades em colectivo; b) Sociedade por quotas; c) Sociedades anónimas; d) Sociedades em comandita simples, e e) sociedades em comandita por acções.

[11] Regime composto por cinco (5) passos essenciais: desde o preenchimento do formulário de pedido de Certificado De Admissibilidade De Denominação Social- com o pagamento da quantia exigida-; elaboração do Estatuto Jurídico, Cadastramento na AGT, INSS e INE; Depósito (comprovativo) de Depósito Bancário do montante de Capital Social mínimo exigido consoante o tipo de Sociedade; até Efectuar os necessários pagamentos de emolumentos- Registo Comercial, Alvará Comercial, Publicação no Diário da República, e outros-. Consultado em 24.09.2020 aos passos em: http://www.ife.gov.ao/index.php/legislacao/81- conteudosdosite/105-criteriosparaaconstituicaodeempresasemangola                e            http://gue.minjus- ao.com/index.php?option=com_content&view=article&id=9&Itemid=19. Sob suporte de instrumentos jurídicos como: o Decreto nº 48/03 de 8 de Julho- Sobre a Organização e Funcionamento do Guiché Único das Empressas (GUE), Decreto Presidencial nº 40/12, de 13 de Março – Regulamento do Balcão Único do Empreendedor (BUE), Lei nº 11/15 de 17 de Junho- Lei de Simplificação do Processo de Constituição de Sociedades Comerciais (arts. 12.º), Decreto Presidencial nº 153/16, de 5 de Agosto – Regulamento sobre os Procedimentos Especiais de Constituição Presencial Imediata e ON-LINE (arts. 8.º ss) de Sociedades Comerciais e Decreto Executivo nº 247/16, de 3 de Junho (que fixa, em anexo, os modelos de pactos sociais) e a Lei nº 16/14, de 29 de Setembro (Lei sobre a Redução dos Encargos de Constituição de Sociedades Comerciais).

[12] Cfr. DUARTE, Pinto. Op. cit., p.16, o autor considera «a expressão ‘‘Contrato de Sociedade’’ é uma óbvia contadicito in terminis sempre o negócio institutivo tenha um só autor», na medida que actualmente existem na nossa realidade jurídico-económica as Sociedades Unipessoais, uma das formas de sociedades comerciais, prevista pela Lei n.º 19/12, de 11 de Junho – Lei das Sociedades Unipessoais (LSU), que tem como acto gerador não o contrato, mas sim um negócio jurídico unilateral ou pelo acto de transformação, conforme prevêem, aliás, os arts. 7.º e ss da LSU.

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