A PERÍCIA PSICOLÓGICA EM CASOS DE SUSPEITA DE ABUSO DE MENORES: ESTUDO COMPARATIVO SOBRE A REALIDADE MUNDIAL
Herman MANUEL[1]
RESUMO
O presente artigo tem como principal objetivo compreender a importância da avaliação pericial psicológica em casos de suspeita de abuso sexual cometido contra crianças e adolescentes. Sabe-se que são raras as solicitações de exame pericial psicológico em casos de abuso sexual, o que em muitos casos, compromete a possibilidade de um processo de tomada de decisão judicial justo. Para o efeito, são traz-se diversos modos de realização desse tipo de perícia em diferentes contextos no cenário internacional de modo a incentivar a prática no sistema judicial angolano. Na referida, usou-se do método de pesquisa comparativo, pelo qual, analisou-se a realidade pericial de seis (6) países, distribuídos entre o continente americano e europeu. Como principais conclusões, foram identificadas a existência de determinados pontos relativamente consensuais entre as diversas abordagens. Dentre esses pontos, a avaliação do impacto psíquico na suposta vítima e a avaliação da credibilidade do relato ganham especial ênfase devido às dificuldades de suas aplicações práticas no contexto pericial. Este estudo demonstra uma variedade de estratégias utilizadas nas avaliações psicológicas investigativas em casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes, indicando uma tentativa, por parte dos profissionais, de lidarem com a complexidade inerentemente envolvida nestas situações.
Palavras-chave: abuso sexual; perícia psicológica; avaliação da credibilidade; avaliação de dano psíquico.
ABSTRACT
The main objective of this article is to understand the importance of psychological expert assessment in cases of suspected sexual abuse committed against children and adolescents. It is known that requests for psychological expert examination in cases of sexual abuse are rare, which in many cases compromises the possibility of a fair judicial decision-making process. For this purpose, several ways of carrying out this type of expertise are brought up in different contexts in the international scenario, in order to encourage the practice in the Angolan judicial system. In that, the comparative research method was used, through which the expert reality of six (6) countries was analysed, distributed between the American and European continents. As main conclusions, the existence of certain points relatively consensual between the different approaches were identified. Among these points, the assessment of the psychic impact on the alleged victim and the assessment of the credibility of the report gain special emphasis due to the difficulties of its practical applications in the forensic context. This study demonstrates a variety of strategies used in investigative psychological assessments in cases of sexual abuse against children and adolescents, indicating an attempt by professionals to deal with the inherent complexity involved in these situations.
Keywords: sexual abuse; psychological expertise; credibility assessment; assessment of psychic damage.
Introdução
Nos últimos anos, observa-se um aumento significativo na divulgação de casos e estudos sobre o fenómeno da violência contra crianças e adolescentes, o que acredita tratar-se de numa tentativa de desenvolver intervenções preventivas e de atenção ao problema.
Embora situações de violência possam ocorrer em diferentes culturas e classes sociais, os maus-tratos que atingem crianças e adolescentes podem passar silenciosamente despercebidos (Kristensen & Schaefer, 2009; World Health Organization, 2006).
A problemática da violência física e sexual envolvendo crianças e adolescentes ainda parece ser um factor de surpresa em nossa sociedade. Junta-se a isso o despreparo, frequentemente observado, por parte dos profissionais da área policial, saúde, educadores e operadores do direito no manejo e tratamento adequados dos casos surgidos (Caminha, 2000).
Os profissionais que operam junto das crianças e adolescentes precisam de conhecer as características e os factores de risco associados às situações abusivas, ressaltando-se a importância da compreensão da própria definição de abuso e maus-tratos e das consequências desses episódios no desenvolvimento infantojuvenil e psicopatológico.
De acordo com Organização Mundial da Saúde (WHO, 1999, 2006), a violência sexual infantil é definida como qualquer interação entre a criança ou adolescente e alguém em estágio sexual de desenvolvimento mais avançado, que tenha por finalidade, a obtenção de satisfação sexual deste último. As interações podem variar desde actos em que não se produz o contacto sexual (voyeurismo, exibicionismo, produção de fotos) até actos que incluem contacto sexual com ou sem penetração.
A baixa prevalência de indícios físicos encontrados nos exames em casos de suspeita de abuso sexual cometido contra crianças e adolescentes pode ser explicada pela definição acima de violência sexual infantil, fornecida pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 1999, 2006).
É mister observar, portanto, que de acordo com essa definição, não é sequer necessário o contacto físico entre agressor e vítima para que um acto seja designado como sexualmente violento, de modo que não se deve esperar essencialmente de um indício corporal visível resultante da violência sexual.
As evidências corporais serão encontradas mais facilmente quando houver conjunção carnal ou quando a violência for praticada com uso da força física, o que é mais frequente em casos de violência extrafamiliar (Gonçalves, 2004). É sabido, contudo, que cerca de 80% dos casos de abuso sexual infantil são cometidos por pessoas afetivamente próximas à criança (INAC, 2016).
Nesses casos é bastante comum que a violência sexual ocorra no interior de um jogo de sedução gradual, de modo que as marcas físicas decorrentes do episódio abusivo se tornam raramente disponíveis. (Berkowitz, Bross, Chadwick, & Witworth, 1994).
Do ponto de vista da produção da prova pericial, o baixo índice de evidências concretas no corpo da criança ou do adolescente abusado sexualmente traz consigo diversas dificuldades, levantando-se principalmente a seguinte questão: Como produzir uma prova sem que existam evidências materiais do crime?
Continue a ler o artigo no documento abaixo:
[1] Psicólogo Clínico & Forense.