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A MEDIAÇÃO FAMILIAR COMO MEIO DE RESOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE CONFLITOS

A MEDIAÇÃO FAMILIAR COMO MEIO DE RESOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE CONFLITOSAspectos substanciais e processuais[1]

Family Mediation As A Means Of Extrajudicial Resolution Of Conflicts – substantial and procedural aspects

João Njongolo CHIVANJA*[2], Namibe – Angola.

*Licenciado em Direito no Instituto Superior Politécnico Independente da Huíla, Advogado e Docente.

Sumário: Resumo. Introdução. I – Aspectos substanciais. 1. O sistema de resolução extrajudicial de conflitos. 1.1. Surgimento do sistema de resolução extrajudicial de conflitos em Angola. 1.2. O surgimento da mediação familiar.1.3. Modelos da mediação familiar. 1.3.1. O modelo tradicional – modelo americano. 1.3.2. Paradigma europeu de mediação – modelo francês.  1.4. Intervenção da mediação familiar nos modelos. 2. A Mediação familiar em Angola – O modelo adoptado. 2.1. Concepção da palavra família. 2.2. Conflitos familiares. 2.3. Tipos de conflitos familiares. 2.4. Noção de mediação familiar. 2.5. Vantagens e desvantagens da Mediação Familiar. II Aspectos processuais. 1. Distinção entre a mediação familiar, arbitragem, conciliação e negociação. 2. Princípios/Características da Mediação Familiar. 3. Os Sujeitos da Mediação Familiar. 3.1. O papel do Advogado na mediação familiar. 4. Tramitação da Mediação Familiar em Angola. 4.1. Espécies de convenção de mediação. 4.1.1. Cláusula de mediação. 4.1.2. Compromisso de mediação. 4.2. Competência material ou âmbito da Mediação Familiar. 4.3. Fases do processo de Mediação Familiar. 5. Acordos da Mediação do Familiar. 5.1. Acordo de início de mediação familiar. 5.2. Acordo final da sessão de mediação familiar. 5.3. Casos de nulidade ou anulabilidade do acordo de mediação familiar. Considerações finais. Referência bibliográfica.

RESUMO: A preponderância dos conflitos familiares na nossa sociedade, propiciaram a pesquisa deste tema para obter uma visão geral do fenómeno, dando azo à elaboração deste artigo, cujo objecto é a promoção da Mediação Familiar como mecanismos resolução extrajudicial de conflitos, sendo este eficaz para solucioná-los e alcançar a paz social. A Mediação Familiar destina-se igualmente a construir uma via alternativa e conjuntiva à instância judicial, de maneira a minimizar os traumas, quando surgem em público, e as situações vividas no núcleo familiar, assentando principalmente nos conflitos conjugais. A grande importância da Mediação Familiar, assenta no diálogo entre as partes, onde naturalmente, vai surgindo um conjunto acordos que sendo justos, permitem encontrar alternativas que respondam a todas as necessidades apresentadas no sistema judicial. A partir de uma pesquisa exploratória, foi possível identificar os aspectos substanciais e adjectivos da mediação familiar, bem como a necessidade da implementação dos centros de resolução de conflitos públicos e privados com o objectivo de efectivar a Lei da Mediação de Conflitos e Conciliação em vigor no nosso pais e solucionar os conflitos de natureza familiar de modos célere, imparcial, razoável e menos dispendiosa para o bolso do cidadão.

Palavras-chave: Família. Conflitos familiares. Mediação. Mediação Familiar.

ABSTRACT: The preponderance of family conflicts in our society, led to the research of this topic to obtain an overview of the phenomenon, giving rise to the elaboration of this article, whose object is the promotion of Family Mediation as extrajudicial conflict resolution mechanisms, which is effective for solve them and achieve social peace. Family Mediation is also intended to build an alternative and conjunctive path to the judicial instance, in order to minimize traumas, when they arise in public, and the situations experienced in the family nucleus, based mainly on marital conflicts. The great importance of Family Mediation is based on the dialogue between the parties, where naturally, a set of agreements emerges that, being fair, allow finding alternatives that respond to all the needs presented in the judicial system. Based on exploratory research, it was possible to identify the substantial and adjective aspects of family mediation, as well as the need to implement public and private conflict resolution centers with the aim of implementing the Law on Conflict Mediation and Conciliation in force in our country and resolve conflicts of a family nature in a quick, impartial, reasonable and less expensive way for the citizen’s pocket.

Keywords: Family. Family conflicts. Mediation. Family Mediation.

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Introdução

O sistema judicial é frequentemente retratado como um sistema debilitado, que atravessa uma crise, pouco eficaz, pouco célere, que de pouco serve aos cidadãos e que muitas vezes origina injustiças inexplicáveis. Este retrato é delineado por todo o tipo de pessoas, minimamente interessada. Pois, quando chega a hora de descrever (e criticar!) a nossa justiça, parece que toda a gente tem uma opinião a dar.

Aliás, esta é também uma característica que se tem vindo a evidenciar nos últimos tempos na nossa sociedade. Enquanto cidadãos desta sociedade em desenvolvimento, estamos atentos e preocupados com a realidade que nos circunda. Cada um de nós ganha a cada dia que passa consciência dos seus direitos e procuramos uma melhor defesa destes direitos, de forma a alcançar uma posição mais satisfatória e adequada aos interesses individuais e colectivos, contudo, esta cultura de buscar a defesa dos direitos acaba por potenciar uma maior conflitualidade.

Estas transformações sociais não foram acompanhadas pelo sistema judicial que acabou por se revelar incapaz de dar respostas concretas aos problemas novos e de satisfazer as necessidades de uma sociedade em desenvolvimento.

Isto significa dizer que, a resposta à crise da justiça terá que passar por um sistema de justiça que apresente soluções plurais, criativas, diferentes, mas ao mesmo tempo eficazes e céleres[3]. E não poderá passar por soluções unívocas, baseadas única e exclusivamente na justiça tradicional, materializada nos tribunais comuns nos tempos actuais.

Neste sentido, as respostas aos conflitos poderão passar pela adesão dos meios de resolução alternativa de litígios que se apresenta como uma proposta alternativa ao modelo tradicional de administração da justiça. O objectivo é acabar com o sistema de monopólio da justiça como é actualmente conhecido.

É precisamente aqui que a Mediação Familiar, enquanto meio de resolução alternativa de litígios, tem um relevante contributo a dar. A Mediação Familiar enquanto instrumento de diálogo entre as partes apresenta-se como uma verdadeira alternativa adequada a estas mudanças, principalmente aos conflitos familiares que surgem na nossa sociedade. Os princípios da voluntariedade, da celeridade, da proximidade, da flexibilidade, da confidencialidade, da neutralidade e imparcialidade, da legalidade, da independência e da executoriedade, juntamente com o seu âmbito de aplicação e procedimento permitem que este mecanismo produza soluções eficazes. A implementação da Mediação Familiar traduz-se num importante passo no combate à crise social no seio da família e na crise que se faz sentir no sistema de justiça.

O presente artigo tem como objecto a Mediação Familiar e justifica-se, pela necessidade de reflectirmos sobre os aspectos substanciais e processuais deste meio de resolução extrajudicial de conflitos. Este tema é actual, inovador e tem muito relevo prático na nossa sociedade, pese embora ainda vivemos nuns obscurantismos no que tange as resoluções de conflitos familiares por via da Mediação Familiar. É habitual na nossa sociedade recorrer aos mais “velhos” da família, aos líderes religiosos, autoridades tradicionais (rei, sobas) e em última instância aos tribunais. Contudo, esta última via acaba por ser muito onerosa e muito lenta quanto aos resultados, levando mesmo anos. Nesta perspectiva, acaba por penalizar as famílias em conflito, criando assim, uma ondas de desespero e insatisfação permanente, afectando até as crianças.

Por outro lado, trata-se de um tema que confere abordagens novas e actuais que contribuem para a consolidação da teoria da mediação e a publicitação da LMCC[4] vigente no nosso pais desde o ano de 2016. A praticidade do tema é ainda evidente considerando que estamos cada vez mais mergulhados em conflitos de natureza familiar, cuja pendência, coloca em causa a certeza e a segurança jurídica, bem como a paz social. Neste diapasão, a importância e a viabilidade deste assunto consiste em despertar a sociedade, assim como as instituições públicas e privadas, sobre a necessidade de cultivarem a cultura jurídica abdicando de actos que lesam os direitos da família, em observância das normas jurídicas, aderindo a mediação como mecanismos extrajudiciais de resolução litígios.

I – ASPECTOS SUBSTANCIAIS

  1. O SISTEMA DE RESOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE CONFLITOS
    1. sistema de resolução extrajudicial  de conflitos em Angola

Historicamente, o sistema de resolução alternativa ou extrajudicial de litígios em Angola tem origem na legislação portuguesa extensível a, então, colónia de Angola. O Código de Processo Civil Português de 1876 dedicava já a arbitragem um conjunto de disposições inseridas no capítulo relativo a competência dos tribunais. A arbitragem estava, porém, genericamente sujeita ao escrutínio dos tribunais judiciais. Os Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1961 (este último ainda hoje em vigor em Angola, com algumas alterações).

Em 1992 realizou-se a revisão da Lei Constitucional (LC) e com ela assiste-se a inclusão dos tribunais arbitrais no elenco dos tribunais legalmente admissíveis, constante do n.º 3 do art. 125.º da LC, onde se refere: “nos termos da lei podem ser criados tribunais militares, administrativos, de contas, fiscais, tribunais marítimos e arbitrais”. Com a consagração na LC da arbitragem começa a assumir óbvia relevância para o instituto.

Este instituto em Angola passou a ser considerada como uma inovação legislativa, quando deu os primeiros passos em 2003 com a aprovação da Lei n.º 16/03, de 25 de Julho – Lei sobre a Arbitragem Voluntária (LAV). A matéria da arbitragem viria a ser retomada pelo legislador angolano em 2006, com a aprovação do Decreto n.º 04/2006 de 27 de Fevereiro, que autoriza a criação de Centros de Arbitragem. Tendo o seu procedimento de arbitragem regulamentado pelo Decreto executivo n.º 230/14 de 27 de Junho e que instituiu o Centro de Resolução Extrajudicial de Litígio (CREL), e o Decreto Executivo n.º 244/14, de 4 de Julho veio aprovar o regulamento do Centro.

Em 2010 com a aprovação da Constituição da República de Angola (CRA), o sistema de resolução alternativa de litígios em Angola foi reforçado e passou ser o apanágio do princípio do “acesso ao direito da tutela jurisdicional efectiva” previsto no art.º 29.º da CRA, neste diapasão, por força da norma programática prevista no art.º 174.º n.º 4 da CRA, o Estado angolano teve a necessidade de criar novas formas de resolução alternativa de conflitos, que são a mediação e conciliação com vista a garantir a proteção e o exercício dos direitos do cidadão e o acesso ao direito e à justiça. Estes institutos foram consagrados em diversos diplomas com maior realce inicialmente na Lei Geral do Trabalho (Lei n.º 7/15 de 15 de Junho) nos arts. 275.º a 301.º. Em 2016 foi aprovado a Lei da Mediação de Conflitos e Conciliação (Lei n.º 12/16, de 12 de Agosto). Este diploma veio dar realce a mediação familiar como meio alternativo de resolução de litígios e estabelecer a necessidade de os conflitos serem resolvidos não só em Centros de Resolução Públicos como Privados[5]. Posteriormente, por meio do Decreto Executivo Conjunto n.º 259/16, de 17 de Junho, aprovou-se o regulamento das taxas de mediação, conciliação e arbitragem do CREL. Com estes diplomas o Sistema de Resolução Alternativa de Conflitos fica reforçado e mostra-se num bom caminho para responder os anseios da população no acesso a uma justiça mais célere, menos dispendiosa através dos mecanismos extrajudiciais.

Continue a ler o artigo no documento abaixo:


[1] Artigo JuLaw n.º 013/2022, publicado em , aos 27 de Janeiro de 2022.

[2] Conta JuLaw: http://julaw.ao/user/john+mack/. Contacto: 949117262. Correio electrónico: Joaojongoloadvogado@gmail.com/chivanjajoao@gmail.com.    

[3] Filipa MAGALHÃES, Mediação Familiar: A solução negociada dos conflitos familiares, Disertação de Mestrado, Coimbra, 2014, pag. 14.

[4]Lei da Mediação de Conflitos e Conciliação (Lei n.º 12/16, de 12 de Agosto), doravante LMCC.

[5] Em Angola actualemnte existe vários centros privados de mediação de conflitos. E a nível da lusofonia podemos destacar a existência do Instituto sw Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos (ICFML).

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