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A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL COMO FORTE AMEAÇA AOS DIREITOS HUMANOS

Artigo de Flaviano Francisco, Professor Doutor e Especialista em Direitos Humanos.

Nos últimos anos, houve um crescimento vertiginoso da presença da Inteligência Artificial (também conhecida como IA) no nosso dia-dia.

A pergunta que se segue é a seguinte: Mas por que a IA cresceu tanto?

Ora, estudos recentes indicam que um dos principais motivos desse crescimento, senão o principal, é o rápido desenvolvimento de novas tecnologias de extração, armazenamento, transmissão e processamento de dados. 

A par do crescimento vertiginoso da importância e visibilidade da inteligência artificial, há também fortes preocupações com as consequências negativas da utilização destas tecnologias, ou seja, face aos riscos e efeitos nocivos, governos, investigadores, associações civis e até empresas têm vindo a alertar e a desenvolver medidas necessárias para mitigar esses resultados nocivos que afetam diretamente a dignidade da pessoa humana.  

Dito isso, e com base no tema, será que existe alguma relação entre inteligência artificial e direitos humanos? Se sim, é exatamente isso que vamos descobrir a seguir.

Mas antes de relacionarmos inteligência artificial e direitos humanos, é importante, antes de tudo, apresentar um conceito de inteligência artificial, bem como de direitos humanos, para que possamos desenvolver e esclarecer o tema que propusemos com a maior coerência possível.

O que é a inteligência artificial? 

A definição de inteligência artificial engloba processamentos complexos que demandam grande quantidade de dados para sua efetividade, incluindo teorias e o desenvolvimento de sistemas computacionais capazes de realizar tarefas que exijam o uso do raciocínio humano, como análise visual, reconhecimento de voz entre outros mecanismos. 

De maneira geral, a Inteligência Artificial (semelhante à inteligência humana, mas reproduzida por máquinas) traz uma série de benefícios para as instituições que a utilizam, principalmente no que diz respeito à eficiência e lucro, sendo uma área que impacta diariamente e cada vez mais a vida das pessoas.

O que são direitos humanos? 

Entende-se por direitos humanos todas as normas que reconhecem e protegem a dignidade de todos os seres humanos, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião ou classe social, pois sua essência e características foram feitas para durar em todos os momentos e para todos os tempos.

Outro fator importante é que os direitos humanos também regem a maneira pela qual os seres humanos vivem em sociedade e uns com os outros, bem como sua relação com o Estado e as obrigações que o Estado tem para com eles.

Dentre os direitos humanos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) estão o direito à vida, o direito à integridade física, o direito à dignidade, entre outros. A partir do momento em que os direitos humanos são estabelecidos em um determinado ordenamento jurídico, eles assumem a forma de direito positivo e são chamados de direitos fundamentais.

Relação entre inteligência artificial e direitos humanos. 

A respeito da interligação entre a IA e os direitos humanos, o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos alertou (em 18 de fevereiro de 2023) que os avanços recentes em inteligência artificial representam uma séria ameaça aos direitos humanos, apelando a “salvaguardas eficazes” para o seu controle.

“Estou profundamente preocupado com o potencial de dano dos recentes avanços na inteligência artificial”, declarou Volker Türk em comunicado, no qual sublinha que “a dignidade humana e todos os direitos humanos estão seriamente ameaçados”[1]

O então responsável dos Direitos Humanos da ONU também fez um apelo urgente às empresas e aos governos para que desenvolvam rapidamente salvaguardas eficazes nesta matéria.

Reiterou ainda que: “Vamos acompanhar este dossier de perto, vamos incorporar os nossos conhecimentos específicos e vamos fazer com que a dimensão dos direitos humanos continue a ser central no desenvolvimento desta matéria”.

À medida que a IA está assumindo o controle da vida cotidiana das pessoas, dos telemóveis e tablets digitais, à saúde e segurança, a inteligência artificial também está aumentando o conhecimento sobre o que são os direitos humanos, levando as pessoas a exigir que sejam respeitados.

Além de a IA assumir o controle da vida das pessoas, ela permitiu que empresas e organizações estivessem mais atentas a esse tema, uma área que especialistas alertam que também apresenta riscos (violação de privacidade, dentre outras violações) que exigirão regulamentação, difícil de implementar, pois essas tecnologias avançam rapidamente e o risco de privacidade é cada vez maior. 

A questão do impacto da IA ​​na empregabilidade e na definição de novas profissões ou formas de oferta de trabalho é um dos tópicos sonantes quando o assunto é IA, direitos humanos, evolução do mercado de trabalho e sistemas económicos e/ou financeiros.

Assim, e sendo a utilização da inteligência artificial uma ameaça aos direitos humanos, como é que esta inteligência mecânica põe em causa (ou não) os direitos humanos?

Podemos responder que os direitos humanos, nomeadamente o direito ao trabalho, o direito ao descanso e ao lazer, por um lado, são beliscados pelo risco generalizado da afirmação que os mecanismos de IA trazem a esses direitos fundamentais, por outro, porque há uma ampla crença de que os sistemas de IA substituirão a força de trabalho humana em larga escala e causarão desemprego maciço em certas áreas, assim como muito se fala sobre o desaparecimento e/ou extinção de certas profissões.

A título de exemplo, existem estudos recentes que anunciam que nos próximos anos um em cada três postos de trabalho será substituído por tecnologia inteligente, obrigando as forças de trabalho (humanas e máquinas) a trabalhar em equipas totalmente integradas.

Ainda no âmbito da resposta, assumisse-se que a utilização de inteligência artificial terá efeitos nefastos para os trabalhadores, pois poderão retirar ou esvaziar o âmbito funcional de muitas das profissões e tarefas que hoje conhecemos, provocando, em muitos setores, o desemprego em larga escala. 

Além do que apresentamos anteriormente, o uso da Inteligência Artificial também possui pontos negativos, como por exemplo:

  • Por ser uma tecnologia relativamente nova, a Inteligência Artificial ainda levanta questões éticas, sociais e morais quanto ao seu uso;
  • O uso de certas máquinas pode ameaçar o emprego de milhares de pessoas;
  • O uso contínuo da Inteligência Artificial gera isolamento social e, consequentemente, problemas físicos e mentais;
  • Para operar e manter o funcionamento de algumas máquinas e sistemas, são necessárias pessoas especializadas;
  • A produção e manutenção de máquinas com Inteligência Artificial demandam alto custo financeiro; e
  • A Inteligência Artificial não possui as habilidades cognitivas para desenvolver a criatividade, como o cérebro humano é capaz (onde reside uma das principais ameaças aos direitos humanos).

Noutra perspetiva, e deixando para atrás os pontos negativos, é inegável que a IA tem alcançado um enorme sucesso (apesar de ser considerada uma arma de destruição em massa para o acesso ao emprego), importa olhar para este fenómeno como uma oportunidade de criar novos empregos, novas visões de mundo e grandes oportunidades de desenvolvimento, especialmente em questões éticas fundamentais para a sociedade (como interações sociais, privacidade, justiça e segurança), que são essenciais para o bem-estar de toda a humanidade.

Mas, olhando atentamente para o crescimento acelerado e raramente controlado da IA, é importante preparar e antecipar (talvez para o pior cenário, tal como aponta o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk) as consequências e soluções indesejadas para que individual, coletiva e institucionalmente possamos garantir que o pior cenário não se efetivem e para que o impacto dessa transformação nos direitos humanos não implique um retrocesso de todo o trabalho que foi desenvolvido para garantir a plena efetivação dos direitos que regem a dignidade da pessoa em uma sociedade muitas vezes ameaçada pelos avanços tecnológicos.

Quanto a este receio, no que diz respeito ao impacto e usabilidade da IA, existem de facto formas, segundo estudos, no sentido de mitigar os riscos e consequências da utilização e recurso à IA, quer do ponto de vista do acesso à trabalho e/ou questões sociais, ou no que diz respeito ao seu impacto nos direitos humanos, mas também em questões mais genéricas e transversais quando o assunto é inteligência artificial.

Porém, quando se trata de tecnologia, no que diz respeito à promoção e avanço e desenvolvimento para a formação do ser humano, e para que as coisas não saiam do controle, é imprescindível que pesquisadores e cientistas conscientizem a sociedade sobre o uso responsável da Inteligência Artificial, de forma a evitar possíveis ataques cibernéticos e/ou riscos tecnológicos, mas que seja efetivamente possível aproveitar todos os pontos positivos que este mundo tecnológico pode proporcionar.

Por fim, e sobre o tema e/ou relação entre a inteligência artificial como ameaça aos direitos humanos (desde o quotidiano das pessoas, até à área da saúde, privacidade e segurança), assumindo que a utilização da IA ​​se tornou também o novo campo de batalha das grandes empresas (levantando questões como falta de clareza quanto à responsabilidade e possíveis consequências não intencionais), a maioria dos países busca regulamentar as salvaguardas de defesa para garantir o respeito a todos os direitos humanos que estão ameaçados com o crescimento da inteligência artificial nos dias de hoje.


[1] Disponível em: Direitos humanos seriamente ameaçados pela inteligência artificial, alerta ONU – Observador

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