Você está visualizando atualmente BREVES NOTAS SOBRE FORMAÇÃO, REDACÇÃO E NEGOCIAÇÃO DE CONTRATOS INTERNACIONAIS (1/5)

BREVES NOTAS SOBRE FORMAÇÃO, REDACÇÃO E NEGOCIAÇÃO DE CONTRATOS INTERNACIONAIS (1/5)

Autor: José Cardoso Soares da Silva, Luanda – Angola.

1. Considerações Gerais: Sistema do Direito Anglo-Saxónico versus Sistema do Direito Civil

O que se pretende com esta nota é realçar algumas das regras básicas do Sistema de direito Anglo-Saxónico, conhecido por “Common Law”, ou lei comum, para melhor entender os tópicos relacionados com os comentários sobre a formação, redacção e negociação de contratos, que analisaremos em documento separado, para permitir um entendimento mais fácil dos tópicos a serem apresentados.

O objectivo desta nota, é partilhar os nossos modestos conhecimentos com os operadores de direito formados na escola romano-germânica, também chamado Sistema do Direito Civil. O conhecimento de tais regras é fundamental para determinar a capacidade e qualidade dos negócios em cada país, o que em inglês se denomina “doing business”.

O sucesso, ou não, de promover o doing business é decisivo para a criação de um ambiente de negócios favorável, principalmente, para atrair o investimento estrangeiro, de que os países necessitam para o seu desenvolvimento. E isto só é possível materializar através da celebração de contratos internacionais em que a Common Law é dominante. Daí a necessidade da análise preliminar dos aspectos mais relevantes relacionados com o citado sistema jurídico. Este documento não visa comparar os sistemas da Common Law e do Direito Civil, ou mesmo pretender que um é mais elaborado, ou eficaz, do que o outro, pois ambos cobrem realidades diferentes. Por isso, têm as suas próprias especificidades. Nem tão pouco, visa analisar os contratos internacionais, mas apenas, e só, indicar alguns aspectos importantes para a formação, redacção e negociação dos mesmos.  

2. Breve Enquadramento Histórico

Historicamente, o Direito Civil surgiu na Roma antiga e foi-se desenvolvendo ao longo dos tempos, sendo hoje a família do direito mais difundida no mundo. O Direito Civil foi criado, basicamente, para regular os direitos dos cidadãos “jus civile”. O racional para a sua criação foi a razão e o sentimento de justiça que na óptica das classes detentoras do poder deviam regular as relações entre os ocupantes de determinado território. Para o efeito, o Direito Civil passou a compilar os seus princípios fundamentais e jurisprudência em códigos. Em oposição, a Common Law não tem como princípio básico a codificação, mas assenta os seus princípios e jurisprudência nas decisões dos juízes sobre casos similares, anteriormente julgados, o chamado “precedente”. No entanto, ao aplicar o precedente, o juiz não deixa de atender as circunstâncias específicas de cada caso. Se por acaso, concluir-se que a semelhança é apenas aparente, a situação será classificada como “case of first impression”, o que por outras palavras quer dizer, em português, “caso novo”. Diante de tais circunstâncias, o juiz decide de forma diferente e estabelece um novo precedente para casos futuros voltando assim ao ciclo inicial. Ao contrário, no Direito Civil, o juiz aprecia os litígios, caso a caso, independentemente da sua semelhança, ou não, e a sua decisão não serve de referência para o futuro. 

3. Sobre a Metodologia Jurídica

Esta diferença, influencia a metodologia jurídica de ambos os sistemas, incluindo o papel dos advogados, juízes e tribunais. Quanto a metodologia, a fonte principal de lei no Direito Civil é a legislação, em que as leis são estruturadas de forma hierárquica.

Diferentemente, na Common Law, a fonte principal de lei é a jurisprudência sendo que as decisões judiciais tomadas com base no precedente recebem o nome de “caselaw”. Por exemplo, no Código Penal Angolano, a moldura penal para a punição do furto se for de 2 a 8 anos e se a sentença for de 5 anos, para a Common Law, esta decisão serviria de referência para o julgamento de futuros casos similares. Em suma, o que é importante reter, é que no sistema do Direito Civil, existem regras gerais que são aplicadas a casos concretos enquanto para o sistema do Direito da Common Law, as regras são estabelecidas a partir das decisões jurídicas.   

4. O Papel dos Advogados

Na Common Law, os advogados são encorajados a promover o acordo entre as partes antes de submeterem o caso a juízo. Para o efeito, existe uma fase anterior ao julgamento chamada de “Discovery Phase”, que em português seria algo como a fase da descoberta. Nesta fase, os advogados trocam informações e discutem as evidências do caso. As excepções, a este princípio, estão previstas na lei, e incluem aspectos como a confidencialidade da informação em discussão, sendo que, a legislação prevê sanções para o advogado que actuar de má-fé ou ocultar indevidamente qualquer informação não protegida, por lei, que afecte negativamente a decisão final do caso.

Por sua vez, no Direito Civil, os advogados não têm a obrigação de negociar previamente a solução para o caso em disputa, submetendo-o directamente ao juiz para decisão deste último.

5. O Papel dos Juízes

Também os juízes têm funções diferentes em ambos os sistemas jurídicos.

Na Common Law, os juízes têm uma função de árbitros imparciais, cabendo aos advogados apresentar os seus argumentos e os assuntos em disputa não sanados na fase da descoberta. No Direito Civil, os juízes dominam os julgamentos buscando uma solução justa para proteger os direitos das partes em litígio e lembrar os seus deveres, previstos na lei. Assim, enquanto na Common Law, os advogados são os protagonistas principais, porque participam na busca da solução, no Direito Civil, destacam-se os juízes porque possuem o poder exclusivo de analisar e, consequentemente, decidir sobre tais casos. Portanto, podemos concluir que enquanto o objectivo maior do juiz na Common Law é a solução do caso em disputa, incluindo através de soluções “ad-hoc”, no Direito Civil o foco é a reparação dos danos causados a pessoa jurídica lesada.

6. O Papel dos Tribunais

Relativamente aos tribunais tanto o Direito Civil como a Common Law, assentam no princípio político da separação dos poderes: o executivo, judicial e legislativo. Nos dois sistemas, os tribunais, enquanto representantes do poder judicial, são independentes. Porém, tais princípios materializam-se de forma diferente.

Na Common Law, o tribunal participa no equilíbrio do sistema de justiça, com os chamados “checks and balances”, conhecida em português pela política dos “pesos e contrapesos”, em que cada instituição fiscaliza os poderes da outra. No Direito Civil, os poderes de cada um dos ramos, acima mencionados, é autónomo e separado, incluindo o poder dos tribunais.

7. Consequências Jurídico-Sociais

O diferente papel dos advogados e juízes nos referidos sistemas, conduz a consequências jurídico-sociais diversas.

Na Common Law, há uma tendência para se estabelecerem normas e procedimentos para resolver os litígios. Para o efeito, foram desenvolvidas regras extrajudiciais para a resolução de conflitos aplicadas por tribunais “ad-hoc” ou arbitrais, com destaque para os princípios de “Resolução Alternativa de Conflitos”.

A sigla em inglês é ADR que significa (“Alternative Dispute Resolution”). Estas regras privilegiam a conciliação, mediação e arbitragem como forma de solução de litígios sendo que os tribunais comuns são o último recurso das partes. Tal prática, por ser impessoal, promove a criação de instituições e faz com que a sociedade confie mais em procedimentos do que nas pessoas que os implementam. Este sistema, confere aos advogados uma posição de destaque na sociedade já que são os conhecedores de tais processos.

No Direito Civil, o juiz tem o poder exclusivo de decidir os litígios, o que faz destes figuras de destaque na sociedade. Esta situação contribui para que a sociedade acredite mais nas pessoas que estão a frente das instituições em detrimento dos procedimentos previstos nas leis. Por isso, a Common Law, tende a promover a criação de instituições fortes enquanto o Direito Civil é propício para o aparecimento de homens fortes nas respectivas sociedades.

8. As Regras da ADR no Direito Civil

Finalmente, realçar que as regras de ADR da Common Law, têm sido incorporadas na legislação dos países da família do Direito Civil, com realce para os contratos internacionais. Nestes, as referidas regras são um elemento decisivo para inferir da capacidade e qualidade do ambiente favorável de negócios dos países em causa. Daí, a necessidade desta nota introdutória, que nos ajudará a perceber o tema sugerido: Formação, Redacção e Negociação de Contratos Internacionais.

(Continua na parte 2)

Obs.: O texto está repartido em cinco partes. Fique atento ao nosso site para acompanhar os próximos conteúdos do Autor sobre o tema.

Notas sobre o Autor:

José Cardoso Soares da Silva é natural de Benguela, aonde concluiu os seus estudos primários e secundários. Presentemente é Advogado Associado ao escritório ACPC-Advogados Associados e Consultor Jurídico Independente.

Licenciou-se em Direito pela Universidade António Agostinho Neto e, actualmente, é Professor Convidado do curso de Pós-Graduação de Direito e Gestão de Negócios de Petróleo e Gás ministrado pelo Centro de Estudos de Ciências Jurídico-Económicas e Sociais (CEJES) da referida Universidade.

É membro fundador da Ordem de Advogados de Angola (OAA).

A sua formação académica inclui um curso de Pós-Graduação em Direito Comparado entre o Sistema Americano e Internacional, patrocinado pelo Center for American and International Law, na Southwestern Methodist University, Dallas, Texas, e Mestrado em Direito (Master of Laws) pela University of Houston-Law Center, ambos nos Estados Unidos da América.

A nível profissional frequentou os mais diversos cursos relacionados com o sector de petróleo e gás e de liderança, incluindo os cursos: International Petroleum Fiscal Systems and Production Sharing Contracts by Danel Johnston, International Energy Law Contracts and Negotiation (Upstream and Midstream) pela Rocky Mountain Mineral Foundation, Comercialing Gas Projects pela International Human Resources Development Corporation (IHRDC), e High Potential Leaders: Accelerating your Impact pela Wharton School of Business, University of Philadelphia.

Trabalhou em Angola no Gabinete do Investimento Estrangeiro (GIE), Texaco Panama Inc., Cabinda Gulf Oil Company, a subsidiária da petrolífera Chevron naquele país, e nos Estados Unidos no Projecto Angola LNG como Advogado Sénior. A nível de organizações internacionais é membro da Alumni Association do Center for American and International Law (CAIL), Alumni Association da University of Houston Law Center (UHLC) e da Association of International Energy Negotiators (AIEN).

Deixe um comentário