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BREVE REFLEXÃO SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DO GERENTE

BREVE REFLEXÃO SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DO GERENTE

Por: Salvador Ramos, Advogado

NOTA INTRODUTÓRIA

A nossa prática societária não regista preocupação com a formalização do vínculo jurídico do gerente. Na maior parte dos casos, aqueles são nomeados por acta ou nos estatutos, no acto de constituição da sociedade, facto que tem gerado enormes conflitos em virtude da indefinição da sua situação jurídica, no sentido de se saber se o gerente é um trabalhador com contrato de trabalho ou é alguém com quem se firmou contrato de prestação de serviços.

Neste artigo nos propomos, de forma breve e numa linguagem simples, sem observar os marcos do rigor técnico – jurídico, indicar duas vias para se acautelar os conflitos que surgem quando os sócios entendem pôr termo ao mandato do gerente, exonerando-o ou rescindindo o contrato firmado.

Para o efeito, teremos como base a Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro que aprova o Lei das Sociedades Comerciais e a Lei n.º 7/15, de 15 de Junho – Lei Geral do Trabalho.

AS IMPLICAÇÕES DO CONTRATO DE TRABALHO E DE PRESSTAÇÃO DE SERVIÇOS

A indefinição da situação jurídica do gerente nomeado por acta ou indicado no acto de constituição da sociedade pode implicar uma das duas situações invocadas, ficando na disposição do gerente a escolha do tipo de vínculo, em prejuízo da sociedade, como é óbvio.

PAULO OLAVO CUNHA, faz apologia de 4 (quatro) outras formas de indicação dos gerentes, que, ao rigor, não configuram solução para o problema levantado.

Daí que, quando os sócios decidem nomear o gerente da sociedade devem atender os interesses da sociedade e a expectativa de quem está a ser nomeado, de modo que, a nomeação em si possa implicar:

  1. Quando por tempo indeterminado, isto é, os sócios não determinam o período do mandato, a celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, conferindo ao gerente todos os direitos resultantes da Lei Geral do Trabalho. Nesta situação, a exoneração deixa de ser o instrumento adequado para pôr termo ao vínculo jurídico firmado, antes mediante o recurso ao processo disciplinar.
  2. Quando o acto de nomeação não se esgota na acta deliberativa ou na indicação do gerente nos estatutos/acto constitutivo da sociedade, segue-se a assinatura de um Contrato de Comissão de Serviços, com observância dos pressupostos legais (art. 230.º, 231.º, e 232.º LGT), estaremos perante a celebração de um contrato de prestação de serviços,[1] que pode cessar a qualquer momento, independentemente de haver justa causa, sem muitos encargos para a sociedade, como na situação anterior.

Quando o gerente nomeado é um trabalhador da sociedade com vínculo contratual firmado, o mais avisado seria suspender o seu contrato de trabalho[2], enquanto vigorar o mandato (al., e) do art. 2.º  da LGT), sob pena de se confundir as regalias decorrentes do cargo que passou a exercer como próprios do contrato anterior.

Ademais, não basta o cumprimento de um dos formalismos acima aduzidos para ver salvaguardado o interesse pretendido, é imperioso que os actos subsequentes, durante a relação ou a actividade da sociedade, se pautem pelo mero cumprimento das obrigações próprias do vínculo celebrado. Pois, celebrar um contrato de prestação de serviços e inscrever o gerente no Sistema da Segurança Social como trabalhador subordinado, pagar uma remuneração mensal e dela deduzir Imposto de Rendimento de Trabalho estaria a subverter o regime escolhido.

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A OPÇÃO QUE MELHOR TUTELA OS INTERESSES DA SOCIEDADE

Neste quesito, a nossa legislação é totalmente confusa, a norma dá espaço para acolher um dos dois argumentos acima referidos, gerando uma relação com iminência de conflitos contratuais.

Atendendo o substracto da posição de gerência, o modelo recomendável seria o que proporcionaria maior flexibilidade para os sócios  prevenirem conflitos, monitorarem o cumprimento dos objectivos e a qualidade da gestão.

A  nomeação do gerente da sociedade não pode terminar com a acta deliberativa, nem com o registo do seu nome nos Estatutos, quer esteja em causa a indicação de terceiro ou um trabalhador com vínculo contratual na sociedade.

Partilhamos do entendimento que recomende a assinatura, após o acto de nomeação ou indicação no acto constitutivo da sociedade, de um “Contrato de Comissão de Serviços”.

Delimita a expectativa do nomeado, o nível de responsabilidade da sociedade e confere maior abertura para os sócios fazerem cessar o mandato.

CONCLUSÃO

Em guisa de conclusão, importa ressaltar que é imperioso determinar a natureza jurídica do gerente, determinando o tipo de contrato a que está vinculado, salvaguardando assim as expectativas do nomeado e os interesses da sociedade.

Parte dos conflitos societários resultam dos actos praticados de forma informal e da indefinição a que se encontram várias relações contratuais, ficando à disposição das partes o enquadramento jurídico que melhor o convir, certamente e na maior parte dos casos, em prejuízo da sociedade.

Salvador Ramos


[1] No mesmo sentido defende ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, na obra Sociedades Comerciais – Miscelânea, 2.º edição, que a relação contratual dos gerentes é de prestação de serviços para com a sociedade. Assim, sendo a relação de administração um contrato de prestação de serviços, em tudo que não estiver regulamentado na Lei das Sociedades Comerciais, aplicar-se-ao as disposições do mandato.

O contrato de mandato é um contrato “ad personan”, pelo a qual os gerentes não podem transmitir os seus poderes, nem por acto “ inter vivos”, nem “mortis causa”, nem tão pouco se podem fazer representar no exercício das suas funções.

[2] O mesmo autor defende ainda que o contrato de prestação de serviços é incompatível com contrato de trabalho, pelo que, ao ser designado gerente alguém que tenha um contrato de trabalho com a sociedade, esta extingue-se ou suspende-se enquanto vigorar o mandato.

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