«Acesso a Justiça e a Jurisdição Efectiva. Críticas ao artigo 29.º da Constituição da República de Angola e a responsabilização penal por denegação da Justiça: notas em homenagem ao professor Edgar Zage Camba».
Domingos Dikila e Jovaine Caritas* – Uíge, Angola.
O Estado democrático e de Direito, tem como principal função a promoção e defesa dos direitos e liberdades fundamentais do homem, através da criação de textos constitucionais e infraconstitucionais que garantem o exercício dos mesmos (cfr. os artigos 2.º,22.º da CRA ) através de instituições e de outras entidades que velam pela aplicação das normas com base a realização da justiça ( cfr. Artigos 29.º, 174.º, 135.º ambos da CRA), Justiça que é a virtude de dar a cada um aquilo que é seu, por este factor a lei, atribui a cada um de nós direitos, deveres e estes são conferidas pelas normas do direito material ou substantivas que não estão impunes de serem violadas, nas diferentes relações que o ser humano vai estabelecendo em seu dia-a-dia, por outro o Estado democrático e de Direito, conferem aos seus cidadão um conjunto de mecanismos que garantem a efectivação destes direitos, que é feita através de instituições dotadas de «ius imperium».
Em nosso ordenamento jurídico o «Acesso a Justiça e a jurisdição decorre imediatamente da ideia de Estado de Direito» basta conferirmos, o n.º 1, do artigo 29.º da Constituição da República de Angola, que tem como texto: «A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios económicos», por outro, entendemos que o texto apresenta-nos a clara transferência da solução dos conflitos para o Estado que processa-se através de um órgão dotado de jurisdição (O Poder Judiciário) pois a jurisdição é a função, o poder e o dever que o Estado tem de se substituir aos titulares dos interesses em conflito para decidir com imparcialidade com a finalidade de salvaguardar a paz social e a justiça, e a concretização deste direito surge através do direito de ação que é consequência do direito de acesso aos tribunais, corolário, por sua vez, da exclusividade da jurisdição estatal (Cfr. 175.º da CRA). Nos números seguintes do artigo em alusão, retiramos as seguintes, conclusões:
- O direito de acesso aos tribunais deve realizar-se em processo temporalmente justo e equitativo. No que respeita especialmente ao processo equitativo, ele deve integrar o direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de tratamento discriminatório ou arbitrário.
- Ele corresponde igualmente ao direito de plena defesa e ao direito ao pleno contraditório, no sentido de existir efetiva possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado dessas provas.
- O direito ao processo equitativo pressupõe ainda o direito a prazos razoáveis de ação e recurso, no sentido de que a prolação de sentença deve acontecer em prazo razoável, atendendo a determinados parâmetros de medição, como sejam, a complexidade/simplicidade do processo, o comportamento tido pelas partes e pelas autoridades ao longo do desenrolar do processo e à situação jurídica sobre que o mesmo versa.
Crítica ao artigo 29.º da Constituição da República de Angola
Chegados, até aqui ao nosso exercício pensamos, estar claro algumas questões de fundo, descritos em torno da análise do artigo em causa, porém, levantamos as seguintes críticas ao legislador constituinte, ligados a questões económica, organizatório e processual:
- A não inclusão, no âmbito do capítulo dos Direitos, deveres, nem dos Direitos, económicos, sociais e culturais:
Pois acreditamos que a posição deste Direito fundamental, nestes capítulos, constituir-se-ia como um facto impulsionador para a pronta realização da justiça pelos órgãos de Estado.
- A Questão da falta de Informação:
Para garantir o acesso à Justiça é necessário que os cidadãos conheçam os seus Direitos, para que não se conformem quando lesados e que lhes sejam proporcionadas as condições necessárias para aceder à entidade competente (tribunal). Pois ninguém pode ser privado (denegado a justiça), de levar a sua causa à apreciação de um tribunal, pelo menos como último recurso.
O acesso à informação e à consulta jurídica, garantindo as condições necessárias, por exemplo, para que haja gabinetes de apoio jurídico gratuitos devidamente descentralizados. É também um Direito imediatamente invocável, ou seja, qualquer cidadão pode a qualquer momento conhecer os seus Direitos, sem que para tal tenha que haver interposição do legislador.
O Estado como pessoa jurídica competente através de diferentes canais de informação proporcionar aos cidadãos o acesso à informação jurídica. A informação jurídica tem como objetivo assegurar a defesa dos Direitos das pessoas, visa a democratização da Justiça, fornecendo as bases necessárias para que estas possam em condições de igualdade ter conhecimento da existência dos seus Direitos, de quando estes são violados e dos instrumentos que podem ser utilizados para evitar esta violação.
- A não Consagração da Gratuidade no Acesso ao Direito e a Justiça:
Permite de forma justificável a existência de custas e outro tipo de encargos que recaiam sobre os cidadãos quando acedem à justiça, admitindo-as como uma contrapartida pela prestação dos serviços de justiça, Cenário que torna incomportável o acesso à justiça para aqueles que têm menos recursos económicos. Se aqueles que vivem apenas dos rendimentos do seu trabalho, não conseguem aceder à justiça por não terem condições económicas, ou quando acedem fazem-no numa posição de desigualdade porque não tem a mesma capacidade para pagar um bom advogado, por exemplo, como tem uma pessoa abastada financeiramente, o que acontece é que a justiça é denegada por insuficiência de meios económicos.
Que se cria assim, com os constantes aumentos de custas judiciais e com um apoio judiciário fantasma e burocrático é não só uma barreira económica, mas também uma barreira social e psicológica, no acesso ao direito e aos tribunais. Assim não se pode deixar de entender que o que temos na nossa legislação são leis que funcionam em sentido oposto àquele que é o sentido da nossa Constituição, e que como se pode concluir só podem ser inconstitucionais. Isto porque o que temos aqui, com estas leis, são limitações ao acesso à Justiça, à denegação da mesma por insuficiência de meios económicos, ou seja na realidade temos um conjunto de leis que impedem a concretização daquilo que é disposto na Constituição.
- A Não Clarificação da Expressão Prazo Razoável
Para além das críticas supracitadas, importa referir que em nosso entender há necessidade imperiosa dê-se estabelecer um período mínimo para a tramitação processual nos órgãos de justiça e de Direito, a fim de fazer cumprir as etapas mínimas de tramitação processual, como forma de invitar-se a denegação de justiça. Pois sabemos que em nosso país os processos judiciais tem como característica a morosidade, em maior destaque os da jurisdição civil, que em média uma acção declarativa, seja de simples apreciação, de condenação, e as constitutivas (Vide. art. 4.º, nº 2 do CPC), dificilmente é solucionada num período de 7 anos ou mais, se a tendência do declarante é ver o seu Direito violado pelo declarado, atendendo ao disposto no art. 29.º da CRA, dificilmente verá sua situação resolvida em tempo útil pois a nossa justiça não é célere, apesar da existência do Princípio Celeridade Processual, e da causa em intervenham representa perante a lei o objecto da decisão em um prozo razoável (Princípio da decisão em prazo razoável) art. 29.º, nº 4 da CRA.
Dos órgãos facilitadores do acesso ao Direito e a Justiça e a Responsabilização penal por denegação da Justiça.
Como órgão facilitadores do acesso ao Direito e a Justiça, destaca-se O Ministério Público, que é fundamental como facilitadora do acesso ao Direito e à justiça, visto que tem como competências, para além da área penal (sua principal área de intervenção), a defesa dos incapazes, incertos e ausentes, exercício do patrocínio oficioso dos trabalhadores, dos menores e a defesa dos interesses colectivos e difusos.
A responsabilidade penal, pelo não cumprimento do direito ao acesso a justiça, resulta dos deveres que lhes é imposto nas circunstâncias e nas condições existentes no momento de realização da atividade justiça, que é o cumprimento da obrigação legal, impostos nos termos da constituição da república de Angola (Cfr. 29.º da CRA, n.º 3 do Artigo 8.º do Código Penal), que é de dolosamente negar a administração da Justiça ou aplicação do direito, que nos termos do Código Penal a medida abstracta pela prática deste ilícito penal é de pena de prisão de até 2 anos ou com a de multa de até 120 dias (Cfr. artigo 348.º do Código Penal).
Sobre o que descrevemos neste artigo de opinião, ficou patente que o acesso à justiça e ao Direito é essencial para que se mantenha a paz e justiça social, já que por força da lei o monopólio da realização da justiça é atribuído ao Estado, evitando desta forma a realização da justiça por mãos próprias, por outro achamos que pela abrangência que possui a plataforma jurídica JuLaw, várias pessoas terão contacto ao conteúdo e desta forma possivelmente os níveis do conhecimento em torno do acesso a justiça e ao Direito aumentará e as críticas levantadas, possivelmente, serão esclarecidas ou levadas em conta pelos órgãos de Direito, pois ficaram algumas pistas para o melhoramento do texto constitucional.
Como sugestão deixamos as seguintes:
- Sugerimos que outras entidades de carácter singular, munidos de capacidade para realização e promoção de actividades concernente à área jurídica, designadamente: Consulta jurídica, palestras, e outras que possam enriquecer e promover a cultura jurídica em torno dos diversos meios de acesso a justiça e ao Direito;
- É necessário que se reduza o valor das custas processuais, pois tem sido um dos elementos que afugenta os populares da instância processual, recorrendo nalguns casos a justiça por mãos próprias;
- Entendemos que as instituições que lecionam o curso de Direito devem de ajudar os órgãos de Justiça e de Direito no âmbito da sua responsabilidade divulgar à população em geral sobre o que sabem sobre as matérias jurídicas.
- Por outro, sugerimos que nas próximas revisões constitucionais leva-se em conta os elementos críticos levantados nestes artigo e noutros em que nos serviram de base para dar sustentabilidade em torno da sua opinião.
*Estudantes do 4.º ano do Curso de Direito, pelo Instituto Superior Politécnico Privado do Uíge (ISPPU) e Defensores Oficiosos da PGR-Junto ao SIC-Uíge.
Parabéns aos articulistas pela ousadia e autoridade para trazer a tona, e de tal maneira tecer críticas ao texto constitucional, que de certa maneira poderá orientar futuramente o legislador.
Meu bom amigo! Obrigado.