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O SIGILO BANCÁRIO. EXCEPÇÕES E TUTELA PENAL À LUZ DA LEI ANGOLANA E DA JURISPRUDÊNCIA PORTUGUESA.

O SIGILO BANCÁRIO. EXCEPÇÕES E TUTELA PENAL À LUZ DA LEI ANGOLANA E DA JURISPRUDÊNCIA PORTUGUESA[1]

BANK SECRECY. EXCEPTIONS AND CRIMINAL PROTECTION IN THE LIGHT OF ANGOLAN LAW AND PORTUGUESE JURISPRUDENCE

“O segredo bancário não é, na realidade, se não uma variante do segredo profissional, reconhecido como dever na maior parte dos ordenamentos penais do mundo. Nessa medida e independentemente de outras considerações de política económica e financeira, encontra-se ao serviço da protecção de uma esfera da vida privada dos cidadãos: a relativa às suas relações económicas.”

Jesus Maria Silva Sanchez, Tiempos de derecho penal, Edisofer, SL-Madrid B de f, Montevideo-Buenos Aires, 2009, pág. 173.

Valdano AFONSO JR.[2], Luanda – Angola.

Advogado e Docente Universitário

Sumário: 1. Introdução; 2. O segredo bancário. Conceito, fundamento e evolução histórica; 3. O dever de segredo na legislação bancária; 4. Sigilo bancário e os crimes de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo; 5. Sigilo bancário e o FATCA; 6. Garantia do sigilo profissional no âmbito da apreensão em estabelecimento bancário no processo penal; 7. Tutela criminal do sigilo bancário; 8. Quebra do sigilo bancário no âmbito do processo penal; Considerações finais; Referências bibliográficas.

RESUMO

O sigilo bancário assume simultaneamente a natureza de direito, dever e garantia, pois pretende, como se esclareceu no presente artigo, salvaguardar uma dupla ordem de interesses, conforme se reporta às instituições financeiras, em especial, às bancárias e/ou aos seus clientes. No Direito angolano o direito ao sigilo bancário goza de protecção constitucional cristalizada no artigo 32.º da CRA, constituindo-se por isso como que uma regra de ouro, cuja violação é punível designadamente pelo Codigo Penal, pelo Código Civil, pela Lei Geral do Trabalho e pela legislação bancária pertinente, ainda assim não se pode considerar absoluto, podendo ser dispensado, derrogado perante situações expressamente previstas na lei ou aprovados em regimes infra legais derrogatórios específicos, cujo fito, teme-se, seja o de anunciar ou principiar o fim da era do sigilo bancário. O presente estudo discorreu sobre os aspectos gerais respeitantes ao sigilo bancário, natureza, excepções, e tutela jurídico-penal à luz da Lei angolana em vigor, com suporte na doutrina jurídica e jurisprudência, essencialmente, portuguesa. Nele procurou-se identificar e compreender as excepções legalmente admissíveis ao dever de sigilo bancário, bem como analisar o tratamento que lhe é dado pela lei penal angolana, visando responder de forma, fundamentada e objectiva questões como, será o sigilo ou segredo bancário absoluto ou antes poderá ceder perante outros direitos e interesses assegurados pelo Estado ou situações justificáveis, como a necessidade de o Estado prevenir e combater a fraude e evasão fiscais, o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo.

Palavras-chave: branqueamento de capitais, Direito bancário, privacidade, sigilo bancário, violação.

ABSTRACT

Bank secrecy assumes both the nature of law, duty and guarantee, as it seeks, as clarified in this Article, to safeguard a double order of interests, as reported to financial institutions, in particular, to banks and/or their clients. In Angolan law the right to bank secrecy enjoys constitutional protection crystallized in Article 32 of the CRA, thus constituting as a golden rule, the violation of which is punishable inter alia by the Criminal Code, the Civil Code, the General Labor Law and the relevant banking legislation, yet it cannot be considered absolute, and may be dismissed,  derogated from situations expressly provided for by law or approved in specific derogatory infralegal regimes, the purpose of which is feared, whether to announce or begin the end of the era of bank Secrecy. This study discussed the general aspects related to bank secrecy, nature, exceptions, and legal-criminal protection in the light of the Angolan law in force, based on the legal doctrine and jurisprudence, essentially Portuguese. It sought to identify and understand the legally admissible exceptions to the duty of bank secrecy, as well as to analyze the treatment given to it by Angolan criminal law, in order to answer in a reasoned and objective way issues such as, will be absolute secrecy or bank secrecy or may rather yield to other rights and interests guaranteed by the State or justifiable situations,  such as the need for the State to prevent and combat tax fraud and evasion, money laundering and terrorist financing.

Keywords: money laundering, banking law, privacy, bank secrecy, violation.

Quebra de sigilo bancário nas Comissões Parlamentares de Inquérito -  Megajuridico
imagem: megajurídico
  1. INTRODUÇÃO

Na sua modelação jurídico-positiva, o Direito Bancário encontra-se disperso, na generalidade dos ordenamentos jurídicos, por uma pluralidade de fontes normativas, que vão dos tradicionais Códigos de Direito Privado, como o Código Civil e o Código Comercial, a uma série infindável de leis avulsas. Deste ponto de vista, não se pode dizer que exista um Direito Bancário como unidade jurídico-positiva, embora o possamos “construir” como ramo dogmático autónomo, assim defende Almeno de Sá.[3]

O Direito Bancário ou o Direito da banca e do dinheiro abrange com ensina o Professor António Menezes Cordeiro[4], normas e princípios jurídicos conexionados com a banca. O Direito bancário é o Direito especializado no tratamento do dinheiro ou, mais detidamente: da criação e da destruição do dinheiro, da sua circulação, da sua preservação e dos estabelecimentos que dele se ocupam.[5]

O Direito bancário ocupa-se da regulação e estudo dos bancos e demais instituições, as condições de acesso à sua actividade, a regulação ou supervisão, a fiscalização e as diversas regras conexas, numa palavra, da organização do sistema financeiro, por um lado, por outro lado, debruça-se sobre as relações interbancárias e as relações que se estabeleçam entre a abanca e os particulares, isto é, o Direito da actividade bancária em sentido lato. É neste âmbito onde se enquadra o segredo ou sigilo bancário, na medida em que deriva de uma relação jurídica bancária, titulada comummente pelo contrato de conta bancária, correntemente designada por contrato de abertura de conta.

Sobre o tema em análise, há muito que é esperável das pessoas a observância escrupulosa e ortodoxa do dever de confidencialidade imposto nalgumas relações sociais, com relevância jurídica e não só, estabelecidas entre os indivíduos ou entre estes e as instituições. A protecção do interesse comunitário da confiança na discrição e reserva relativamente a identidade dos clientes das instituições financeiras, especialmente as bancárias, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações financeiras, pelos prejuízos que a sua quebra ou violação[6] possa provocar, justificam a sua tutela à luz do designado Direito de ultima ratio, i.é, o Direito Penal.

Os recentes e mediáticos vazamentos de dados bancários de políticos, dentre eles governantes, e empresários ligados à investigação jornalística como o “Pandora Papers”, o “Luanda Leaks”, os não ou menos mediáticos vazamentos de dados bancários perpetrados por banqueiros e bancários, na maior parte dos casos, a pedido de parentes e/ou amigos, ao arrepio do estabelecido na lei, nos códigos de conduta, nas políticas de compliance, tornaram mais evidente a importância e atenção que se deve dar ao instituto «sigilo bancário». Violação do sigilo bancário sobre os dados bancários das pessoas, sejam elas políticos e/ou governantes, empresários, artistas, etc., devem constituir preocupação de todos quanto devem elucidar e velar pelo sigilo bancário ou do respeito deste relevante dever. A par disso, a problemática do sigilo bancário ganha ainda outros contornos preocupantes, agora com a possibilidade de celebração dos designados contratos de homebanking que permite uma panóplia de operações bancárias, online, realidade confrontada com algumas técnicas de fraudes informáticas, com realce para o phishing e o pharming realizadas por hackers. Não é este, entretanto, o foco da nossa pesquisa.

Segundo Alberto Luís, in O Segredo Bancário em Portugal[7]:

A inviolabilidade da vida privada constitui um princípio moral que o próprio direito defende e proporciona como um dos atributos da personalidade; e o princípio tanto se aplica às pessoas físicas (singulares), como às pessoas jurídicas (colectivas). O segredo bancário diz respeito, predominantemente, à esfera privada de ordem económica, que é merecedora de tutela, tanto ou mais que outros aspectos. As pessoas falam mais facilmente na sua saúde que da sua situação de fortuna. «Aquele que pergunta pela nossa saúde não nos parece indiscreto. Nós vemos nisso uma prova de interesse, mais do que indiscrição. Pelo contrário, não passará pela ideia de ninguém perguntar a uma pessoa conhecida se ela tem um depósito de títulos no banco» (Delachaux).

O dever de discrição quanto à zona de reserva ou vida privada das pessoas reveste-se de especial importância em relação a actividades profissionais que se exercem através do conhecimento de factos respeitantes à natureza íntima dos outros: sacerdotes, médicos, advogados, banqueiros, etc. Daí que ao segredo profissional corresponda um tipo de ilícito, sempre que se verifique ofensa da privacidade (privacy).

O problema é cada dia mais extenso e mais melindroso, porque também cada dia é maior o contraste de interesses entre quem guarda as informações e quem as recolhe para delas fazer um uso (público ou privado). Nesta época do computer, toda a zona de reservaou privacy está sob ameaça de conquista por parte da monstruosa burocracia que transforma os indivíduos em fichas e os reduz a uma síntese de dados registados segundo critérios pré-ordenados e impiedosos. De tal modo que o conflito já se trava menos entre o segredo e a sua divulgação, do que entre o segredo e o controlo da sua veracidade. O indivíduo é presa de uma antropologia de sinais e conotações, já não vive na sua cidadela, mas numa casa de vidro.

Alberto Luís, in O Segredo Bancário em Portugal.

Com o sigilo bancário, o legislador pretende, pois, rodear da máxima discrição a vida privada das pessoas, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais a eles ligados. Há por exemplo violação do sigilo bancário na informação sobre o montante de um depósito prestada por um funcionário em exercício de funções no Banco depositário à pessoa que não figurava como titular desse depósito e caso se pretenda lançar mão à responsabilidade civil, fora as responsabilidades criminal e disciplinar, na indemnização ao depositante titular do depósito deve considerar-se abrangida a referente aos danos morais. Como afirmam Isaías Costa Dias e Evaldo Lopes de Alencar, in Os Tribunais de Contas e o Sigilo Bancário[8] «visa a lei, assim, evitar que atos e fatos relacionados com as operações bancárias sejam ventilados, sejam noticiados, sejam propalados aos quatro ventos por pessoas de pouco escrúpulo.» Nesta vertente, o segredo bancário destina-se a tutelar a privacidade e o bom nome dos clientes bancários e a proteger o funcionamento normal das instituições, evitando a degradação da sua imagem e a desconfiança entre o público.

Continue a ler no documento abaixo:


[1] Artigo JuLaw 006/2022, publicado aos 14/01/2022.

[2] Conta JuLaw: http://julaw.ao/user/valdanoafonsojr/ ; Pós-graduado em Compliance e Combate ao Branqueamento de Capitais pelo Centro de Estudos de Ciências Jurídico Económicas e Sociais da Universidade Agostinho Neto (CEJES – UAN), 2018.

[3] Almeno de Sá, Direito Bancário, Coimbra Editora 2008.

[4] António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3.ª Edição, Almedina, 2008, págs. 21 e seguintes.

[5] Palavras de SCHWINTOWSKI/SCHÄFER, Bankrecht / Commercial Banking – Investment Banking, citados por A. Menezes Cordeiro in ob. cit. pág. 23.

[6] Este é um risco que nunca se pode descurar, pois o homem é imperfeito e errar é humano, apesar de defender-se que «Errare humanum est, perseverare autem diabolicum». Na banca, o risco operacional é um facto. Risco operacional é o proveniente da inadequação dos processos internos, pessoas ou sistemas, possibilidade de ocorrência de fraudes, internas e externas, bem como dos eventos externos. Inclui o risco de sistemas de informação e de compliance. Cfr. Aviso do BNA n.º 10/2021 de 18 de Junho – Código do Governo Societário das Instituições Financeiras, publicado no Diário da República, I série, n.º 131, de 14 de Julho de 2021.

[7] Vide, Revista da Ordem dos Advogados, ano 41, Vol. II, maio-agosto, 1981, pág. 455.

[8] Disponível em: http://www.amprs.com.br/public/arquivos/revista_artigo/arquivo_1285251679.pdf,

consultado a 03.01.2022.

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