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REFLEXÃO JUS-RELIGIOSA SOBRE A PROBLEMÁTICA DO ABORTO

REFLEXÃO JUS-RELIGIOSA SOBRE A PROBLEMÁTICA DO ABORTO: ADMISSIBILIDADE E INADMISSIBILIDADE. ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO TIPO E PUNIBILIDADE.[1]

Jus-Religious Reflection On The Problem Of Abortion: Admissibility And Inadmissibility. Characterizing Elements Of The Type And Punibility.

Albertino TOMÉ*[2], Huambo – Angola.

*Licenciado em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade José Eduardo dos Santos, Advogado.

“Nenhum saber é saber completo.”

Galileu Galilei

SUMÁRIO: Introdução; 1. A dignidade da pessoa humana; 2. O direito à vida; 3. Da laicidade do Estado. Incursão sumária; 4. Inviolabilidade do direito à vida; 5. Do parecer da igreja. Perspectivas religiosas: catolicismo, protestantismo, islamismo, hinduísmo, budismo e judaísmo; 6. A posição do Código Penal angolano face ao aborto; 7. Elementos típicos do crime de aborto; 8. No conflito entre os direitos da mãe e os do feto. Quais prevalecem?; Conclusão; Referências bibliográficas.

RESUMO: O artigo, por nós proposto, aborda a questão do aborto numa dimensão jus-religiosa.  Com ela, se pretende indagar o valor da vida intra-uterina, na perspectiva legal, bem como procura saber o entendimento que a igreja apresenta face ao problema levantado – aborto. Outrossim, far-se-á uma breve alusão as condições da permissibilidade do aborto. Destarte, em tom sumário, a sustentação de defender o direito ao aborto não corresponde a presunção de que o feto não possui valor algum, e que em qualquer momento a mulher pode interromper a sua gestação, todavia, existem situações que, quando verificadas e ponderadas, podem permitir a mulher gestante a abortar, sem que, portanto, conheça algum tipo de responsabilidade penal. Situações estas que vão desde a mal formação do feto ao risco da vida da gestante.  O facto é que o aborto continua sendo uma prática reprovada por lei e pelas demais crenças religiosas, cujas sanções, vão desde a privação da liberdade ao pecado contra os ditames da igreja.

Palavras-chave: Vida; Aborto; Crime e Religião.

Abstract: The article, proposed by us, addresses the issue of abortion in a juridical-religious dimension. With it, it is intended to investigate the value of intrauterine life, from a legal perspective, as well as trying to find out the understanding that the church presents regarding the problem raised – abortion. Furthermore, a brief reference will be made to the conditions of permissibility of abortion. Thus, in summary, the support of defending the right to abortion does not correspond to the presumption that the fetus has no value, and that at any time the woman can interrupt her pregnancy, however, there are situations that, when verified and considered , may allow the pregnant woman to have an abortion, without, therefore, knowing any type of criminal responsibility. These situations range from fetal malformation to the risk of the pregnant woman’s life. The fact is that abortion continues to be a practice disapproved of by law and by other religious beliefs, whose sanctions range from deprivation of liberty to sin against the dictates of the church.

Keywords: existence; abortion; crime; religion.

Introdução

Prefaciando, o aborto pressupõe a interrupção da gravidez resultante da remoção de um feto ou embrião antes de este ter a capacidade de sobreviver fora do útero.

Na verdade, no que toca à descriminalização do aborto, tem-se, presente, uma questão deveras sensível e polémica, em função do bem tutelado. Todavia, deve ser ponto assente que, quando falamos em descriminalização do aborto, não estaremos perante à uma absolutização ou categorização da respectiva descriminalização. Mas sim, na possibilidade de exclusão da ilicitude, ou da justificação dos factos, quando o aborto ocorre em determinadas circunstâncias, geralmente, clinicamente recomendáveis.[3]

Destarte, a inviolabilidade do feto, a violação sexual ou quando tem de se decidir entre a vida da mãe e a vida do filho, constituem, à partida, algumas circunstâncias em que excepcionalmente a intervenção do Direito Penal, não se coloca em causa.

Ao abrigo do Código Penal vigente no solo pátrio, o aborto é um crime punido com pena de prisão que vai dos dois aos oito anos, salvo quando cometido para ocultar a desonra da mulher ou quando esta decida abortar em virtude de relações forçadas.

A razão que serviu de substracto, para a identificação do tema e a consequente abordagem do mesmo, alicerçou-se do “dilema”: vida intra-uterina versus despenalização do aborto.

Em função dos debates acesos que de forma reiterada, se colocam, quer ao nível da sociedade civil, quer ao nível das igrejas, correspondendo, portanto, questões que não encontram unanimidade em vários estratos da nossa sociedade. Exemplificando, há indagações como: será que a vida não deve ser protegida a qualquer custo? Qual é a justificação bastante para interromper uma gravidez? Como punir ou atenuar tal acto? Qual é o valor da vida face às demais confissões religiosas? Entretanto, estas e outras, geraram, em nós, curiosidade bastante para desenvolvermos este artigo científico.

  1. A dignidade da pessoa humana.

Do latim “dignitas”, dignidade significa tudo aquilo que merece respeito, consideração, mérito ou estima.[4]

O princípio da dignidade da pessoa humana está consagrado no art.º 1.º da Constituição, considerando-o como o princípio reitor de todos direitos fundamentais ínsitos na Lei Suprema, na legislação ordinária e nas Convenções internacionais e regionais de que Angola seja parte. Razão pela qual, Angola é uma República que tem como base a “a dignidade da pessoa humana.”

Neste diapasão, Cretella JÚNIOR ao comentar a Constituição Brasileira entende que a pessoa humana, seja qual for a sua origem, sem discriminação de cor, raça, sexo, religião, convicção política e filosófica tem direito de ser tratado pelos seus semelhantes, como “pessoa humana”, sendo aviltante e merecedor de combate qualquer tipo de comportamento que atente contra o direito à vida.[5]

PENA JÚNIOR, confirma esta ideia, ao entender que a dignidade da pessoa humana aglutina em torno de si todos direitos e garantias fundamentais contidos na Constituição, desde o direito à vida, passando pelo direito à liberdade, até chegar à realização plena, ao direito de ser feliz. Este princípio fundamenta-se na valoração da pessoa humana como fim em si mesma e não como meio ou objecto  para a consecução de outros fins.[6]

Para Sarlet, Ingo e Wolfgang a dignidade enquanto qualidade intrínseca de todo o ser humano e inerente a ele se traduz primordialmente na capacidade de decidir livre e racionalmente qualquer modelo de conduta, com a consequente exigência de respeito por parte dos demais. Este princípio preocupa-se com a defesa da vida digna onde o ser humano nunca seja tratado como um meio ou coisa.[7]

Continue a ler no documento abaixo:


[1] Artigo JuLaw n.º 002/22 (p. 18 – 38), publicado aos 07/01/2022.

[2] Conta JuLaw: http://julaw.ao/user/albertinotome/

[3] MOTA LIZ, Luís de Assunção Pedro da. Despenalização do aborto em Angola: um tema que divide opiniões. Perspectiva do Subprocurador Geral da República, in DW, vide: https://www.dw.com/pt-002/despenaliza%C3%A7%C3%A3o-do-aborto-em-angola-um-tema-que-divide-opini%C3%B5es/a-17099193, consultado 01/01/2022.

[4] Cfr. SERRÃO, Daniel. & NUNES, Rui. Ética em cuidados de saúde. Porto, Porto Editora, 2001, p. 18. 17.

[5] Cfr. JÚNIOR, José Cretella. Constituição Brasileira de 1998. Rio de Janeiro, Forense, 1998.

[6] Cfr. PENA JÚNIOR, Moacir César. Direito das pessoas e da família: doutrina e jurisprudência. São Paulo, Saraiva, 2008, p. 90.

[7] Cfr. INGO, E. et al. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Brasileira de 1998.

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