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SITUAÇÃO DE CALAMIDADE: LEGISLADOR ESTÁTICO E POUCO ELOQUENTE

Artigo de opinião n.º 002/2022

SITUAÇÃO DE CALAMIDADE: LEGISLADOR ESTÁTICO E POUCO ELOQUENTE

Felisberto COSTA[1]

O Estado de Emergência em Angola entrou em vigor meia noite do dia 27 de Março de 2020, e foi instituído pelo Decreto Presidencial n.º 81/20, de 25 de março. Naquela altura, havia fenómenos que o legislador não tinha vivenciado; o próprio fenómeno só era revelado pelo nascimento do vírus SarsCov-2 ou Covid-19 e os factos que gerou a seguir.

De modos que, naquela altura, justificava-se (em tese) que o legislador tivesse necessidade de balizar as questões essenciais desse período de necessidade constitucional, com grande densidade (volume) e força (intensidade) da norma. O país abandonou o estado de emergência (e entrando em Estado de Situação de Calamidade), por conseguinte, as normas perderam intensidade e densidade.

Desse modo, há menos Estado na vida dos cidadãos. O Estado está proíbido de imiscuir-se nos direitos, liberdades e garantias (constitucionalmente consagrados), tuteladas pelos cidadãos e nesse caso em concreto, de limitar o direito de ir e vir, permanecer ou abandonar um local, entre às vinte e duas horas de um dia e às cinco horas da madrugada do dia a seguinte.

Depois, sobre os sucessivos DP’s tem-se uma percepção de que o legislador anda em círculos, tateando, e procurando acertar a linha na agulha. O legislador, já tendo vivenciado a realidade, desde março de 2020, parece preferir adoptar uma postura estática.

Porventura, o legislador também tenha experimentado dificuldades em legislar perante uma realidade social com muitas vicissitudes, uma vez que o país (real…) vive da economia informal.

(Por exemplo: o legislador não conferiu intensidade normativa à questão da “proteção especial” aos idosos e pessoas com deficiência, tema que fui convidado, recentemente, a abordar num fórum do comitê paralímpico).

O legislador não explicita, em relação às pessoas com deficiência, o regime de acessibilidade aos serviços da administração pública (alta, média, baixa), se prioritária ou não. O artigo com epígrafe ( “proteção aos idosos”) só muda de lugar nos sucessivos DP’s, porém, mantém estático o seu conteúdo. Desde logo, nunca foi regulamentado e depois, perde em eloquência e sentido de alcance.

Há vida para além da norma jurídica, até por que, o alcance da visão do legislador pode não ir de encontro ao pormenor da vida na comunidade, onde, desde o início da pandemia, os órgãos de segurança experimentaram ou continuam a experimentar dificuldades de acção.

Ademais, apostando na sobrevivência de certos articulados, sucessivamente, nos vários DP’s, pode correr o risco de incutir nos cidadãos a percepção de certa vontade de ignorar a realidade que se vive.

Desse modo, os destinatários da norma podem entender que o legislador não faz menção de entender a dinâmica e realidade das suas vidas.

Põe-se também a questão de se saber de qual campo técnico- jurídico se fala quando do acto da aplicação das multas previstas nos DP’ s.

A este respeito, no dia 14 de Outubro de 2020, o Procurador Geral da República enviou um ofício ao Ministro do Interior, ofício esse que recebeu o número 512 e deu entrada no gabinete do destinatário, no dia 16 de Outubro de 2020. Nesse ofício, o PGR esclarecia que nenhuma das situações puníveis, resultantes das inobservacoes das medidas previstas nos decretos presidenciais, constituem crime ou contravenção. Acrecenta, em resumo, que são transgressões admnistrativas, matéria que trata a Lei n.º 12/11, de 16 fevereiro – Lei das Transgressões Administrativas.

Desse modo, como dispõe o artigo 16.º (desse mesmo diploma) o agente da autoridade deve, em caso da transgressão, lavrar o auto de notícia e informar ao transgressor que tem o prazo 30 (trinta) dias para pagar a multa, voluntariamente. Não o fazendo, voluntariamente, o auto de notícia serve de Título Executivo (TE) e a aplicação da multa deve ter em atenção a condição económica da pessoa multada (número 1 do artigo 35.º – DP n.º 106/21, de 28 de Abril).

Luanda, Junho 2021


[1] Licenciado em Direito. Conta JuLaw: http://julaw.ao/user/felisbertocosta/

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