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SOBRE O ACÓRDÃO N.º 700/21 DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E OS SEUS LABIRINTOS

SOBRE O ACÓRDÃO N.º 700/21 DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E OS SEUS LABIRINTOS

Luís Paulo MONTEIRO[1]

No ordenamento jurídico angolano existe uma imposição estatutária aos advogados que nos obriga a não comentar nem promover a discussão pública de processos pendentes em tribunal excepto quando estes tenham transitado em julgado.

O Acórdão nº 700/21 do Tribunal Constitucional (TC) foi tornado público, em 08 de Outubro de 2021, não tendo transitado em julgado no dia 18 de Outubro de 2021, uma vez que, o TC recebeu um subsequente pedido de aclaração do acórdão.

Ultrapassado que foi o obstáculo deontológico que nos impedia de comentar publicamente o Processo n.º 887-A/21 e o seu Acórdão n.º 700/21 do TC, eis a minha opinião, em jeito de resposta, aos pedidos de alguns advogados estagiários e estudantes de Direito.

Desde logo, chamo a vossa atenção para o labirinto que não deveis usar ao comentar, por escrito, o caso em análise. A palavra “acordão” sem o acento agudo no “o”. As duas formas – acórdão e acordão – existem na língua portuguesa. São palavras com significados diferentes.

O Proc. n.º 887-A/21 foi julgado em 1ª instância pelo TC.

Aceda aos Acórdãos do Tribunal Constitucional de Angola de forma gratuita -  JuLaw - Plataforma Jurídica

O TC, como é do domínio público, é um Tribunal Superior instituido no ordenamento jurídico Angolano, sendo constituido por 11 (onze) juízes Conselheiros[2].

No caso em análise, (processo n.º 887-A/21), um grupo de cidadãos alguns dos quais afectos ao partido UNITA decidiu juntar-se (consórcio activo) e intentar uma acção para destituição do presidente eleito no XII Congresso da UNITA (pedido).

Inicialmente, coloca-se a questão de saber se o primeiro passo empreendido pelo TC, (recepção directa do requerimento) tem o respaldo jurídico – processual – constitucional.

Dito de outra forma, é necessário saber o que diz a regulamentação processual no caso de membros afectos a um partido político pretenderem impugnar a deliberação de um Congresso.

Congresso da UNITA: Galo Negro quer cantar em uníssono | Angola | DW |  02.12.2021
B. Ndomba (DW)

Seguindo de perto o estatuto do Partido UNITA aprovado no XII Congresso (Dezembro 2015), o primeiro passo dos requerentes (membros) deveria ter sido a elaboração de um recurso interno para o Conselho Nacional de Jurisdição da UNITA[3].

A decisão do recurso interno (corrigida ou não) caberia à apreciação duma instância judicial superior, no caso, o TC. Entenda-se a decisão da Conselho Nacional de Jurisdição é que seria susceptível de recurso para o TC.

É exactamente para esse fim que existem instâncias de recurso.

Este é o nosso entendimento sobre a ratio legis dos recursos.

Todavia, o TC recepcionou (directamente) o requerimento inicial do Proc. n.º887-A/2021 , em Maio/2019, isto é, 1 ano e 7 meses, após a realização do XIII Congresso.

Acto contínuo, o TC não conheceu, imediatamente, do prazo legal imposto para os casos desta natureza, constante na Lei Angolana das Associações Privadas, LAP – n.º 06/12, de 18 de Janeiro[4].

O descaso destas duas imposições processuais legais conduziram a tramitação do processo a sinuosos labirintos que culminaram com a assinatura favorável do acórdão por 6 (seis) dos 11 (onze) Venerandos Juízes Conselheiros que compõem o TC.

Os juízes devem ser sempre absolutamente livres nos seus julgamentos e não podem ser sancionados por isso. Houve um voto contra.

Entre nós, a rejeição dos recursos tem sido prática frequente do TC a maior parte das vezes porque lhes falta ou o fundamento, ou ainda a relevância jurídico – constitucional. Faltam as duas condições: a primeira, para que haja recurso legal da decisão recorrida e, a segunda, que os recursos sejam interpostos dentro do prazo legal.

Significa que se nos sentirmos injustiçados, seja por um acto judicial, seja por um acto administrativo, temos que esperar atravessar essa via de recursos para podermos pôr os pés no TC.

A lei estabelece que cabe recurso extraordinário de inconstitucionalidade de qualquer decisão judicial que contrarie ou viole um direito fundamental exigindo, porém, que o recurso só deva ser apreciado pelo Tribunal Constitucional depois de esgotados todos os outros recursos legalmente previstos.

Em 2008, os pressupostos processuais não exigiam o esgotamento dos recursos e foi por isso que o célebre ‘Caso SME’ foi parar ao Tribunal Constitucional sem passar pelo Tribunal Supremo e os réus foram libertados. Este caso esteve na base da alteração legal que ocorreu em 2010, obrigando ao esgotamento dos recursos como ainda é exigido.

Os procedimentos que acabamos de relatar devem ser seguidos na espécie de processos relativos aos Partidos Políticos e Coligações[5].

Prosseguindo, vamos falar sobre dois incontornáveis labirintos do Acórdão n.º 700/21 do TC, e manifestar, o nosso entendimento.

Primeiro: A UNITA em sua defesa/contestação (por excepção), argumenta que o advogado dos requerentes, o mandatário judicial juntou cartão de identidade de advogado fora do prazo de validade, o que considerou ilegítimo para proceder ao mandato judicial.

Após apreciação, o TC considerou que bastava apenas estar inscrito na Ordem dos Advogados de Angola (OAA) para o exercício da profissão da advocacia, conforme interpretou o n.° 2 do artigo 3.° da Lei n.º 08/17, de 13 de Março, sendo que, a caducidade do cartão de advogado, cujo prazo é de dois anos, não implica a impossibilidade da prática de actos de advocacia.

Clarificando: O TC diz que, para o exercício da advocacia em Angola, basta simplesmente a inscrição na OAA, mesmo que, no entanto, se tenha o cartão de advogado caducado.

Ordem dos Advogados de Angola - Associação profissional - OAA | LinkedIn

Em bom rigor, a cartão de identidade do advogado é o documento que possibilita o advogado identificar-se como estando inscrito na OAA.

Daí que o prazo de validade do cartão de identidade e a sua consequente renovação não impedem o exercício de defesa (direito fundamental) por parte de um advogado regularmente inscrito.

Contudo, acarretam responsabilidade disciplinar ao advogado por violação dos seus deveres deontológicos para com a OAA.

Por conseguinte, neste e noutros casos similares, os tribunais devem dar a conhecer estas faltas deontológicas à OAA.

Pelas faltas deontológicas no exercício da profissão, os advogados não devem ser sancionados duas vezes, isto é, primeiro, no tribunal, e depois, pela OAA (Processo Disciplinar).

Esteve bem o TC ao solicitar um pronunciamento da OAA sobre a caducidade do cartão de identidade do advogado, pois compete ao Conselho Nacional da Ordem dos Advogados, no âmbito do seu Estatuto, deliberar sobre todos os assuntos relativos à advocacia, sem prejuízo, da deliberação ser suscitada e decidida, em tribunal, pois, são os tribunais que decidem em último lugar.

Recordamos que, a responsabilidade disciplinar dos advogados é da exclusiva competência da OAA[6].

Segundo: Na sua apreciação, o TC considera que nas acções judiciais que envolvam partidos políticos e coligações de partidos políticos, dispensa-se a constituição obrigatória de advogado.

Este argumento do TC, contende com a alínea c) do n.°2 do art. 32.° do CPC, que impõe a constituição de advogados nas acções judiciais que corram trâmites nos tribunais superiores. O TC é um tribunal superior[7].

No direito, os juízes não são impedidos de ter uma interpretação própria sobre determinado assunto, desde que essa interpretação não conflitue a Lei de forma direta. Com efeito;

Fica registrado a partir do Acórdão n.º 700/21 do TC que, nas acções judiciais que envolvam partidos políticos e coligações de partidos políticos, dispensa-se a constituição obrigatória de advogado[8].

Jurisprudência é um termo jurídico que pode ser entendida de três formas, como a decisão isolada de um tribunal que não tem mais recursos, pode ser um conjunto de decisões reiteradas dos tribunais, ou as súmulas de jurisprudência.

Bastonário da Ordem de Advogados de Angola reflete sobre Acórdão 700 do TC  e seus labirintos - Angola24Horas - Portal de Noticias Online
Luís Paulo Monteiro, Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (Angola 24h).

Por conseguinte, fica notório que o TC decidiu, neste caso, contra o entendimento legal do artigo 2.° da Lei do Processo Constitucional quando estabelece que, “aos processos de natureza jurídico-constitucional, em tudo quanto não esteja expressamente previsto na legislação reguladora do Tribunal Constitucional, aplicam-se com as necessárias adaptações, as normas do Código de Processo Civil”.

Os argumentos do TC relativos aos “(…) princípios da adequação funcional e do direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, pág. 30 do Acórdão n.º 700/21 do TC não colhem, por contrário, à interpretação do texto constitucional.

Pelo que, nos termos, em que foi feita a declaração do TC de dispensa de constituição obrigatória de advogado, nos processos que envolvam partidos políticos ou coligações de partidos políticos representa um retrocesso na luta pela dignificação da advocacia, da efectiva profissionalização do exercício da advocacia,e, pelo respeito dos actos próprios dos advogados (patrocínio judicial) conquistas alcançadas com a Constituição da República de 2010.


[1] Advogado. Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola.

[2] Artigo 180.º da Constituição da República de Angola (CRA).

[3] Artigo 69.º do Estatuto da UNITA de 2015.

[4] Alínea b), do n.º 3 do artigo 178.º do Código Civil (CC).

[5] Alínea d) do artigo 63.º da Lei n.º 03/08, de 17 de Junho.

[6] Art. 194.º da CRA.

[7] Art.º 176.º da CRA.

[8] Página 30.

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