PROCESSO CIVIL: NOVO CÓDIGO OU CÓDIGO NOVO? BREVES REFLEXÕES.
Daniel Félix SAMALAMBO[1]
“Mais do que uma geração tecnicamente capaz, precisamos de uma geração capaz de questionar a técnica, uma juventude capaz de repensar o país e o mundo, mais do que gente preparada para dar respostas, necessitamos de capacidade para fazer perguntas”
Mia Couto
Resumo: O presente trabalho, objectiva discorrer acerca da Proposta de Lei de Código de Processo Civil. Seu escopo é contrastar as suas principais inovações às insuficiências do código vigente, inspirados nas palavras do insigne Dr. João Correia[2], a propósito da reforma do Código de Processo Civil Português de 2013, quando dizia que, “seria necessário ou desejável optar por soluções aonde se alcancem o máximo denominador comum, entre a consagração de um Código Novo, mas ao mesmo tempo, que contenha instrumentos suficientes para promover as imprescindíveis alterações na modelação processual, nos relacionamentos, na deontologia e na responsabilização, obtendo-se por essa via, um Novo Código capaz de compaginar um Código Novo”.
Palavras-chaves: processo civil; sistema jurídico angolano.
Abstract: This work aims to discuss the proposed Civil Procedure Code Law. Its scope is to contrast its main innovations with the shortcomings of the current code, inspired by the words of the distinguished Dr. João Correia, regarding the reform of the Portuguese Civil Procedure Code of 2013, when he said that, “it would be necessary or desirable to choose solutions where the highest common denominator is reached, between the enshrinement of a New Code, but at the same time, which contains sufficient instruments to promote the essential changes in procedural modelling, relationships, deontology and accountability, thus obtaining a New Code capable of collating a New Code”.
Key-words: civil procedure; angolan legal system.
Sumário: 1. Introdução; 2. Questões metodológicas e/ou até mesmo ideológicas subjacentes à proposta; 3. Os grandes desafios do sistema judicial Angolano e a PLCPC; 3.1. Da acção declarativa comum; 3.1.1. Dos Articulados; 3.1.2. Da audiência preliminar e do despacho saneador; 4. Da acção executiva; 5. Conclusões.
- Introdução
É notório, ainda que aos olhos de um homem pouco avisado, que a República de Angola, experimenta novos desafios nos vários domínios, e o direito é chamado de forma especial, a uma reforma mais profunda, de modo a ajustar-se aos desafios assumidos pela sociedade, sobretudo o da justiça social, justificando-se assim, a tão aclamada e louvada “reforma do direito e da justiça”.
É neste apanágio que surge a proposta de lei de Código de Processo Civil (doravante PLCPC) que chega tarde, valendo aqui, porém, a velha máxima popular, “mais vale tarde do que nunca”.
Ora, quando se fala em reformas, sobretudo no domínio do direito, a grande questão que nuca deve ser evitada, é a de saber em que termos tais reformas satisfarão melhor os desígnios de justiça, socorrendo-nos na ideia de que a “justitia” constitui o fim último do direito.
Destarte, é imperioso refletirmos acerca do estado actual da justiça cível, para podermos identificar os grandes problemas que a assolam, cuja complexidade o código vigente não consegue responder.
Curamos, fruto da pouca ou quase nenhuma experiência forense que carreamos, que a maior patologia que enferma o sistema, salvo melhor entendimento, é a morosidade processual, considerando o facto de que os processos independentemente da sua complexidade e do formalismo que se lhes aplica, chegam a demorar tempo o suficiente para colocar o tribunal, em situação de “quase” denegação de justiça por omissão, esbarrando às normas do artigo 29.º da Constituição da República de Angola (doravante CRA), que estabelece o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva[3].
Nestes termos, não seria ao todo excessivo, para melhor salvaguarda de um direito constitucionalmente consagrado, exigir do futuro código, formalismos menos apertados (desformalização), consubstanciados não necessariamente na diminuição de prazos processuais concernentes aos actos, tanto dos juízes como da secretaria, porque neste quesito, andou bem o legislador de 1961[4].
Ademais, é importante que crie mecanismos legais de controlo dos actos do tribunal, sobretudo da secretaria, e a sua consequente sindicância, porquanto, é aqui aonde o verdadeiro problema é colocado, uma vez que, o código vigente não responde tal questão de forma eficiente. Aliás, confia demais no bom senso do Tribunal (Juízes e funcionários do cartório) para a consecução de uma justiça célere.
Para sermos mais concretos, é só atentarmos ao simples facto de que, em muitos casos, o próprio Tribunal não adequa os seus actos às exigências da forma ou natureza do processo, e as partes não podem lançar mão a um mecanismo que seja de facto enérgico para a situação, porque há uma grande lacuna na própria lei processual nesta matéria. É momento de ultrapassarmos a velha e retrógrada ideia segundo a qual não se pode exigir do Tribunal maior celeridade. Os usuais requerimentos de impulso processual, acabam sendo vexatórios para os mandatários judiciais que vêm neles a única esperança para um verdadeiro “due process f law”. É por este motivo que acreditamos ser imprescindível que haja maior ponderação para que tenhamos um verdadeiro código forjado a mercê das verdadeiras exigências jurídico-forenses.
- Questões metodológicas e/ou até mesmo ideológicas subjacentes na proposta
Para um entendimento profícuo de algumas matérias imanentes na proposta objecto de análise, impõe-se a “priori” analisar algumas questões ideológicas e metodológicas nela subjacentes.
Nesta ordem de ideias, impõe-nos grosso modo, uma viagem em torno das reformas do direito processual civil de 1961, que marcou largamente uma rotura definitiva não só na ideologia do direito processual civil dominante, como também a grande reviravolta naquilo que era a metodologia do direito processual civil de até então.
Lê-se no relatório de fundamentação do Código de Processo Civil de 1961 no ponto n. 1 o seguinte:
“O processo civil anterior às reformas empreendidas a partir de 1926 assentava, como de todos é sabido, sobre uma concepção essencialmente privatística da relação processual. Era às partes que competia, por força do princípio da livre disponibilidade da relação material levado até às suas derradeiras consequências, não só a tarefa de impulsionar a actividade dos tribunais e de definir as pretensões sujeitas à apreciação jurisdicional, como o encargo de carrear para o processo todo o material probatório de que ao juiz era lícito conhecer na apreciação da matéria de facto por elas delimitada”.
Ainda pode ler-se no mesmo ponto, que:
“O juiz assistia, numa posição puramente passiva destinada a garantir a imparcialidade do tribunal, ao desenrolar da luta que os pleiteantes dirimiam entre si. O defeito fundamental do sistema, que, além do mais, impedia a necessária fiscalização da actividade instrutória desenvolvida pelas partes, era ainda agravado por outras circunstâncias especiais, como fossem a excessiva relevância atribuída ao formalismo processual, a par das sérias restrições opostas à livre apreciação do tribunal na própria fase do julgamento”.
Foi assim que se reconheceu, que o antigo direito Processual Civil que vigorou para lá dos tempos de 1926, era completamente desajustado, e neste sentido, pode ler-se no relatório de fundamentação no seu ponto n.º 2 o seguinte:
“A breve trecho se reconheceu que o antigo direito adjectivo todo decalcado sobre os postulados fundamentais do liberalismo individualista, já não correspondia às exigências dos tempos modernos, que reclamavam um predomínio mais seguro da justiça material sobre a pura justiça formal e, consequentemente, uma intervenção mais activa do juiz no desenvolvimento da relação processual”.
Assim, deu-se início à profundas reformas que entre nós culminaram com aprovação do Decreto-Lei nº 44.129/1961, de 28 de Dezembro, que grosso modo veio reforçar as reformas ora iniciadas.
Decorrido “pouco mais” de meio século, constata-se uma gritante necessidade de adequação da lei processual civil ao contexto sócio-jurídico da actualidade, sobretudo, à olhar pelos desafios impostos pela Constituição da República de Angola aprovada em 2010, que ultrapassa largamente ideologia de um Estado democrático de Direito Liberal, consagrando-se expressamente nela, um Estado Democrático de Direito Social, com grandes reflexos na estruturação do sistema judicial e no papel do Juiz na prossecução da justiça.
A partir daqui, parece-nos claramente evidente que os velhos problemas de um passado que remontam antes do nascimento da República de Angola como Estado, nos alcançaram, daí a necessidade de uma nova lei processual civil, alinhada aos interesses actuais da sociedade.
Entretanto, importa aludir que a semelhança das reformas acima citadas, parece-nos que, a presente reforma assenta igualmente nos mesmos pressupostos, nomeadamente, o reforço da posição do Juiz no processo, a sobreposição reforçada da justiça material sobre a justiça formal, com ressalva da conformação dos actos processuais ao contexto tecnológico actual. Daí que curamos, não se tratar ao certo, de uma ruptura metodológica nem ideológica, mas sim de uma continuidade das reformas supramencionadas, com a devida ressalva já feita acima.
- Os grandes desafios do Sistema Judicial Angolano e a PLCPC
Já foi aludido acima, que o contexto actual, impõe inúmeros desafios, sobretudo, a necessidade de criação de mecanismo conducentes a mitigar a questão da morosidade processual, que tem sido o grande “calcanhar de Aquiles” do nosso sistema judicial. E não seria excessivo nem ilegítimo afirmar em consequência, que a justiça que os tribunais Estaduais oferecem, acaba sendo ao fim à cabo, bastante injusta de tanta morosidade que enferma, partindo do pressuposto de que uma justiça lenta é em sí mesma injusta.
Ademais, os desafios sócio-económicos do país, mormente a diversificação de economia, o combate à pobreza, e a gritante necessidade de criação do tão propalado ambiente favorável de negócios para atrair investidores estrangeiros, clamam altissonantemente por um sistema judicial mais proactivo para o alcance de tais desideratos.
É só termos em atenção o simples factos de que, a possibilidade se obter justiça em tempo útil, é em si mesma um critério para se atrair investimentos estrangeiros, e por conseguinte, tais investimentos, constituiriam uma importante e decisiva arma no combate à pobreza.
E falando em combate à pobreza, parece-nos que na trilogia tripartida do poder que nos oferece a CRA nos termos do artigo 105.º n.º 1, há a falsa ideia segundo a qual, o poder judicial não tem participação activa, para não incorrer no erro de dizer que, não está alinhado com este desiderato.
Por exemplo, nos processos de União de Facto quer seja por ruptura ou por morte e nos processos de inventário quer orfanológico que facultativo, na maior parte dos casos, os sujeitos activos da relação jurídica processual encontram-se em situação de penúria ou quase penúria, por conta do facto de que o “de cujus” era em quase todos os casos o único provedor do agregado familiar e por consequência, recorrem aos Tribunais, no caso à sala de família, menores e sucessões para, por meio deste obter o acesso aos bens do “de cujus” que infelizmente encontra condicionalismo do factor morosidade, que agudiza ainda mais o seu problema.
Imaginem uma mãe desesperada por soluções, e o Tribunal por factores as vezes incompreensíveis, decide permanecer num silêncio extremamente barulhento?
A propósito, há um mecanismo previsto no artigo 658.º n.º 1 do Código de Processo Civil vigente, que possibilita maior controlo dos actos quer das partes, quer dos funcionários judiciais que tenham cometido alguma negligência no processo.
Mas infelizmente, tal mecanismo é quase inexistente porque, parece existir uma tal solidariedade institucional que na maior parte das vezes retira a sua eficácia. Se tal controlo fosse efectivado, promoveria maior responsabilidade sobretudo no que aos actos da secretaria diz respeito. O mais absurdo é saber que os funcionários do cartório, estão formatados com a infeliz ideia de que os processos devem demorar e não há nada que possam fazer para que sejam mais céleres.
Socorrendo-nos nas palavras de João Pedro Martins[5],quando dizia que “a indiferença e a resignação, são os estados mais destrutivos que uma sociedade pode chegar”, somos de afirmar que temos nas mãos, a soberba oportunidade de resolvermos estes e outros problemas em sede do futuro Código de Processo Civil, porque é um dado suficientemente assente que o contexto actualexige maior responsabilidade de todos os intervenientes, sobretudo do cartório e dos Juízes, e tal responsabilidade, sublinhe-se, só será garantida mediante à comandos legais.
Negamos veementemente resignar-nos com o argumento da desproporcionalidade entre funcionários “versus” volume de trabalho, porque parece-nos velho demais, por isso é que insistimos teimosamente na ideia, de que o futuro Código de Processo Civil, crie mecanismos processuais que tenham como fito, ultrapassar ou pelo menos mitigar as questões ora levantadas, sendo que qualquer novidade que se queira introduzir, passe incontornavelmente, no crivo de utilidade, a ponto de ser questionada, em que termos poderá contribuir para uma melhor consecução da justiça?
- Da Acção Declarativa Comum
Relativamente ao processo comum declarativo, a reforma propõe um regime diferente no que diz respeito às formas de processo, no seu artigo 462.º, suprimindo assim do processo declarativo comum, a forma de processo sumaríssima.
Ora, parece-nos um regime mais vantajoso do ponto de vista da simplificação do formalismo, não obstante acharmos que urge a necessidade maior audácia, a semelhança do código de processo civil português com a reforma de 2013, que consagrou forma única para o processo comum declarativo nos termos do artigo 548.º. O mesmo caminho foi seguido pelo legislador Brasileiro com a reforma de 2015, nos termos do seu artigo 318.º.
Neste ponto, parece-nos claramente que a presente reforma, quer passar uma ideia de cautela, inobstante a tendência do processo civil da modernidade, caminhar para a “desformalização” total das formas de processo.
Tal como temos estado a afirmar desde o princípio, o excesso de formalidades ainda imanente no código vigente, é responsável por um quinhão significativo de culpa, na patologia morosidade processual. Logo, não é ao todo incorreto, saltarmos para uma reforma mais contundente e audaz, capaz de superar as deficiências atrás apontadas, até porque, adivinha-se um longo período até a próxima reforma, salvo o erro.
Ademais, não nos parece que a simples supressão da forma de processo sumaríssima da acção declarativa comum, seja vantajosa por si só, tendo em conta o fim que se pretende alcançar com a presente reforma.
Mais do que isso, é assaz importante garantir que os processos cujos valores sejam iguais ou inferiores a metade da alçada do tribunal de comarca, não obstante seguirem a forma sumária, lhes seja reservado um formalismo diferenciado criando assim, uma situação clara de promoção de justiça processual. Do contrário, não serão visíveis os efeitos práticos da reforma neste quesito, lembremo-nos que a ideia é desmantelar o máximo possível qualquer formalismo despiciendo.
- Dos Articulados
A proposta mantem os elementos essenciais relativos aos requisitos internos da Petição inicial, constantes no artigo 467.º do código vigente, com excepção do aditamento na proposta da al. b) referente a obrigatoriedade de indicar o domicílio profissional do mandatário judicial do Autor, número de telefone, correio eletrônico e número de identificação fiscal, a apresentação do rol de testemunhas e a possibilidade de requerer outras provas já na petição inicial, nos termos do n.º 2 do artigo 467.º da PLCPC.
Entretanto, neste capítulo, é a nível dos despachos liminares que a presente proposta mais se demarca do código de processo civil ainda em vigor, com supressão dos despachos liminares de indeferimento e aperfeiçoamento.
Gostaríamos de abrir um parêntese para dizer à breve trecho que, relativamente apresentação do rol de testemunhas e outras provas já na petição inicial ou na contestação (uma novidade da PLCPC), afigura-se de grande vantagem em termos processuais, consubstanciada tal como veremos mais adiante, no aumento das provas atendíveis na audiência prévia e consequentemente no reforço da sua importância processual.
Voltando a nossa discussão, segundo o regime consagrado pelo Código de Processo Civil vigente, o juiz deverá prolatar qualquer dos despachos acima referido, conforme as circunstâncias previstas tanto no artigo 474.º e artigo 477.º.
Ora, a proposta parece substituir o despacho de indeferimento pelo simples não recebimento da petição inicial pela secretaria, nos termos do seu artigo 473.º com fundamento na omissão dos elementos consagrados no artigo 467.º da PLCPC.
A priori, por imperativos de celeridade e economia processual, são indubitáveis as vantagens que podemos retirar do regime previsto na proposta, quanto a esta matéria, por maioria de razão.
É que a prática forense, demonstrou que o processo ao ser recebido, autuado, e concluso ao Juiz, mesmo quando não preencha os requisitos para o seu recebimento, acomete um volume de trabalho que poderia efectivamente ser evitado. Entretanto, a ser assim, não podemos olvidar a maior preparação dos funcionários do tribunal, sobretudo os da distribuição que farão um exame sumário ao processo antes de pugnar pelo seu não recebimento.
Relativamente ao despacho liminar de aperfeiçoamento, a supressão é a nosso ver compensada com a introdução do curioso despacho pré-saneador, nos termos do artigo 503.º da PLCPC, afigurando-se também em nossa modesta opinião como um grande ganho ao processo civil Angolano, pelos motivos já expostos acima.
Importa, porém, frisar que, quanto aos articulados, a PLCPC devia ser mais audaciosa, sobretudo na questão ligada a réplica e a tréplica a semelhança do Código de Processo Civil Português com a reforma de 2013.
O já citado Código de Processo Civil Português, trouxe um regime mais simplificado no que tange à réplica e eliminou a tréplica. Nestes termos, o seu artigo 584.º n.º 1, observa que “só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção”. Acresce o n.º 2 que, “nas acções de simples apreciação negativa, a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu”. Assim, a réplica deixou de ser admitida para responder as excepções deduzidas pelo réu na contestação.
Ainda em termos de direito comparado, o Código de Processo Civil Brasileiro, estabelece no seu artigo 342.º que “depois da contestação, só é lícito ao réu deduzir novas alegações quando:
I – Relativas a direito ou a fato superveniente;
II – Competir ao juiz conhecer delas de ofício;
III – Por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição”.
Continua dizendo nos termos do § 1 do artigo 343.º que “Proposta a reconvenção, o autor será intimado, na pessoa de seu advogado, para apresentar resposta no prazo de 15 (quinze) dias”.
Do citado regime resulta claro, que a réplica é admitida somente em circunstâncias expecionalíssimas, diminuindo significativamente a sua função e alcance, eliminando-se completamente do Código a tréplica enquanto articulado.
Diante do quadro acima descrito, a grande questão colocada nos vários fóruns de debate, sobretudo aquando da apresentação da proposta de lei de Código de Processo Civil Português, foi a de saber qual seria o tratamento reservado para a questão das excepções, considerando que por maioria de razão, a não alegação implicaria a confissão ou admissão por acordo dos factos alegados pelo réu.
A Resposta a uma tal questão, não obstante longe de ter encontrado consenso, foi a de que, as questões suscitadas na contestação passíveis de constituírem excepções, seriam respondidas na audiência preliminar.
Ora, daquilo que temos estado a defender até aqui, não seria imprudente lograr um futuro Código de Processo Civil que consagre um regime idêntico, uma vez que, defendemos a criação de mecanismos processuais conducentes a diminuição do excesso de formalismo, e é neste sentido que se enquadra a diminuição da função da réplica, e a eliminação da tréplica.
É que na nossa míope visão, não havendo reconvenção na contestação, achamos ser despiciendo a réplica, tendo em conta que as excepções podem ser objecto de discussão na audiência preliminar. Ademais, em atenção ao já citado artigo 503.º no seu n.º 1 al. a) da PLCPC, as excepções dilatórias podem ser supridas por despacho do Juiz.
- Da Audiência Preliminar e dos Despacho Saneador
Relativamente a audiência preliminar destaca-se o reforço da importância da mesma no formalismo do processo declarativo comum,
A audiência preliminar, antes audiência preparatória, é a “priori” obrigatória a luz da presente reforma, diferentemente do regime consagrado no código vigente. Tal entendimento, é decorrente do exercício hermenêutico das disposições conjugadas dos artigos 504.º n. 1 e 505.º n.º 1 da PLCPC. Daqui decorre igualmente que, não obstante a possibilidade de dispensa-la, tal dispensa, deve ser antecedida pela verificação de determinados requisitos, nomeadamente:
- A simplicidade da causa;
- Quando se destinem a discussão de excepções dilatórias já debatidas nos articulados ou do mérito da causa quando a sua apreciação revista de manifesta simplicidade.
Notem que, a obrigatoriedade de audiência preliminar, está de acordo com as necessidades do processo civil actual já largamente debatidas anteriormente por nós.
Diferentemente por exemplo, se passa Código de Processo Civil vigente, uma vez que nos termos do seu artigo 508.º, no seu n. 1 “Findos os articulados, se ao juiz se afigurar possível conhecer, sem necessidade de mais provas, do pedido ou de algum dos pedidos principais, ou do pedido reconvencional, designará para dentro de dez dias uma audiência de discussão”, consagrando nele, um regime facultativo quanto a audiência preliminar. Endossa tal entendimento, o n.º 3 do citado artigo ao dizer que “o juiz pode também marcar audiência para discutir qualquer excepção”. Outrossim, salta à vista o reforço da maior transparência na gestão das matérias relevantes tanto para especificação como para o questionário, a delimitação da base instrutória e a designação da data de julgamento caso o processo prossiga[6].
Relativamente o primeiro ponto, poderá resultar, por uma questão de lógica processual, na desnecessidade de notificação das partes para apresentação do rol de testemunhas e requererem quaisquer outras provas, salvo os casos em que não haja lugar à audiência preliminar, conforme os artigos 504.º n.º 1 e 505.º n.º 1 da PLCPC
No que concerne a designação da data de audiência final, é uma consequência da questão anterior, da qual resulta grandes vantagens em termos processuais, uma vez que resolvida a base instrutória na audiência preliminar, por maioria de razão, nada obsta à realização da audiência final. Assim, suprime-se do futuro código, as dilatórias diligencias do artigo 512.º do código vigente.
- Da Acção Executiva
No que acção executiva concerne, a proposta traz várias inovações com destaque para a possibilidade de citação prévia do executado sem necessidade do competente despacho liminar, o que resulta na dispensa do mesmo nos termos previsto no artigo 774.º da PLCPC.
Salta-nos também à vista, à penhora sem a citação prévia do executado. Tais expedientes, visam atribuir ao processo executivo, uma maior celeridade, demarcando-se grandemente do regime estatuído no código vigente. Neste quesito, a proposta de lei, é bastante semelhante ao regime previsto no código português, nos termos dos artigos 703.º e seguintes, com excepção da figura do agente de execução que constitui o grande salto do legislador português, no que o processo de execução diz respeito.
Todavia a par das inovações constantes na proposta de lei, constituiria mais valia para efeitos de desmantelamento do excesso de formalismo processual, a possibilidade de as acções executivas baseadas em título executivo judicial correrem nos próprios autos em que a sentença que lhe serve de título foi prolatada.
Isso implicaria, por conseguinte, que as acções executivas baseadas em sentença condenatória fossem executadas nos próprios autos em que o executado foi condenado. Assim, transitada em julgado a sentença condenatória, poderia o autor promover a execução nos próprios autos, mediante um simples requerimento desprovido de formalismo exacerbado, exceptuando claramente as acções baseadas em sentença condenatória proferida no processo penal, por imposição do n.º 1 do artigo 92.º do CPP.
Notem que em tais circunstancias, seria despiciendo alguns procedimentos que são extremamente dilatórios tais como, requerer certidão de sentença, remeter o requerimento à secretaria, distribuição do processo, actos que não são tão simples quanto parecem.
A “ratio” deste expediente, está à nosso ver arraigada no facto de que, não há justiça nenhuma, em submeter um processo executivo baseado em título executivo judicial aos mesmo formalismos empregados ao processo executivo baseado noutro título executivo.
Conclusões
Portanto, poderíamos nos aventurar em discorrer acerca de tantas outras matérias, sobretudo à fase de instrução do processo, discussão e julgamento, dos recursos e dos processos especiais, das providências cautelares que talvez sejam objectos de um artigo posterior.
Entretanto, do que foi dito, curamos a título de conclusão, que o contexto impõe inúmeras reflexões a par destas, que deveriam ser a nosso ver discutidas pelos vários operadores do direito à exaustão. Mas para tal, precisamos olhar para a justiça cível, com a cautela necessária, suficientemente clínica, para descortinar os problemas que a encerram, de modo a forjarmos um verdadeiro código que responda efectivamente os grandes desafios conjunturais e/ou até mesmo estruturais. Do contrário, teríamos um Novo Código, sem compaginar um verdadeiro Código Novo.
Bibliografia
MARTINS, João Pedro. Revelações: Os paraísos fiscais, a injustiça do sistema de Tributação e o mundo dos Pobres. 2ª Edição, 2010.
GOUVEIA, Mariana França. A Novíssima Acção Executiva-Análise das mais importantes alterações. Disponível em http://www.fd.unl.pt/docentes docs/ma/mfg ma 853.pdf
Novo Código de Processo Civil Anotado Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. OAB. – Porto Alegre, 2015.
JUDICIÁRIOS, Centro de Estudos. O Novo Processo Civil, , Dezembro de 2013.
[1] Jurista e Advogado Estagiário. E-mail: danielsamalambo12@gmail.com
[2] O Novo Processo Civil, Centro de Estudos Judiciários, Dezembro de 2013, p. 54
[3] Mais grave do que isso, é o facto de que muitos dos funcionários do cartório, não sabem divisar em termos práticos, os formalismos a atribuir à determinados processos, quer quanto à forma, quer quanto à natureza dos mesmos. Daqui resulta amiúde em processos sumários nada sumários e providencias cautelares improvidentes, para infelicidade do pacato cidadão, que recorre aos Tribunais para a realização do seu direito.
[4] Vide a propósito os artigo 137.º, 159.º n.º 2 e 166.º n.º 1 do Código de Processo Civil vigente, que por acaso prescrevem prazos mais favoráveis, comparativamente aos prazos estabelecidos nos artigos 163.º n.º 1 e 172.º n.º 1 da PLCPC, concernente aos actos dos Juízes e da Secretaria respectivamente.
[5] João Pedro MARTINS. Revelações: Os paraísos fiscais, a injustiça do sistema de Tributação e o mundo dos Pobres. 2ª Edição, 2010. p. 6
[6] Vide o artigo 504.º da PLCPC