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“Prerrogativas dos Advogados”

Advogado Amordaçado, com Olhos Vendados e Braços Amarrados

“PRERROGATIVAS DOS ADVOGADOS”

Ismael Fiaça[1]

«Na verdade, enquanto o processo se encontrar em segredo de justiça, só poderá ser mostrado ao advogado, quando não houver inconveniente para a descoberta da verdade.

E quase sempre desgraçadamente a há…, sem que o advogado ou o arguido possam provar o contrário!»

Professor Grandão Ramos, in Direito Processual Penal- Noções Fundamentais, 1ª edição. 2013, Escolar Editora.

Resumo:

O presente artigo visa essencialmente exteriorizar algumas reflexões resultantes da nota publicada no dia 04 de Outubro de 2021 pelo Conselho Nacional da Ordem dos Advogados de Angola, fazendo uma declaração pelo respeito das prerrogativas dos advogados angolanos.

Segundo o Conselho Nacional, foram violadas as garantias e prerrogativas dos advogados, nomeadamente: (i)  indeferimento por três vezes sem qualquer fundamento legal dos pedidos dos mandatários para consulta do processo; (ii) impossibilidade de abertura de instrução contraditória;  bem como (iii) o incidente de suspeição do juiz da causa pela sua manifesta parcialidade na condução dos autos.

Summary

This article aims essentially to externalize some reflections resulting from the note published on the 4th October 4, 2021  of the National Council of the Angolan Bar Association, making a statement for respect for the prerogatives of Angolan lawyers.

According to the National Council, the guarantees and prerogatives of lawyers have been infringed, in particular: (i) rejection three times without any legal basis of the agents’ requests for consultation of the case; (ii) impossibility of opening contradictory instruction;  as well as (iii) the incident of suspicion of the judge of the case for its manifest partiality in the conduct of the case.

Introdução

O exercício da advocacia bem como as prerrogativas dos advogados resultam primordialmente de vários diplomas legais de entre os quais destacam-se alguns, nomeadamente: (i) A Constituição da República de Angola; (ii) A lei da Advocacia; e (iii) Os Estatutos da Ordem dos Advogados de Angola.

Em relação a Constituição, cumpre apontar o artigo 193.º, que faz alusão ao exercício da advocacia, deixando claro no seu n.º 1 que “A advocacia é uma instituição essencial à administração da justiça”. Da mesma sorte, o artigo 194.º, que destaca as garantias dos advogados, por conseguinte, o artigo 195.º, que se refere ao acesso ao direito e a justiça e, em derradeiro, o artigo 196.º, que faz menção da defesa pública, destacando no seu nº 1 que “O Estado assegura, às pessoas com insuficiência de meios financeiros, mecanismos de defesa pública com vista à assistência jurídica e ao patrocínio forense oficioso, a todos os níveis”.

  • A Advocacia como meio essencial à administração da justiça

Pois bem, se por um lado o exercício da advocacia tem respaldo constitucional, por outro lado, a advocacia é, como diz a Constituição essencial à administração da justiça.

Do ponto de vista dos fins do Estado, tanto a Ciência Política como o Direito Constitucional destacam três, a saber, a segurança, a justiça e o bem-estar económico e social.

Repare que o Estado deve nessessariamente materializar tais fins, sob pena de não cumprir o escopo pelo qual existe.

Em relação a justiça como um dos fins do Estado, vale lembrar que é materiazlizado por várias instituições, incluindo a advocacia. Daí a expressão “a advocacia é determinante para à administração da justiça”.

A indispensabilidade do advogado independe de qualquer norma infralegal para lhe dar consistência, posto que exerce a defesa dos direitos constitucionais, fundamentais e individuais, o exercício nato do Estado Democrático de Direito[2].

O Poder Judiciário necessita, para sua actuação jurisdicional, de elementos qualificados que traduzam os interesses dos súditos do Estado aos órgãos jurisdicionais, forma hábil, técnica e científica, são os advogados. Sem a presença e actuação desses profissionais do direito, o poder judicial haveria de sentir o baixo nível das discussões, bem como deixariam as contendas judiciais de se fundarem na legislação material e seguirem os ritos impostos pelas normas adjectivas por faltar conhecimento aos jurisdicionados interessados[3]

Significa que a advocacia mais do que uma instituição ou profissão é um baluarte importante para à administração da justiça. Essa ideia deve ser percebida por todos os actores que intervém na administração da justiça, quer se trate dos tribunais, quer se trate da Procuradoria Geral da República (Ministério Público), quer se trate dos Serviços de Investigação Criminal ou outros órgaos similares.

A existência da advocacia como função essencial à administração da justiça, resulta de um comando constitucional, com um valor elevado, de modo a garantir que os direitos fundamentais e individuais dos cidadãos possam ser exercidos de forma plena e eficaz.

Desta feia, é importante que se perceba que, a advocacia não se insere na função judicial, mas, funciona como um meio essencial à administração da justiça.

Ao advogado cumpre auxiliar a justiça, representando seu cliente e emprestando todo o seu conhecimento jurídico ao leigo, também funciona como um intermediário entre a parte e o juiz, fazendo chegar a este todas as nuanças do caso posto à apreciação, de forma objectiva, despojados dos naturais contornos emocionais, e adequado à norma jurídica pertinente[4].

Em verdade, é o advogado um instrumentalizador privilegiado do Estado Democrático de Direito, a quem se confia a defesa da ordem jurídica, da soberania nacional, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, bem como valores sociais maiores e ideais de Justiça. Em suma, o advogado apresenta-se como condição necessária para a efetivação dos fundamentos, dos objetivos fundamentais do Estado (…). O advogado constitui meio necessário a garantir, no mínimo, o respeito à isonomia e a todos os direitos e garantias fundamentais, individuais e colectivos, permitindo a todos a defesa de seu património económico e moral[5]

Sendo assim, o exercício da advocacia deve ser visto não apenas como um mecanismo de assegurar a actuação do advogado perante os tribunais, mas acima de tudo, como uma ferramenta essencial à justiça.

  • O advogado não está subordinado ao Juiz, ao Procurador ou ao Escrivão

Daí a necessidade do disposto no artigo 5.°. da Lei 8/17, de 13 de Março (Lei da Advocacia) que: “O Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre, em qualquer circunstância, a sua independência, devendo agir, livre de qualquer pressão ou coacção, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional, no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.”

Deprede-se desta norma que a actuação do advogado deve ser livre de qualquer pressão ou coacção. Significa que o advogado goza de liberdade no exercício da sua profissão. Tal liberdade é indispensável a fim de materializar o imperativo constitucional de que “a advocacia é essencial à administração da justiça”

É relevante que todos os actores que trabalham em prol da administração da justiça entendam de uma vez por todas que, o advogado não se subordina quer ao juiz, ao procurador, escrivão, aos agentes da polícia, etc. O advogado é independente e toda a sua actuação está ancorada aos ditames da lei e da sua consciência como profissional.

Essa ausência de subordinação precisa ser interpretada, entendida e, por conseguinte, aplicada pelos vários actores que de forma harmoniosa trabalham em prol da administração da justiça, de modo que, direitos e prerrogativas de advogados jamais sejam violados.

Em contrapartida, também se diga a bom da verdade que, a independência de que nos debruçamos, jamais pode ser vista pelos advogados como uma porta aberta para o desrespeito e descumprimento de regras das quais está adstrito.

O que se pretende é por um lado, cooperação (de todos os actores) pela justiça, isenta de todas as possíveis rivalidade e egos. Devem acima de tudo ultrapassar as vaidades que em nada contribuem para a administração da justiça.

Do mesmo modo o acesso ao direito e aos tribunais tem de ser assegurado por advogados livres e independentes e não por advogados funcionalizados ou funcionários públicos. Só um advogado livre e independente está em condições de assegurar em plenitude a representação do cidadão mais carenciado e não só, pugnando pela defesa dos seus direitos e liberdades (o sublinhado é noso)[6].

  • Prerrogativas dos advogados

Prerrogativa é um termo cujos antecedentes etimológicos residem na língua latina, mais precisamente no vocábulo praerogativa. Uma prerrogativa é uma autorização, um benefício ou uma dispensa que se outorga a uma pessoa relativamente a um determinado assunto. A prerrogativa, deste modo, permite evitar ou evadir um certo limite[7].

Neste sentido, prerrogativa pode corresponder à direitos específicos inerentes a uma instituição, a uma função, a um cago ou a uma pessoa.

Prevê o artigo 6. ° da Lei da Advocacia que: Os Advogados e Advogados Estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados de Angola não podem ser impedidos, por qualquer autoridade pública ou privada, de praticar os actos próprios dos advogados, nem o seu acesso às instituições públicas pode ser negado por qualquer funcionário público, dentro dos limites legalmente estabelecidos”

Também dispõe o artigo 45.º dos Estatudos da Ordem dos Advogados de Angola que: “Os advogados têm direito de requerer a intervenção da Ordem dos Advogados para defesa dos seus direitos ou dos legítimos interesses da classe, nos termos previstos nestes Estatutos”.

Na mesma senda, prevê o artigo 46.º do referido Estatudo que:

1. Os magistrados, agentes de autoridade e funcionários públicos devem assegurar aos advogados, quando no exercício da sua profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas para o cabal desempenho do mandato.

2. Nas audiências de julgamento, os advogados dispõem de bancada própria e têm o direito de falar sentados.

Nos termos das nromas supra mencionadas, fica evidente que os direitos e prerrogativas assegurados aos advogados, exprimem condutas e situações que têm o escopo de garantir o livre e regular exercício da advocacia.

Com efeito, o advogado, no seu ministério privado, presta serviço público e exerce função social, porquanto, na defesa dos interesses dos seus outorgantes, está a postular pela correcta aplicação da lei, assegurando, notoriamente, a manutenção dos institutos de direito e, em última instância, do Estado Democrático de Direito[8]

Sendo assim, todo e qualquer comportamento resultante de órgãos ou funcionários públicos que atentem a estas normas, pode configurar um atentado brutal as garantiras e prerrogativas dos advogados.

A luta em torno da defesa das prerrogativas dos advogados não é e não deve ser uma luta restrita desta classe, mais sim, uma luta de toda a sociedade que esteja imbuída no espírito democrático e justo.

Pois, se despirem dessas imunidades aquele que saí em defesa do pacato cidadão, podemos estar certos de que a justiça será servida em uma bandeja de prata ao bel prazer daqueles que detém o poderio sobre os mais fracos.

As prerrogativas defendidas pelos advogados não são e nunca serão um meio de envaidecimento destes, pelo contrário, são um conjunto de ferramentas bélicas que estes homens e mulheres utilizam no duelo intensivo que travam na administração da justiça.

Outrossim, entende-se que é direito do advogado a defesa das suas prerrogativas com o propósito de afastar qualquer acto praticado por alguma autoridade com o objectivo de coartar o seu exercício profissional. Portanto, a violação do exercício profissional e prerrogativas dos advogados, chama a si a intervenção “em parte” da Ordem dos Advogados, que tem como finalidade legal, a defesa exclusiva dos seus associados. 

Não se deve esquecer que qualquer violação a prerrogativa dos advogados constitui afronta A Lei Suprema, à Lei da Advocacia e aos Esatatutos da Ordem.

Ademais, a prerrogativa profissional de se dirigir aos magistrados, além de ser essencial para a preservação de relação harmônica entre aqueles que actuam na actividade judiciária, contribui para a realização da justiça, já que, actualmente, a enorme quantidade de processos a serem julgados, muitas vezes, impede que o magistrado observe certos detalhes, capazes de alterar o rumo de suas decisões[9].

Assim sendo, o advogado tem a prerrogativa de se dirigir ao cartório ou secretaria dos tribunais bem como aos órgãos de polícia sem prévia audiência, no intuito de consultar processos ou efectuar outras diligências de que careça. Entretanto, convém destacar que, no exercício desta prerrogativa, exige-se do advogado, por disposição de lei e respeito aos seus pares, que observe a ordem de chegada.

Considerações finais

Portanto, dúvidas não restam que, por um lado, o advogado é essencial à administração da justiça e como tal, goza de prerrogativas, e não pode ser visto pelos vários actores judiciais como um inimigo da justiça.

Por outro lado, o atropelo as referidas prerrogativas de forma constante entre nós configura uma antevisão de uma decadência da liberdade, justiça e igualdade. Se acham dramático de mais a nossa posição, então façamos o simples exercício de imaginar um advogado amordaçado, com olhos vendados e braços amarrados em uma audiência. Pois bem, é simplesmente isso que acontece todas as vezes que se é quartado as prerrogativas de um advogado.

Bibliografia

  • CAROLINA DINIZ PANIZA, O PAPEL DO ADVOGADO COMO FUNÇÃO ESSENCIAL À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA E SUA RESPONSABILIDADE POR DANO PROCESSUAL, UNIFIEO Osasco, 2011, Disponível em: http://www.unifieo.br.
  • Fabiana Marion Spengler; Theobaldo Spengler Neto, Políticas Públicas de Acesso ao Justiça: “Aspectos Polémicos”, Pedro e João Editores, 2021.
  • VII Congresso dos Advogados Portugueses, A INDEPENDÊNCIA DO ADVOGADO COMO GARANTIA DE EFECTIVAÇÃO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS.
  • Conceito de prerrogativa – O que é, Definição e Significado
  • OABSP, Cartilha de Prerrogativas Comissão de Direitos e Prerrogativas, Editora Lex, 2009.

Legislação

  • Constituição da República de Angola
  • Lei n.º 8/17, de 13 de Março (Lei da Advocacia)
  • Decreto n.º 56/05, de13 de Maio (Estatuto da Ordem dos Advogados de Angola)

[1] Consultor na LWD-Advogado e Docente da Universidade Óscar Ribas e Analista do Programa Atualidade “JuLaw”

[2] CAROLINA DINIZ PANIZA, O PAPEL DO ADVOGADO COMO FUNÇÃO ESSENCIAL À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA E SUA RESPONSABILIDADE POR DANO PROCESSUAL, UNIFIEO Osasco, 2011, pag. 14. Disponível em: http://www.unifieo.br.

[3] CAROLINA DINIZ PANIZA, O PAPEL DO ADVOGADO COMO FUNÇÃO ESSENCIAL À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA E SUA RESPONSABILIDADE POR DANO PROCESSUAL, UNIFIEO Osasco, 2011, pag. 14. Disponível em: http://www.unifieo.br.

[4] CAROLINA DINIZ PANIZA, O PAPEL DO ADVOGADO COMO FUNÇÃO ESSENCIAL À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA E SUA RESPONSABILIDADE POR DANO PROCESSUAL, UNIFIEO Osasco, 2011, pag. 14. Disponível em: http://www.unifieo.br.

[5] Fabiana Marion Spengler; Theobaldo Spengler Neto, Políticas Públicas de Acesso ao Justiça: “Aspectos Polémicos”, Pedro e João Editores, 2021, pag. 90

[6] VII Congresso dos Advogados Portugueses, A INDEPENDÊNCIA DO ADVOGADO COMO GARANTIA DE EFECTIVAÇÃO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS.

[7] Conceito de prerrogativa – O que é, Definição e Significado

[8] OABSP, Cartilha de Prerrogativas Comissão de Direitos e Prerrogativas, Editora Lex, 2009, pag. 14

[9] OABSP, Cartilha de Prerrogativas Comissão de Direitos e Prerrogativas, Editora Lex, 2009, pag. 66

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