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Notas sobre o anteprojecto do código de processo civil: A personalidade judiciária das agências e filiais.

NOTAS SOBRE O ANTEPROJECTO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: A PERSONALIDADE JUDICIÁRIA DAS AGÊNCIAS E FILIAIS.

Por: Osvaldo Malanga, Juiz de Direito e Docente Universitário.

Resumo

De um estudo que vimos fazendo de um tempo a esta parte, e as alterações legislativas ocorridas nos últimos quarenta anos, quer em Portugal quer no resto dos países da CPLP, acerca das excepções do pressuposto processual relativo às partes, que é a personalidade judiciária, chamou-nos especial atenção às excepções ao princípio da equiparação. Pelo que, ousamos em apresentar no presente artigo, a nossa posição e a nossa conclusão que é divergente de grande parte dos processualistas lusófonos, relativamente a extensão da personalidade judiciária às agências e filiais. Num primeiro momento, trataremos do conceito de personalidade judiciária, extensão da personalidade judiciária às sucursais, filiais agências e delegações, para num outro momento, tratarmos da matéria referente a legitimidade e responsabilização das sucursais agências e filiais.

  1. Conceito de Personalidade Judiciária.

O Primeiro Pressuposto Processual segundo a arrumação do Código de Processo Civil de 1939 e de 1961, herdado da potência colonizadora e adoptado através do mecanismo da recepção material, nas leis constitucionais em que foram proclamadas as independências dos respectivos países,  e  ainda vigente em Angola, Moçambique, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, com as devidas alterações efectuadas em cada um dos ordenamentos jurídicos e no Novo Código de Processo Civil Português de 2013, aprovado pela Lei n.º41/2013-Diário da República n.º121/2013, Série I, de 2013-06-26, e no anteprojecto do CPC Angolano é a personalidade judiciária.

Designa-se por personalidade judiciária a susceptibilidade de ser parte processual.[1]

Partes são as pessoas que requerem ou contra as quais são requeridas as providências judiciárias. As partes podem ser principais ou acessórias. As partes principais são as pessoas que num processo tenham uma posição independente de uma outra. São partes principais num processo o autor/réu na acção declarativa, exequente/executado na acção executiva, requerente/requerido, nas providências cautelares não especificadas. Para além das partes principais, podem existir nos processos as partes acessórias, e estas são as pessoas que no processo têm uma posição subordinada a uma das partes principais (autor/réu) nos termos do artigo 335.º e 330.º do C.P.C.

  1. Critério atributivo da Personalidade Judiciária.

Definida que está a personalidade judiciária, é mister, agora, sabermos quem dela disfruta. À respeito do critério atributivo da personalidade judiciária dispõe o artigo 5.º nº2 do C.P.C de 1961 e Artigo 11.º 2 do N.C.P.C.P, artigo 6.º nº2 do Anteprojecto do CPC Angolano o seguinte:

“Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”.

Na norma acima referida, encontra-se consagrado o critério da equiparação entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária. Quer este critério significar que todas as pessoas humanas, nascidas completas e com vida, por terem personalidade jurídica, têm automaticamente personalidade judiciária.[2]

Para além das pessoas físicas, têm igualmente personalidade judiciária, as pessoas colectivas e os entes personalizados (Sociedades, Associações, Fundações, Estado, Ordens Profissionais).

Excepções ao princípio da equiparação.

Admitem os nossos ordenamentos ritológicos a concessão de personalidade judiciária a entes desprovidos de personalidade jurídica, é o que se passa com a herança jacente, patrimónios autónomos semelhantes, as sucursais, agências, filiais, delegações e pessoas colectivas ou sociedades irregulares.[3]

Referimo-nos no parágrafo precedente, que excepcionalmente a personalidade judiciária é estendida as sucursais, agências, filiais e ás representações de uma pessoa colectiva, relativamente a factos por elas praticados ou no caso de a administração situar-se no estrangeiro por actos desta última, e a obrigação ter sido contraída com um angolano ou estrangeiro residente em Angola.[4]

Antes de nos pronunciarmos sobre as excepções constantes do artigo 7.º e 13.º dos Códigos acima citados, convém definir cada uma das figuras neles existentes começando por abordar a representação comercial.

Dispõe o nº1 do artigo 4.º da Lei das Sociedades Comerciais de Angola, artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais Português o seguinte:

“Salvo disposição legal em contrário, a sociedade que não tenha sede efectiva em Angola, mas deseje exercer a sua actividade neste país por mais de um ano, deve estabelecer uma representação permanente e cumprir o disposto na Lei Angolana.”

Nos ordenamentos jurídicos moçambicano, artigo 88.º nº1 do C.Com., cabo-verdiano, artigo 4.º do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto Legislativo 2/2019, de 27 de Junho de 2019, e artigo 109.º do Código Comercial, aprovado pela Carta de Lei de 28 de Junho de 1888, ainda vigentes em São Tomé e Príncipe e Guiné Bissau.

O artigo 13.º do Código das Sociedades Comerciais Português, o artigo 15.º da Lei das Sociedades Comercias de Angola, referem-se as formas locais de representação. As normas em causa abrem a possibilidade de sociedades ou comerciantes, que tenham a sua sede fora ou dentro destes países, exercerem nos seus territórios ou em locais distintos da sede, actividade comercial com ou sem representação. Estas normas visam a protecção do interesse de terceiros, uma vez que é difícil demandar pessoas domiciliadas no estrangeiro ou que estejam sediadas num ponto geográfico do território diferente do local onde a acção é proposta. Como exemplo de representação comercial temos o contrato mandato comercial, que se encontra regulado no artigo 231.º e seguintes do C.Com. ainda aplicável à Angola, Moçambique, Guine Bissau e São Tomé e Príncipe e em Portugal. Neste aspecto Cabo Verde tem um instituto similar regulado no artigo 65.º e seguintes do Decreto Legislativo n.º 1/2019, o contrato do proposto e estes são os gerentes e auxiliares. 

A representação pode ser temporária, quando a actividade da sociedade comercial estrangeira ou fora do território da sede, exercida pelo representante no território destes estados, não se prolongue por mais de um ano, ou permanente quando a representação seja superior a este lapso temporal.

Como formas de representação temporária temos como exemplo o contrato de mandato, que se destina a prática de um acto ou um conjunto deles, num lapso de tempo inferior a um ano, a delegação comercial, entre outros. Para poderem estar representados permanentemente nestes países, as sociedades estrangeiras têm de cumprir as suas leis.

As principais formas de representação permanente, são as sucursais e filiais, para além da existência de outros contratos de distribuição comercial (agência, concessão), podendo a representação consistir na criação de um ente jurídico autónomo ou não.

Diz-se sucursal, o estabelecimento secundário dotado de representação permanente, criada por uma sociedade estrangeira no território de um Estado, para aí desenvolver actividades próprias do seu objecto social, sem no entanto, nascer, um ente jurídico distinto da sociedade. Por seu turno, diz-se filial, um ente dotado de personalidade jurídica e património autónomo, que se rege por estatutos próprios e possuiu órgãos próprios de governo e administração, ou seja, é uma sociedade distinta de qualquer outra.

Como forma de representação comercial a filial pressupõe a existência de duas sociedades, a sociedade mãe e a sociedade filha (filial) e ambas têm personalidades jurídicas distintas.

Quer a sucursal, quer a filial são formas de representação das sociedades comerciais/empresas, cuja principal diferença está no facto da filial gozar de personalidade jurídica e a sucursal não. As sucursais possuem uma certa autonomia de gestão no desenvolvimento da sua actividade e respondem pelas suas dívidas.

Quanto às filiais, não são totalmente autónomas do ponto de vista económico, uma vez que, são controladas pela sociedade mãe que a controla e normalmente detém uma parte substancial do seu capital social.

Importa, agora, tomar como protótipo as leis das instituições financeiras dos ordenamentos jurídicos que temos estado a fazer referência.        

No ordenamento jurídico moçambicano, os conceitos de filial e sucursal encontram-se previstos nas alíneas h) e y) do artigo 2.º da Lei n.º9/2004, de 1 de Novembro; no ordenamento jurídico de São Tomé e Príncipe, para as instituições financeiras bancárias encontramos os conceitos  previstos no artigo 6.º da Lei n.º 9/92, de 28 de  Julho; no ordenamento jurídico guineense, encontramos previstas no artigo 16.º da Lei nº 9/2008 de 26 de Agosto; no ordenamento jurídico cabo-verdiano, os conceitos de filiais e sucursais encontram-se previstos nas alíneas f) e j) Lei n.º62/VIII/16, de 23 de Abril;  e em Angola.  na Lei de Bases das Instituições Financeiras, Lei nº12/15, de 17 de Junho, define-os nos nº 8 e 36, do artigo 2.º.

Estes ordenamentos jurídicos têm em comum o facto de as definições levarem-nos a concluir que a filial tem personalidade jurídica e a sucursal não tem personalidade jurídica.

Agências.

Refere-se ainda o artigo 7.º do C.P.C, e 8.º do Anteprojecto do CPC Angolano, as agências, que importa também saber se, de facto, possuem ou não personalidade jurídica. Dispõe o artigo 230.º do Código Comercial, com a redacções introduzidas pelas leis substitutas, vigentes nos vários ordenamentos jurídicos o seguinte:

“Haver-se-ão como comerciais as empresas singulares ou colectivas que se propuserem:

3. A agenciar negócios ou leilões por conta de outrem em escritório aberto ao público, mediante salário estipulado”

Sobre o artigo 230.º do Código Comercial existe uma querela doutrinária, sendo que alguns autores defendem que as empresas aí constantes, significam sujeitos ou empresários, ou seja, pessoas singulares ou colectivas que se propõem a exercer profissionalmente as actividades do artigo 230.º do C.Com, dentre outros, José Tavares, citado pelos ilustres Jurisconsultos Jorge Manuel Coutinho de Abreu e Miguel J.A Pupo Correia, nas suas Obras Curso de Direito Comercial e Direito Comercial, Direitos das Empresas, pág. 65 e 43, respectivamente.

Para outra corrente doutrinária, tais empresas não são mais do que uma série ou complexo de actos comerciais.

Para o reputado Professor Jorge Manuel Coutinho de Abreu ,  na obra Curso de Direito Comercial, Volume I, pág.65, o sentido normativo do artigo 230.º é o de que neste artigo encontra-se um conjunto ou uma série de actos, objectivamente enquadrados organizativamente . Posição e argumentos de que concordamos.

Dentre os contratos constantes dos vários números do artigo 230.º está o contrato de agência. Como contrato de distribuição comercial, o contrato de agência é definido como aquele por meio do qual uma pessoa (o agente) se obriga a promover por conta de outrem a  celebração de contratos, mediante retribuição, artigo 1.º da Lei nº 18/03, de 12 de Agosto, e  artigo 1.º da Lei nº178/86, de 3 de Julho, Lei portuguesa, não descuramos a existência de disposição semelhante noutros países de língua portuguesa, no ordenamento jurídico cabo-verdiano, prevê-o o artigo 306.º da Lei nº1/2019.

O contrato de agência pressupõe a existência de dois sujeitos, o agente e o agenciado, ou seja, temos no contrato de agência duas pessoas diferentes, que exploram empresas diferentes. É o contrato de agência é um contrato típico, nominado, bilateral, sinalagmático, obrigacional, oneroso.

São elementos do contrato de agência os seguintes:

  1. Promover por conta de outrem a celebração de contratos.

No momento em que o agente celebra o contrato assume perante o principal a obrigação de promoção da celebração de contratos, ou seja, a principal obrigação do agente é de identificar potenciais clientes e levá-los a celebrar contratos com o principal.

  •  A actuação do agente por conta do principal.

Quer este requisito dizer que os efeitos jurídicos da actuação do agente, repercutem-se na esfera jurídica do principal e não na sua.

  • Modo autónomo e estável.

Quanto à organização da sua actividade, aos meios usados para angariar clientes e às estratégias de comunicação, o agente é autónomo e independente do principal.

  • O carácter estável da relação contratual.

A relação entre o agente e o agenciado é caracterizada pela sua durabilidade, dado que, o sucesso da organização do agente, para angariação e fidelização de clientela não poderiam ser alcançados sem este carácter duradouro.

  • Remuneração.

A última característica deste contrato é a remuneração, o agente tem o direito de receber uma remuneração pelo seu trabalho.

É, pois, em bom rigor, este contrato, uma prestação de serviço, mais propriamente uma modalidade de mandato comercial.

Vimos que um dos elementos do contrato de agência é a autonomia, elemento este que permite distingui-lo do contrato de trabalho, pois que, neste há subordinação da actividade do trabalhador ao empregador, porque no contrato de agência o agente desenvolve a sua actividade com meios próprios, não sob direcção e subordinação do empregador.

Dissemos noutro momento que uma das características do contrato de agência é a bilateralidade, porque neste contrato para cada uma das partes assume uma obrigação, e ambas se complementam na produção do resultado.

Com base no conceito e características, acima expostas, vimos que o agente tem, pois, personalidade jurídica distinta da do principal, ou seja, voltamos aqui a frisar que se trata de uma pessoa, que faz do agenciamento de negócios sua profissão.

Apesar da regulamentação em Portugal ter apenas sido efectivada nos anos oitenta do século XX, o contrato de agência é típico desde o Código Comercial de 1888, de Veiga Beirão, ou pelo menos é nominado, não se percebendo bem a razão de terem o legislador de 1939, o de 1961 e de 2013, estendido a excepção ao agente (agência), uma vez que, para a celebração do contrato de agência ser pressuposto a existência de duas pessoas e ambas têm de ter personalidade judiciária.

Assim, somos a concluir que em face da evolução legislativa operada a nível da legislação substantiva, desde a publicação do Código de Processo Civil de 1939, e mesmo anterior a ela quanto as agências, não fazia e não faz sentido mantermos no código de processo civil dos países citados, a referência às filiais e agências, como entes desprovidos de personalidade jurídica, quando o ramo de direito de onde provêm os institutos em causa lhes atribuem.

Quanto a elas nenhum sentido faz o uso do critério da equiparação porque gozando personalidade jurídica, gozam automaticamente de personalidade judiciária.

No quadro legislativo actual é nosso entendimento que artigo 7.º do C.P.C de 1961, NCPCP de 2013, apenas tem aplicação para as sucursais, as representações comerciais feitas por meio de mandato num prazo inferior a um ano e delegações, valendo isto por dizer que a excepção não se aplica às agências e filiais. Tal se verificará também no futuro CPC.

As filiais, e agências, não caem na excepção do artigo 7.º, porque desfrutam de personalidade jurídica, aplicando-lhes os artigos 5.º e 11.º dos códigos de 1961 e 2013, valendo isto por dizer que não faz sentido mantermos estes institutos no artigo 8.º do Anteprojecto do CPC angolano.

III- Na Jurisprudência.

Na sua obra Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2004, o ilustre Professor José Alberto dos Reis, pág.26, nas anotações aos artigos 6.º,7º e 8.º, dizendo que: “Há desvios; há casos em que se reconhece personalidade judiciária a entidades que não têm personalidade jurídica (6.º,7.º e 8.º),…

Citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1927, aquele ilustre jurisconsulto refere que “a douta decisão atribuiu individualidade jurídica às sucursais, agências e filiais; mas a doutrina não é de aceitar”.

Negando a doutrina emanada no douto acórdão, o ilustre jurisconsulto, na sua obra apoiou-se no Artigo “A sociedade e as Agências Filiais ou Sucursais, publicada no Boletim da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol.15, fasc.2.º, págs. 358 e seguintes.

As sucursais, agências e filiais ou delegações são órgãos através dos quais se exerce a actividade da administração principal; são órgãos locais de administração local, inteiramente subordinados à superintendência da administração central. Não têm personalidade jurídica. Por se abrir uma sucursal ou agência não se modifica a personalidade jurídica da sociedade.

Para levar mais longe a facilidade de movimentos a lei permite que as sucursais, agências, etc., posto que não tenham personalidade jurídica, demandem e sejam demandadas; quer dizer, atribui personalidade judiciária às sucursais delegações da administração central, a fim de se realizar mais completamente o objectivo a que obedece a criação de tais órgãos.”

Recentemente no blog do Instituto Português de Processo Civil, foi publicada jurisprudência de 2019, acórdão da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 6564/17,2T8LRS.L1-6, no número 2, da douta decisão os  Venerandos Desembargadores apresentam os seguintes fundamentos:

“….

Nos termos do disposto no artigo 11,º nº2, em regra quem tiver personalidade jurídica tem personalidade judiciária.

Em regra as sociedade comerciais têm personalidade jurídica (art.º 5.º do Código das Sociedades Comerciais-CSC).

No que respeita as agências o artigo 13.º do CPC, reproduz o teor do artigo 7.º do Código anterior, na redacção introduzida pela Lei n.º180/96, de 25 de Setembro, estabelece o seguinte:

1-…

2-…

Citaram ainda os Venerandos o acórdão da mesma Relação de 16/11/2010, prolatado no processo nº 487/08.3TBFX.L1-1, disponível no site www.dgsi.pt dos Venerandos Desembargadores Anabela Calafate, António Santos e Folque Magalhães, que faz uma ampla análise do preceito do anterior código, e do qual se destaca o seguinte fudamentação:

….

Também o artigo 13.º do Código das Sociedades Comerciais prevê que “ a sociedade pode criar, sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação no território nacional ou estrangeiro”.

Citando o Professor Abílio Neto, CSC, 4ª Edição, pág. 116, o acórdão apenas define sucursal e as restantes figuras do artigo 7.º são remetidas para as anotações feitas pelo professor José Alberto dos Reis, no seu Código de Processo Civil Anotado, 3ª Edição Coimbra editora, pág.26/27 anotações constantes do acórdão anterior, cujo teor damos por reproduzido.

Dos acórdãos em análise, podemos concluir que as agências, sucursais, filiais e delegações não têm personalidade jurídica e, concomitantemente não têm personalidade judiciária.

É o entendimento que têm igualmente o professor João de Matos Antunes Varela, no seu Manual de Processo Civil.

No acórdão em crise os Venerandos Desembargadores, baseando-se no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, com as alterações que lhe foram sendo introduzidas, está definido no seu artigo 2.º A, a) o conceito de “agência” como sendo a sucursal, no pais, de uma instituição de crédito ou sociedade financeira com sede em Portugal ou sucursal suplementar de uma instituição de crédito ou instituição financeira com sede no estrangeiro.

Podemos neste caso em falar em agências no verdadeiro sentido da palavra ou o conceito de agência está delimitado para as finalidades desta lei?

A nossa resposta para a questão suscitada é a de que se atentarmos ao conceito de agência expendido no Decreto-Lei n.º 298/92, não estamos em face de verdadeiras agências, nem tão pouco os trabalhadores da “agência” das instituições financeiras são agentes, uma vez que o que os vincula a instituição e um contrato de trabalho.

As agências citadas na referida lei, mais não são do que sucursais ou estabelecimento comerciais, podendo até como as tratas um ilustre professor de direito comercial como sendo meros balcões.

O nosso entendimento é confirmado por diversos instrumentos legais vigentes no ordenamento jurídico português e angolano apesar da regulação ter sido feita somente desde a Lei n.º178/86, de 3 de Agosto, em Portugal, e em Angola pela Lei n.º 18/03,  passou a regular o contrato de agência e no artigo 1.º deste instrumento legislativo depreendemos que como forma de representação comercial o agente tem personalidade jurídica.

Sobre o conceito de agência, vide ainda António Pinto Monteiro, na obra Direito Comercial, Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, pág.78 e seguintes, António Menezes Cordeiro, Direito Comercial, 3ª Edição Almedina, pág.746 e seguintes, José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comercias, pág,439 e Miguel J.A. Pupo Correia, Direito Comercial, Direito da Empresa, pág. 528.

Nos manuais citados, todos os autores são unanimes em dizer que no contrato de distribuição comercial, que é a agência quer o representante (agente), quer o representado (agenciado) têm personalidade jurídica.

Não percebemos o sentido dado à palavra agência nos termos do artigo 7.º e 13.º do C.P.C nem tão pouco a manutenção do mesmo no Anteprojecto do CPC angolano.

Da leitura das anotações do Professor Alberto dos Reis, concluímos ter o ilustre professor concluído que a agência corresponde a um estabelecimento secundário o que hodiernamente não corresponde ao conceito legal.

Mesmo na época em que chegou a tal conclusão, o nº3 do artigo 230.º do Código Comercial de 1888, não permitia porque a celebração do contrato de agência pressupunha a intervenção de dois sujeitos individualizados.

Quanto às filiais, a sua constituição tem de ser feita com base na lei, nos termos do disposto no artigo 4.º e 5.º da LSC angolana e a regra é a mesma nos outros ordenamentos.

Assim, não entendemos como os Venerandos Desembargares negaram personalidade jurídica a entes que legalmente dela desfrutam (agências e filiais), com as implicações processuais e a nível da responsabilização que tal negação acarreta que pretendemos abordar numa próxima oportunidade.

Vemos, pois, que o legislador angolano, no seu Anteprojecto, mantém uma norma semelhante ao artigo 7.º do CPC vigente, artigo 13.º CPC português, o artigo 8.º sem se perceber a manutenção nesta última norma das figuras da agência e da filial.        

Luanda, 04 de Agosto de 2021.


[1] Artigo 5.º nº 1 do C.P.C de 1961, artigo 11.º do Novo C.P.C.P de 2013 e artigo 6.º da Proposta do CPC Angolano.

[2] Artigo 66.º do C.C.

[3] Artigos 6.º, 7.º e 8.º do C.P.C e 7.º e 8.º do Anteprojecto do CPC angolano.

[4] Artigo 7.º do C.P.C de 1961 e 13.º do N.C.P.C.P e 8.º do Anteprojecto do CPC angolano.

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