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A faculdade do empregador suprir as irregularidades do procedimento disciplinar – a (in) constitucionalidade do n.º 4 do art. 208.º da lei geral do trabalho

A FACULDADE DO EMPREGADOR SUPRIR AS IRREGULARIDADES DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR – A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO N.º 4 DO ART. 208.º DA LEI GERAL DO TRABALHO.[1]

Inácio MUANA[2]

RESUMO

Com o presente estudo, pretendemos analisar a eventual inconstitucionalidade do n.º 4 do art. 208.º da Lei Geral do Trabalho.

A norma em causa consagra as consequências da declaração de nulidade do procedimento disciplinar, que em suma, traduzem-se na obrigação do empregador reintegrar o trabalhador e pagar-lhe os salários (intercalares ou de tramitação) e complementos que tiver deixado de receber em virtude do despedimento, até ao limite máximo de seis (6) meses para as grandes empresas, quatro (4) meses para as médias empresas e de dois (2) meses para as pequenas e micro-empresas.

Todavia, a mesma norma, no seu n.º 4, confere ao empregador a faculdade de suprir as irregularidades do procedimento disciplinar, num prazo de cinco (5) dias úteis, a contar da data da declaração de nulidade do despedimento.

Em termos práticos, a disposição legal em causa permite ao empregador agir em sentido contrário a uma decisão judicial, quando a CRA dispõe no n.º 2 do art. 177.º, que as decisões dos tribunais são de cumprimento obrigatório por parte de qualquer entidade, pública ou privada, prevalecendo sobre quaisquer outras, sem prejuízo da possibilidade de serem oportunamente impugnadas nos termos da lei.

Em função dos elementos acima expostos, colocam-se seriam dúvidas sobre a constitucionalidade do n.º 4 do art. 208.º da LGT, sendo por este facto objectivo do nosso estudo procurar demonstrar que a norma em causa belisca o princípio da vinculatividade das decisões dos tribunais.

Palavras-chaves: trabalhador;empregador; contrato de trabalho; poder disciplinar; procedimento disciplinar; decisões dos tribunais; vinculatividade; inconstitucionalidade.

ABSTRACT

With this study, we intend to analyze the possible unconstitutionality of paragraph 4 of art. 208 of the General Labor Law. The rule in question enshrines the consequences of the declaration of nullity of the disciplinary procedure, which, in short, translates into the employer’s obligation to reintegrate the worker and pay him / her wages (interim or processing) and supplements that he has failed to receive due of dismissal, up to a maximum of six (6) months for large companies, four (4) months for medium-sized companies and two (2) months for small and micro-companies.

However, the same rule, in its paragraph 4, gives the employer the power to remedy the irregularities of the disciplinary procedure, within a period of five (5) working days, counting from the date of the declaration of nullity of the dismissal. In practical terms, the legal provision in question allows the employer to act contrary to a judicial decision, when CRA provides in paragraph 2 of art. 177, that the decisions of the courts are mandatory by any entity, public or private, prevailing over any others, without prejudice to the possibility of being timely challenged under the terms of the law.

Due to the elements exposed above, there are doubts about the constitutionality of paragraph 4 of art. 208 of the LGT, and for this reason the objective of our study is to try to demonstrate that the rule in question tweaks the principle of binding court decisions.

Keywords: worker; employer; employment contract; disciplinary power; disciplinary procedure; court decisions; binding; unconstitutionality.

INTRODUÇÃO

A separação de poderes[3] é um dos princípios fundamentais de todo e qualquer Estado democrático de direito. Por força do referido princípio, existem os órgãos de soberania tal como os conhecemos hoje, com especial destaque para os tribunais no presente estudo.

Os tribunais são o Órgão de Soberania com competência de administrar a justiça em nome do povo e nestes termos, dispõe a CRA que as suas decisões são de cumprimento obrigatório por qualquer entidade, pública ou privada e no caso de desobediência, há a possibilidade de serem impostas pelo uso da força.

Assim, a função primordial dos tribunais é dirimir conflitos, que podem surgir em qualquer relação. As relações jurídico-laborais não constituem excepção.

Nas relações de trabalho emergem conflitos, como resultado, essencialmente, do incumprimento dos deveres laborais à que as partes estão adstritas; como consequência do princípio do auto regulamentação das partes no Direito do Trabalho, o empregador tem à sua disposição o poder disciplinar e por sua vez, o trabalhador tem a greve e o despedimento indirecto como meios de defesa, em primeira instância, dos seus direitos.

Sendo o poder disciplinar um verdadeiro poder punitivo e com o fito de evitar o seu exercício abusivo, o legislador consagrou na LGT um conjunto de normas imperativas na tramitação do procedimento disciplinar e a sua inobservância pelo destinatário, no caso, o empregador, acarreta a nulidade do referido procedimento, mesmo que existam provas que demonstrem a culpa do trabalhador-arguido; tal declaração é feita por um tribunal. Todavia, o empregador tem a faculdade de suprir as irregularidades do procedimento e manter a anterior medida aplicada, ao arrepio da decisão do Órgão de Soberania. Num Estado democrático e de Direito, onde as decisões dos tribunais são de cumprimento obrigatório, tal faculdade, parece-nos que belisca a CRA.

Em virtude das questões apontadas, urge assim a necessidade dos operadores do Direito e não só, reflectirem (mais do que já tem sido feito) sobre a problemática apontada a fim de provocar alguma reacção ao legislador que leve a inversão do actual quadro.

A exposição será sintética e por este facto, o presente relatório comporta três partes essenciais. Num primeiro momento, debruçar-nos-emos acerca da relação laboral, com maior enfase para o poder disciplinar e os meios de oposição do trabalhador.

Num segundo plano, iremos fazer uma incursão sobre a actividade dos tribunais, dando maior destaque para o princípio da força vinculativa das suas decisões.

Num terceiro e último momento, faremos uma análise, embora de forma genérica, ao instituto da inconstitucionalidade, onde analisaremos, as questões levantadas nos pontos anteriores à nível de direito comparado, no caso, o ordenamento jurídico português.

Todavia, antes de avançarmos para a abordagem dos aspectos essenciais delineados, sentimo-nos na obrigação de tecer duas breves, mas importantes observações: primeiro, os preceitos citados sem indicação do diploma, reportam-se à Lei Geral do Trabalho (Lei n.º 7/15, de 15 de Junho). Segundo, o presente estudo é obra humana e como tal, sujeita a erros; em virtude da falibilidade humana, estamos de braços abertos para acolher e de bom grado sugestões e críticas a eventuais gralhas ou imprecisões que constem do mesmo.

Continue a ler o artigo no documento abaixo:


[1] O presente artigo corresponde, com uma ou outra alteração, ao Relatório apresentado no Curso de Especialização em Direito do Trabalho, da Escola Nacional de Administração e Políticas Públicas (ENAPP), como requisito parcial à conclusão do curso.

[2] Advogado. Jurista formado pelo Instituto Superior Politécnico Lusíadas de Benguela – ISPLB.

[3] Contrapõe-se ao absolutismo. Tem por base a ideia de se atribuir os poderes a entidades ou órgãos distintos, a fim de se evitarem arbitrariedades que caracterizam o absolutismo. Em contrapartida, cada um dos órgãos não exerce as suas funções de forma absoluta, isto é, em determinado momento da sua actuação, cada um dos órgãos dependeria de outro órgão, como forma de controlo e limitação do poder. Uma maior abordagem sobre a temática, cfr. J.J. Gomes CANOTILHO/Vital MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 209.

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