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Modelos e Desenhos Industriais e a Protecção da Trade Dress à Luz do Ordenamento Jurídico Angolano

Por: Franklin Santa-Rosa [1] e José Luquinda [2]

Constitui desde já um dado certo que sempre que se fala em Direito Intelectual, as patentes de invenção e as marcas são os bens intelectuais com maior destaque e se quisermos, os tipos paradigmáticos. Todavia, existem no universo do direito intelectual e especificamente a nível da propriedade industrial, outros bens intelectuais cujo Direito lhes reconhece dignidade suficiente para serem susceptíveis de protecção. Dentre eles, destacamos os modelos e desenhos industriais que serão objecto da nossa abordagem.

Igualmente, trazemos à tona um instituto jurídico pouco conhecido a nível do ordenamento jurídico angolano que é a figura da Trade Dress. Nos debruçaremos sobre as suas implicações, formas de protecção, saber se já é uma realidade ou não em Angola bem como a relação que a mesma tem com as duas figuras anteriormente elencadas (modelos e desenhos industriais).

Em termos de delimitação da nossa abordagem, procuraremos nos focar essencialmente no que respeitam às práticas comerciais entendendo nós que os bens de propriedade industrial, tendo eles como finalidade primária a afirmação económica do comerciante, o seu conhecimento e aclaração do seu regime jurídico e contornos será deveras essencial para todo aquele com o propósito de saber mais sobre os meios que tem à disposição para alavancar a sua actividade comercial e inclusive protegê-la contra terceiros.

Começamos a nossa abordagem trazendo o conceito legal de Modelo Industrial adoptado pela nossa Lei n.º 3/92, de 28 de Fevereiro – Lei da Propriedade Industrial (doravante LPI). Nos termos do artigo 16.º da referida lei, no seu n.º 1, “É tido como modelo industrial toda a forma plástica, associada ou não a linhas ou cores, que possam servir de tipo de fabricação de um produto industrial ou artesanal” (Itálico nosso). Depreende-se da leitura do mesmo que o Modelo Industrial não é nada mais do que a forma, o feitio ou configuração externa com que se apresenta determinado produto ou recipiente que contém ou é destinado a conter certo produto.[3]  Tal formato ou configuração deve necessariamente ser capaz de servir de tipo de fabricação do referido produto (isto é, ser susceptível de reprodução industrial ou artesanal em massa).

Estes, contudo, não se confundem com uma outra figura a eles semelhante em termos de linguística mas diferente em termos de conteúdo e função que são os Modelos de Utilidade. Estes últimos visam proporcionar uma melhoria ou aumento das condições de aproveitamento e utilidade de certo bem já existente [4], ao passo que aqueles limitam-se apenas em acrescentar um valor visual ao produto, tornando-o mais atraente e destacável aos consumidores ou potenciais consumidores do mesmo.

No que respeita aos Desenhos Industriais, de acordo com o n.º 2 do artigo 16.º da LPI, considera-se “toda disposição ou conjunto novo de linhas ou cores que, com o fim industrial ou comercial, possa ser aplicado na ornamentação de um produto por qualquer processo (…)”. (Itálico nosso). Deste enunciado, concluímos que os Desenhos Industriais são as ornamentações feitas a determinados produtos. A sua finalidade é estética, ornamental e tem claramente importância no que respeita ao próprio marketing do produto e a sua atractividade, sendo o factor visual um grande elemento diferenciador em relação aos produtos concorrentes.

Note-se que no nosso ordenamento jurídico há, nos termos da LPI, uma distinção entre o conceito de modelo industrial e o conceito de desenho industrial mas esta diferenciação pode nem sempre se relevar tão clara assim, tanto é que um modelo industrial pode igualmente vir acompanhado de elementos estéticos e ornamentais (basta vislumbrar a expressão “(…) associada ou não a linhas ou cores (…)” presente no n.º 1 do artigo 16.º da LPI). A título comparativo, noutras realidades jurídicas como é o caso do Brasil, esta problemática foi superada com a adopção de uma figura única que são os Desenhos Industriais (não existindo a figura dos Modelos Industriais no ordenamento jurídico brasileiro).

Nos termos do artigo 95.º da Lei n.º 9.279, de 14 de Maio de 1966 (Lei sobre a Propriedade Industrial Brasileira), considera-se Desenho Industrial “a forma plástica ornamental de um objecto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial” (Itálico nosso). Vê-se aqui claramente uma condensação dos Modelos e Desenhos Industriais. Salvo melhor observação, entendemos que a diferença entre ambas figuras, em princípio, traduz-se no facto de, segundo a lei, os modelos industriais dizerem respeito à forma física, o feitio de determinado produto ou recipiente de determinado produto, sendo dispensável a sua ornamentação e, os desenhos industriais estarem relacionados à ornamentação do produto por meio de linhas ou cores. Todavia, é igualmente de se reconhecer que esta diferenciação é meramente conceitual e que, do ponto de vista prático, pouco nítida fica a capacidade de distinção destes dois elementos tanto é que, no final,  ambos acabam concorrendo para a garantia de uma maior atractividade do ponto de vista visual de certo produto que é exposto no mercado.

Esta ténue e difícil destrinça acaba necessariamente por se repercutir de modo negativo em diversos âmbitos, sendo um deles o procedimental no que respeita ao registo junto do Instituto Angolano da Propriedade Industrial (IAPI). Poderão existir situações em que determinado indivíduo ver-se-á forçado a proceder ao pagamento de duas taxas (uma para o modelo e outra para o desenho industrial respectivamente) ou ainda ver-se confuso se recorre pela via do registo enquanto modelo industrial ou enquanto desenho industrial (que na prática acaba por não ter consequências tão significativas uma vez que o regime jurídico de ambas figuras é idêntico [5]).

Por estas razões apresentadas, entendemos ser desnecessária a dissociação dos acima referidos bens intelectuais, pelo sugerimos a título de iure constituendo que na futura revisão da Lei da Propriedade Industrial se possa ter em atenção este aspecto, adoptando-se ou uma solução similar (condensação de ambas figuras numa só) ou uma maior clarificação dos critérios de distinção entre ambas.

Expostos estes factos, cabe-nos agora abordar sobre o instituto da Trade Dress. De acordo com MERGES, MENELL e LEMLEY, “Trade Dress is the characteristics of the visual appearance of a product or its packaging (or even the design of a bulding) that signify the source of the product to consumers.” [6]. Dito de outro modo, é Trade Dress o conjunto de elementos visualmente perceptíveis que vão caracterizar certo produto ou serviço introduzido no mercado (a sua roupagem, a embalagem do mesmo, layout, o modo de organização e disposição de elementos de um estabelecimento comercial, entre outros), identificar a sua origem e que têm influência directa no aviamento[7] de determinado negócio.

Pelo seu conceito, conseguimos facilmente perceber o porquê de relacionarmos a Trade Dress com os Modelos e Desenhos Industriais. Na verdade, a Trade Dress pode ser um dos elementos de um desenho industrial ou até mesmo de uma marca mas com eles não se confunde. Se tivéssemos que representar em um gráfico, diríamos que numa esfera maior encontraríamos os modelos industriais, em seguida, dentro desta, numa esfera média estariam os desenhos industriais e dentro desta última estaria numa esfera menor a Trade Dress. O ponto de contacto entre estas três figuras reside fundamentalmente na sua finalidade: servir como um factor de atractividade do produto em relação à clientela através do aspecto visual.

Para que a Trade Dress possa ser susceptível de protecção, entende a doutrina e a jurisprudência norte-americana[8] ser necessário que:

a) Que a mesma seja suficientemente distintiva e capaz de servir primariamente como identificadora da origem do produto; [9]

b) Que o uso da mesma por outros comerciantes possa ser susceptível de induzir os consumidores em erro ou lhes causar confusão.[10]

A título exemplificativo, podemos citar aqui a embalagem que a marca do chocolate suíço TOBLERONE utiliza para o seu produto que se afigura num formato triangular em função do próprio formato do chocolate em si. Esta embalagem representa uma Trade Dress estando preenchidos quer o seu carácter distintivo (pelo formato e pela coloração amarelo pálido com as escritas “TOBLERONE” em tom avermelhado que pode variar quanto à coloração mas o formato e as escritas permanecem as mesmas) que permite identificar a origem do produto e que caso outros comerciantes (terceiros) tentem comercializar o mesmo produto, igualmente numa embalagem triangular com letras vermelhas os consumidores poderão facilmente equivocar-se acreditando ser um produto da marca TOBLERONE. Desviando-nos um pouco daquilo que é a realidade dos produtos, podemos também apresentar exemplos na esfera dos serviços como é o caso da seguinte situação hipotética: estamos dentro de um centro comercial e conseguimos vislumbrar numa das partes do mesmo uma sala com as cores laranja e azul, bandeiras da cor laranja e azul e mobília da mesma cor. Para a realidade angolana, certamente que a nossa mente nos conduzirá imediatamente para a UNITEL. Isto é uma Trade Dress. Estas disposições de cores, com as mesmas tonalidades e na mesma ordem constituem elemento diferenciador e identificador dos serviços da já referida empresa e, portanto, são susceptíveis de protecção.

Em sentido negativo, importa fazer referência ao facto de que os aspectos meramente funcionais não são protegidos como Trade Dress. Só o são, aqueles que estritamente têm por finalidade a promoção do produto ou serviço. (Podemos chamar à colação o exemplo da Cachaça “Chapéu de Palha” que traz, além da garrafa com a bebida alcoólica, um mini chapéu de palha decorativo por cima da rolha. Este adereço em nada tem que ver com a funcionalidade do produto, contudo, representa um elemento diferenciador e promotor do mesmo, tendo fortes impactos a nível do marketing.

O mesmo se pode dizer a respeito do Design. Embora a Trade Dress possa fazer recurso a algum tipo de Design no seu “corpo” ou conteúdo, vale lembrar que este enquanto tal não é susceptível de protecção enquanto Trade Dressmas já lhe é garantida protecção no âmbito dos Direitos de Autor e Conexos (Cfr. artigo 4.º, al. j) da Lei n.º 15/14, de 31 de Julho – Lei dos Direitos de Autor e Conexos).

3D illustration of a folder, focus on a tab with the word infringement. Conceptual image of copyright law

Chegados aqui e apresentados os requisitos para a protecção da Trade Dress, importa saber como a mesma se processa na prática e, para o efeito, antes de adentrarmos na realidade angolana, faremos uma breve análise comparada a nível dos ordenamentos jurídicos Inglês, Norte-Americano e Brasileiro.

No que respeita ao ordenamento jurídico Inglês, a mesma é protegida por via da Law of Passing off que funciona como que um meio de protecção usual nos países da família Common Law para as marcas não registadas. A nível dos Estados Unidos da América, a questão é tratada por via da Lanham Act que é um estatuto da lei federal dos Estados Unidos que proíbe uma série de actos, incluindo violação de marcas, diluição de marcas e inclusive publicidade enganosa. (Em ambas realidades acima expostas, à Trade Dress é-lhe aplicável analogamente, na maioria dos casos, o regime jurídico das marcas, em função da similitude das suas características).

Quanto à realidade Brasileira (e é esta a que mais se aproxima da nossa), não existe uma lei específica que trate sobre as Trade Dress ou há sequer algum respaldo jurídico da existência da mesma. Contudo, defendemos nós que isto não é factor impeditivo para a sua protecção podendo ser aqui apresentadas duas soluções: A primeira seria pela via contratual (preventiva), com um propósito meramente probatório onde, através dos variados contactos que o comerciante tem e dos contratos que foi estabelecendo para a formação da Trade Dress (layout, design, cores, embalagem, entre outros), poderá sustentar a sua pretensão em sede da segunda alterativa que consiste na via judicial (reactiva) onde a avaliação deverá ser necessariamente mercadológica, isto é, caso a caso, o Tribunal deverá avaliar se na perspectiva do consumidor médio tal conjunto de elementos utilizados por outro comerciante seria susceptível de causar confusão ou não atendendo ao carácter distintivo e a finalidade de promoção dos produtos e serviços que a Trade Dress em causa apresenta. (A ser confirmado tal facto, estar-se-ia diante de uma situação de concorrência desleal, mais concretamente na modalidade do parasitismo que consiste no aproveitamento indevido das realizações de terceiros de modos a obter vantagem).

Em Angola, no caso de violação da Trade Dress, deverá o interessado intentar uma acção junto do Tribunal de Comarca, mais concretamente, na Sala do Comércio, Propriedade Intelectual e Industrial com base no artigo 57.º, al. b) da Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro – Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum, que nos diz que a referida sala tem competência para preparar e julgar “Acções em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas na lei.”(Itálico nosso). Acreditamos nós que o legislador ordinário neste preceito em concreto disse menos do que devia e fundamentamos o porquê: Elucida-nos o artigo 1.º, n.º 2 da LPI que a protecção da propriedade industrial tem por objecto, dentre outros, a repressão à concorrência desleal logo, pese embora a Trade Dress não seja necessariamente uma modalidade de propriedade industrial (e aqui fazendo cumprir o princípio da taxatividade dos bens de propriedade industrial), não deixa, contudo, a mesma de constituir, em caso de violação, um fundamento previsto na lei digno de protecção legal (que é a repressão à concorrência desleal).

Uma solução alternativa seria o recurso à Sala das Questões Criminais por via de um processo-crime, uma vez que o legislador ordinário considera os actos de concorrência desleal como tendo natureza de ilícito penal, isto nos termos do artigo 448.º da Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro – Lei que aprova o Código Penal Angolano (doravante CP). Contudo, não consideramos ser esta a via que melhor assegurará todos os interesses do ofendido, uma vez que pelo corpo do artigo 448.º do CP não abarca este todas as possíveis situações passíveis de concorrência desleal, limitando-se quando muito em abordar sobre as mercadorias ignorando completamente outras realidades como a imitação de serviços, do layout do estabelecimento comercial entre outros.

Assim sendo, apesar da sua não consagração expressa, somos a concluir, pelos argumentos já acima escalpelizados que é a Sala do Comércio, Propriedade Intelectual e Industrial a competente em razão da matéria para apreciar os casos respeitantes à concorrência desleal e, concomitantemente, respeitantes à violação da Trade Dress (principalmente no que respeita à especialidade da matéria em causa).

Notas de Rodapé:

[1] Licenciando em Direito pela Universidade Católica de Angola e Membro da Associação Angolana de Direito Intelectual.

[2] Licenciando em Direito pela Universidade Católica de Angola e Membro da Associação Angolana de Direito Intelectual.

[3] Podem ser aqui apontados, a título exemplificativo, os modelos de veículos da marca TESLA ou ainda o frasco do perfume “INVICTUS” da Paco Rabanne que possui o formato de um troféu.

[4] Citamos aqui como exemplo, as escovas de dentes eléctricas.

[5] Cfr. artigos 16.º a 28.º da LPI.

[6] MERGES, Robert P.; MENELL, Peter S.; LEMLEY, Mark A. (2007). Intellectual Property in the New Technological Age (4th rev. ed.) New York: Wolters Kluwer. p. 29 apud https://en.m.wikipedia.org/wiki/Trade_dress.

[7] O aviamento do estabelecimento é a capacidade lucrativa da empresa, ou seja, a aptidão para gerar lucros resultantes do conjunto de factores nela reunidos. O aviamento resulta do conjunto de elementos da empresa mas também de certas situações de facto que lhe potenciam a lucratividade. Para melhor desenvolvimento sobre a matéria, consultar CORREIA, Miguel J. A. Pupo (2018). Direito Comercial. Direito da Empresa (14.ª edição, revista e actualizada) Lisboa, Edição Ediforum. p. 55.

[8] Citam-se aqui o caso Duraco Products Inc v. Joy Plastic Enterprises Ltd., 40 F. 3d 1431 (3d Cir. 1994) e o caso Two Pesos, Inc. v. Taco Cabana, Inc., 505 U.S. 763 (1992).

[9] Com distintiva, queira-se entender invulgar e memorável, sendo capaz de ser dissociada do seu produto.

[10] Entenda-se aqui aplicável o critério do consumidor médio e que dele não se lhe podia exigir percepção diferente uma vez exposto àquela situação.

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