Por: Ezequiel Esmael Geremias
1.Ponto Prévio
O Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade (doravante REI) existe no ordenamento jurídico angolano desde 2008, isto é, aquando da aprovação e entrada em vigor da actual Lei do Processo Constitucional nº 3/08, de 17 de Junho (doravante LPC), na sequência da institucionalização do Tribunal Constitucional (adiante TC) pela Lei Orgânica do Tribunal Constitucional nº2/08, de 17 de Junho (adiante LOTC).
À semelhança do que sucedeu com as alterações introduzidas pela Lei nº 24/10, de 03 de Dezembro à LOTC, na mesma ocasião, a LPC veio a ser parcialmente alterada pela Lei nº 25/10, de 03 de Dezembro, com vista à adequa-lá ao novo paradigma constitucional aprovado a 05 de Fevereiro de 2010, portanto, a Constituição da República de Angola (doravante CRA).
Dentre várias questões, a Lei nº 25/10, de 03 de Dezembro retirou a natureza incidental ao REI, tornando ineficaz a norma do nº 2 do artigo 36°, aplicado subsidiariamente ao recurso ora em análise por força do nº 1 do artigo 52° da LPC. Nesta senda, e tendo em conta o estabelecido no artigo 15° desta Lei, o REI só pode ser interposto após prévio esgotamento nos tribunais comuns e demais tribunais, dos recursos ordinários legalmente previstos.
Com efeito, para além da suspensão da decisão, duvidou-se do efeito suspensivo quanto a marcha normal do processo bem como aos prazos dos demais recursos, atribuído pelo artigo 44°, aplicado subsidiariamente por força do nº 1, do artigo 52° da LPC, posto que, a sua interposição estava condicionada ao prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos.
Razão que, um pouco distraídos nos pode levar a admitir a não justificação da suspensão da marcha do processo, porquanto, o REI incide sobre sentenças (acórdãos) que traduzam uma decisão final, de mérito ou de forma, ( sem prejuízo do estatuído no n° 2 do artigo 49° quanto a ato administrativo executório e definitivo) depois de previamente esgotados nos tribunais comuns e demais tribunais os recursos ordinários legalmente previstos.
Não obstante, muito recentemente o TC, por razões e motivações desconhecidas, numa clara afronta ao princípio da Legalidade (artigo 175° in fine da CRA) e à ideia do Estado Democrático e de Direito (artigo 2° da CRA) emitiu uma decisão em que atribui ao REI efeito meramente devolutivo (vide Acórdão nº 612/20, página 7 e 8). Tal decisão, por ferir gravemente a CRA e a LPC suscitou acesos debates entre juristas e políticos, tendo sido uma das razões, se não a principal que levou o Executivo angolano a apresentar a Proposta de Lei de Alteração da Lei do Processo Constitucional, adiante PLALPC (vide o Relatório da Proposta de Lei).
Sendo que, o que se pretende, tal como consta do relatório da PLALPC é atenuarem-se as áreas de crispação na relação de diálogo entre o TC e o Tribunal Supremo (doravante TS) ligadas, sobretudo, a questões atinentes ao REI, bem como, clarificarem os seus efeitos, tendo-se previsto três efeitos ou situações, dentre os quais destaca-se o efeito suspensivo do processo (vide novamente o relatório e o n° 1 do artigo 58° da PLALPC). Sendo certo que, mantém-se o prévio esgotamento dos demais recursos da jurisdição comum e não só, como condição para a interposição do REI (artigo 49°, n° 1, alíneas a) e b) in fine da PLALPC).
Face ao exposto, colocam-se algumas questões:
- Haverá alguma (in)compatibilidade entre o efeito suspensivo da marcha do processo com o prévio esgotamento dos demais recursos da jurisdição comum e não só, como condição essencial para a interposição do REI?
- Tratando-se de um recurso “extraordinário”, é concebível a suspensão da execução da decisão recorrida?